Bahia Notícias: As informações que chegam
ao Bahia Notícias são de que o arquivo público baiano precisa de ajuda.
Infiltrações nas paredes, umidade e falta de estrutura colocariam em
risco os arquivos históricos da Bahia, e fala-se até na necessidade da
construção de uma nova sede. Qual o raio-X do arquivo público baiano
hoje?
Ubiratan Castro: Atualmente, trabalhamos o planejamento do arquivo
público baiano em duas vertentes: a primeira é a preservação da atual
sede, o da Quinta do Tanque, que é um prédio tombado, mas que não tem as
condições ideais para a preservação deste acervo. Estamos realizando
reparos. Trabalhamos para março e abril, para evitar que os arquivos
sejam atingidos pelo período de fortes chuvas. Estamos realizando
serviços de tapar as pingueiras, cuidar do assoalho, mas há muita
umidade naquele prédio. Os padres jesuítas que fundaram aquele local o
fizeram ali, porque sabiam que lá não faltaria água, pois naquela
localidade há duas fontes de água. Agora, justamente aquele local é onde
se guarda o arquivo público do estado. A outra vertente, é de que
precisamos do apoio e mobilização da imprensa e de toda a sociedade para
a construção de uma nova sede, em um terreno a ser definido. Assim como
é muito importante a obra da Nova Fonte Nova, a população tem que
entender a importância de também construir um arquivo público, para
preservar a nossa história e a nossa cidadania. Conversamos com o
Instituto de Arquitetos da Bahia (IAB), lançaremos um concurso para que
arquitetos nos ajudem a construir essa sede. Nosso arquivo público é o
segundo mais importante do país, já que Salvador foi sede da colônia por
três séculos. Está atrás apenas do arquivo público nacional, que fica
no Rio de Janeiro.
BN: O que esse arquivo público novo significaria na preservação da memória do Estado?
UC:
Nas grades bibliotecas do mundo, há documentos que estão em ótimo
estado de conservação com mais de 3 mil, 4 mil anos. De acordo com
especialistas, não é colocar apenas no ar condicionado gelado. Não
adianta fazer isso, pois, na verdade, você tem que manter mais em uma
temperatura estável. E se você manter uma temperatura estável a 28°,
isso é melhor que um ar condicionado que liga e desliga, que esquenta e
esfria. Há toda uma arquitetura especializada hoje na construção de
arquivos. Há todo um recurso hoje de microfilmagem, de digitalização,
que permitem que qualquer pessoa consulte os dados do arquivo sem
precisar pegar no papel. Hoje você pode guardar esse papel original com o
maior cuidado, e abrir o acesso às informações na mídia eletrônica. Em
computadores, ou mesmo colocar isso na rede, na internet.
BN: Atualmente, como se dá essa consulta ao arquivo público baiano?
UC:
Temos uma sala de consulta dos impressos, que é o carro-chefe, que
cotidianamente pesquisadores, não só de Salvador, mas de outros estados e
de outros países se dirigem; e temos uma sala de consultas de
microfilmes. Paralelo à essa pesquisa, que é mais de interesse
científico, existem as demandas do cidadão, que nós prestamos também
atendimento quando eles buscam a comprovação de diretos, de posse de
terras, de escolaridade. Por exemplo, temos muita demanda por conta da
comunidade europeia, de pessoas que tem interesse de identificar
parentes de outras origens para pleitear cidadanias de outros países.
Isso tem aumentado cada vez mais. Mas também prestamos um atendimento à
distância, porque no momento a base que o arquivo tem ainda não está
disponibilizada na internet. Nesses quatro anos voltamos a alimentar a
base e procedemos também a revisão para, neste momento, a gente se
preparar para, em um futuro próximo, disponibilizar esses arquivos na
internet e esse pesquisador já saber do que nós dispomos. Hoje existe um
atendimento à distância, em que nós recebemos um e-mail com as demandas
de consulta, verificamos se temos e, se tivermos, informamos. Temos
também uma biblioteca especializada em história da Bahia, e prestamos,
além do cidadão, atendimento a alguns órgãos da administração pública: a
Procuradoria-Geral do Estado (PGE), a Secretaria de Administração, a
Secretaria de Segurança Pública, e outros. Foram cerca de 30 mil
consultas ao arquivo em 2010. Apesar disso, a maioria das pessoas não
conhece o arquivo público ou sabe sua utilidade.
BN: Qual a urgência da criação, então, desse novo arquivo público? Quanto tempo o atual arquivo ainda suporta?
UC:
A demanda pela construção de um novo arquivo é para já. O arquivo na
Quinta do Tanque está congelado. Ele não aguenta mais, não tem mais
espaço, não tem mais condições físicas de acompanhar o crescimento da
documentação baiana, tanto pública quanto privada. Então, já está no
momento em que nós estamos deixando de recolher a memória do estado, por
conta da falta de espaço. Corremos o risco, pelas más condições de
temperatura, de umidade, de perder a memória que nós já temos guardadas.
É uma coisa que para nós é prioridade: resolver neste segundo mandato
do governador Jaques Wagner (PT) a questão do arquivo público. A gente
sabe que temos um mandato para resolver isso, são quatro anos, parece
que é muito, mas não é. A gente tem que ter toda uma tarefa técnica, de
definir prioridades, temos uma tarefa de buscar os recursos e temos a
tarefa da construção. A construção de um prédio complexo, porque o
arquivo é uma coisa complexa, além de todas as dificuldades
burocráticas.
BN: O que seriam essas dificuldades burocráticas?
UC: Por exemplo:
nosso arquivo conseguiu recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social, o BNDES, para a instalação de todo um sistema
antifogo, de prevenção de incêndio, que é fundamental, o prédio do
arquivo público é muito antigo e tem deficiências. Mas a legislação
exige que a gente tenha um parecer favorável do corpo de bombeiros. Há
quase dois anos que esse processo está no corpo de bombeiros sem que
seja dado um parecer, para dizer que está bom, ou que não. Na verdade, a
gente vem lutando para não perder esse recurso, e você veja que devido a
um procedimento burocrático, algo que é tão urgente como proteger o
arquivo público, um prédio velho, do fogo, é adiado por anos. A gente
tem uma burocracia muito lenta. A gente precisa hoje urgentemente deste
parecer. Infelizmente, boa parte das pessoas tem uma visão extremamente
errada de arquivo. Acha que arquivo é papel velho, e papel velho está lá
só ocupando espaço. Nos papeis velhos é que estão nossos direitos,
nossa memória. Direitos inclusive financeiros. Quando você compra uma
terra, você tem que levantar uma cadeia sucessória para saber quem foi
que comprou aquela terra, de onde é que ela veio, se é grilado ou não,
se quem está lhe vendendo é um oportunista. Porque, se não, você compra e
não leva. Então, tudo isso depende do arquivo.
BN: Qual era o estado do arquivo público quando o atual governo assumiu, em 2007?
UC:
Não havia esse hábito de preservar, da prática de higienização dos
depósitos e de intensificar essa limpeza, porque a higienização é
necessária para que a gente não precise fazer a restauração. Se você
estiver limpo, com a ventilação e luminosidade devida, você está
favorecendo a sobrevida daquele documento. Mas se você nunca limpar,
inevitavelmente acabará perdendo parte do arquivo.
BN: Foi encontrado algum tipo de arquivo que já não tinha mais como ser recuperado, em alto estágio de decomposição?
UC:Não,
nós não encontramos uma situação dessa. O que encontramos foi poeira,
que a gente tem aperfeiçoado a limpeza, e microrganismos. Mas agora, se
você for ao arquivo, não vai mais encontrar nenhum documento no chão.
Todos estão nas estantes, em caixas, classificados, acondicionados.
Agora, claro que existem documentos mais fragilizados.
* Tereza Matos, diretora do Arquivo Público, também participou da entrevista com informações sobre o arquivo.
Fonte: Bahia Notícias.
* Tereza Matos, diretora do Arquivo Público, também participou da entrevista com informações sobre o arquivo.
Fonte: Bahia Notícias.