Debate expõe desigualdades de Salvador nestes 462 anos

Eliane Costa

Reunir dois grandes historiadores, Luís Henrique Dias Tavares e Ubiratan Castro de Araújo, para falar da construção de Salvador foi o ponto inicial de um ciclo de debates que a Fundação Maurício Grabois pretende fazer para discutir os problemas da cidade. O encontro realizado na noite desta segunda-feira (28/3), na Biblioteca Central dos Barris foi também uma homenagem aos 462 anos da capital baiana, que foi fundada em 29 de março de 1549 para ser a capital do Império Português na América.

 Contar a história de Salvador não é tarefa fácil, já que muito deste período está envolvido na névoa da falta de registros precisos. A própria data de fundação da cidade foi determinada apenas em meados do século XX, após inúmeras discussões de estudiosos sobre o tema. “Depois de muitos debates, ficou definida que a data a ser comemorada seria o dia do desembarque de Thomé de Souza na Baía de Todos os Santos. A partir daí, a cidade começou a ser construída e não parou nunca mais”, informou o professor Ubiratan Castro de Araújo.

O historiador lembrou ainda que os portugueses não fundaram apenas uma cidade, mas um núcleo colonial auto-sustentável que seria a sede do Governo de Portugal no continente Americano. “Foi também o estabelecimento da ordem e da lei, que antes não existiam. Então podemos dizer, que a fundação de Salvador marca também a chegada do Governo Português ao Brasil. Neste aspecto, Salvador se assemelha a Brasília, cidade projetada para ser a capital do país”, declarou Araújo.

Cidade desigual 

Para o professor Ubiratan Castro, que também é um estudioso das questões étnico-raciais, a desigualdade social que persiste até hoje começou a ser construída já nos primeiros anos de existência a cidade. “O Estado Português chegou de fora, se sobrepondo sobre a população local, criando uma diferença entre os aldeões e os nativos da terra, estabelecendo a exploração colonial. Hoje a cidade mudou muito, mas mantém muito de suas características. Salvador é uma cidade portuária, voltada para o comércio e extremamente desigual. O que era no momento da criação é hoje. Os gentios e a elite. Os portugueses formavam uma elite de cristãos. Os gentios não tinham direito á terra, não tinham direito a armas, não tinham direito à defesa, não tinham direito a nada”.

“Hoje você ainda tem o corte entre a elite e o povo, tem uma sobreposição de poderes. Embora a gente viva uma democracia, o processo hoje é de inclusão dos gentios lá do começo. Nós estamos no processo de descolonização do estado, para o estado deixar de ser um instrumento de defesa das elites, dos interesses financeiros para representar a população local. Esta é uma virada que nós ainda estamos lutando para acabar com aquele Estado colonial implantado por Thomé de Souza em 1549. E estas conquistas vêm da resistência e da pressão popular”, enfatizou Araújo.

O professor Luís Henrique Dias Tavares também ressaltou o crescimento a desigualdade presente na cidade desde a sua concepção. “Salvador teve um crescimento desigual. Um crescimento urbano sem um apoio maior para que isto se desse por inteiro e para todos. Por isso, muitos bairros de Salvador estão abandonados”, falou o historiador, reforçando a necessidade de ações do Estado para resolver a questão. Para ele, uma ação efetiva é a ocupação policial no bairro do Nordeste de Amaralina, mas que está longe de solucionar a questão, pois são necessárias políticas contínuas.

Discussão maior 

“Este debate é ponto de partida para outras discussões que faremos adiante. Foi importante a colaboração dos professores Ubiratan Castro e Luís Henrique Dias Tavares, que contribuíram bastante sobre este aspecto que precisávamos debater, que é a questão da história de Salvador. Neste debate naturalmente apareceram questões relacionadas com o momento atual em que vivemos. E todas estas questões sobre os grandes problemas da cidade, nós debateremos em outros momentos”, disse Geraldo Galindo, presidente do PCdoB em Salvador.

Ricardo Moreno, da Fundação Maurício Grabois, também salienta a importância de aprofundar as discussões. “Nós queremos realizar um ciclo de debates sobre Salvador. Tentando fazer uma profunda reflexão sobre a deslocação da cidade, da sua identidade, suas contradições, suas lutas, suas classes. Então outros debates virão. Este foi sobre a formação histórica, mas queremos debater aspectos sobre estrutura da cidade, seus problemas. Ao longo do ano estaremos debatendo e publicando os resultados destes debates na Revista Dialética. Que é a nossa contribuição para o debate sobre os problemas de Salvador, já que ano que vem termos as eleições municipais”, acrescentou.

“Tivemos hoje uma verdadeira aula sobre a formação deste espaço segregado e uma verdadeira ilustração de como isso se forma e conseguimos concluir com a conclamação do professor Ubiratan Castro para nos rebelar-mos contra este espaço segregado e construirmos uma cidade mais igual, mais justa e mais humana. E isto faz parte de nossos planos”, concluiu Ricardo Moreno.

Durante o evento, que teve como debatedor o secretário Estadual do Trabalho Emprego, Renda e Esporte, Nilton Vasconcelos, a Fundação Maurício Grabois também homenageou os dois historiadores, através da entrega de uma placa em reconhecimento à contribuição dos professores Luis Henrique Dias Tavares e Ubiratan Castro de Araújo para a história da Bahia. Os deputados federais Alice Portugal e Daniel Almeida, as vereadoras Aladilce Souza e Olívia Santana, além de diversas lideranças sociais participaram da homenagem. 

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