Historiador encontra rara carta de ex-escravizado tratando do racismo nas cadeias de SP após a abolição



 

Escrita em dezembro de 1888, a carta é considerada pelo historiador Flávio Gomes, que a achou, uma raridade. Além de dominar as letras, o escritor tinha consciência da questão racial, exalta o pesquisador A carta, escrita em dezembro de 1888, é considerada pelo historiador Flávio Gomes, que a achou, uma raridade. O preso, ex-escravizado, além de dominar as letras, tinha consciência da questão racial, exalta Gomes. “Senhor. Vem este triste, pobre e miserável sentenciado à galé perpétua, queira a Vossa Excelência, pela sua humanidade de justiça a fim de dar as mais divinas providências a este regulamento de absurdo, que há aqui, nesta Cadeia Pública”, apela o ex-escravizado na carta endereçada ao “ilustríssimo excelentíssimo senhor doutor alferes de Polícia da Capital”.

Diferenças para visitas

A escrita original em duas páginas, com erros de português mas boa caligrafia, foi transcrita pelo Núcleo de Paleografia do Arquivo Público do Estado de São Paulo. O ex-escravizado, que deu à carta o caráter de petição, denuncia que “a cor preta tem sido tocada daqui como cachorro”. Ele considera um absurdo que o carcereiro proíba a entrada de “mulher de nós, que somos escravos”, mesmo nos dias de visita, enquanto os encontros para presos estrangeiros eram permitidos a qualquer hora. Em outro momento, o ex-escravizado fala de discriminação nos horários impostos aos negros. “A cor preta não pode parar até o meio-dia, e a cor branca para até o meio-dia”, relata. Embora Flávio Gomes, especialista em escravidão no Brasil, não saiba a que horário exatamente Queirós se referia — pode ter, por exemplo, relação com trabalhos forçados — ele sustenta que o autor tinha noção clara das transformações que o país vivia, sete meses após a decretação da Lei Áurea, e exigia que a mudança chegasse à cadeia. — Nas Américas, são raros os documentos escritos pelos escravizados. A carta sugere que João de Queirós acompanhava os movimentos externos, como a Abolição, assim como mostrava as diferenças raciais dentro da prisão, vendo o cárcere como continuidade da escravidão — explica o professor. — Este documento revela também como o sistema prisional do século XIX se articula com escravidão e racismo, onde os condenados, muitos ex-escravizados e mesmo africanos, eram encarcerados por décadas, com suas penas de morte transformadas em prisão perpétua. Mas as condições de alimentação, visitas, roupas e acompanhamento médico são atravessadas por diferenças raciais e percepções preconceituosas do poder público. Na petição, Queirós se apresenta como sentenciado a “galés perpétua” (à época, era considerada a pena mais severa do código depois da pena de morte, geralmente aplicada em casos de homicídio). Brasileira, historiadora e professora em Princeton University, Isadora Mota disse que o documento encontrado pelo colega Flávio Gomes é raríssimo porque, no caso de homens escravizados, apenas dois em cada mil possuíam a habilidade de ler e escrever. — O uso da escrita, no entanto, mesmo que parcial, era mais comum do que os números oficiais registram. Um condenado a galés perpétua como João, por exemplo, dificilmente teria sido incluído na contagem oficial. Os caminhos e manifestações do letramento negro eram múltiplos. Alguns escravizados aprenderam sozinhos a ler ou tomaram parte em situações informais de leitura oralizada. Muitos podiam assinar apenas seus nomes quando forçados a comparecer em juízo — diz. Isadora concorda com a análise de Gomes quando afirma que a carta é “um incrível testemunho de um homem liberto sobre os limites da abolição da escravidão no Brasil”. Para ela, Queirós demonstra que o fim do cativeiro não extinguiu a discriminação racial como realidade cotidiana dos negros nas prisões do país: — O fato de que ele escreveu um requerimento legal para contestar a discriminação racial é evidência importante da consciência política dos ex-escravizados. Sabiam que precisavam lutar para que a liberdade concedida em lei viesse a existir de fato. Vejo a carta de 1888 também como legado para o movimento negro no país. A pesquisa de Gomes em arquivos públicos de São Paulo, Espírito Santo e Maranhão é financiada pelo CNPq, com destaque para o projeto “Escrita, Escolarização, Cor e no Brasil da Escravidão e pósemancipação (1860-1908)”, coordenado por ele, e com pesquisadores da UFRJ, Uerj, PUC-SP, Colégio Pedro II, UFBA e Princeton University.

FONTE: O GLOBO 

PERIPIRI UMA FAZENDA QUE SE TORNOU BAIRRO NO SUBÚRBIO DE SALVADOR



Em idos de 1801, dirigiu-se o Tabelião Manoel Ribeiro de Carvalho a residência do casal Francisco Lopes de Araújo Villas Boas e Ana Maria de Almeida, para lavrar escritura de troca e permutação das fazendas Piripiri e Sapoca, com o casal Francisco Gomes de Souza e Maria Madalena de Souza. Através deste documento de escritura é possível levantar a cadeia sucessória da dita fazenda, hoje Bairro de Peripiri, Subúrbio de Salvador, trazendo luz sobre a sua história. Além da indicação dos antigos proprietários é possível verificar a extensão da propriedade, seus limites com outras fazendas, como a dos Coutos, hoje Bairro de Fazenda Coutos, o tipo de negócio ali estabelecido, neste caso a lavoura de cana de açúcar e a produção de farinha de mandioca e cachaça e ainda utilização de pessoas escravizadas com a indicação de suas senzalas. As escrituras aqui transcritas, de forma parcial, fazem parte do Projeto: Programa de Arquivos Ameaçados, e encontram-se disponíveis no site:  https://eap.bl.uk/search?query=EAP703 Mas também podem ser consultadas no Arquivo Público do Estado da Bahia através de agendamento prévio pelo E-mail: cadd.apeb@fpc.ba.gov.br


Escritura de troca e permutação que fazem Francisco Lopes de Araújo Villas Boas e sua mulher Dona Ana Maria de Almeida da sua Fazenda chamada Piripiri, com Francisco Gomes de Souza e sua mulher Dona Maria Madalena de Souza com a sua Fazenda chamada Sapoco como abaixo se declara

Saibam quantos este público instrumento de Escritura de troca e permutação ou como em direito melhor nome e lugar haja virem, que sendo no ano do Nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e um aos vinte e três dias do mês de outubro do dito ano nesta Cidade do Salvador Bahia de Todos os Santos e casas de morada de Francisco Gomes de Souza onde eu Tabelião fui chamado, sendo ali apareceram presentes partes a esta outorgantes havidos e contratados a saber, de uma o dito Francisco Gomes de Souza e sua mulher Dona Maria Madalena de Souza, da outra Francisco Lopes de Araújo por si e como procurador de sua mulher Dona Ana Maria de Almeida como se o fosse ser pela procuração que apresentou em que lhe da o poder... E logo por este foi dito a mim Tabelião perante as testemunhas adiante nomeadas e assinadas que ele dito e sua mulher, legítimos senhores e possuidores de uma Fazenda de terras próprias chamada Piripiri sita na Freguesia de Nossa Senhora do Ó de Paripe, com sua casa de vivenda, um telheiro, casa de fazer farinha, tudo coberto de telha e algumas senzalas cobertas de palha, cujas terras são de plantar canas e mandiocas, com suas matas de madeira de lei com canas e mais benfeitorias que na dita Fazenda se acharem, e tem de frente pela praia duzentas e cinquenta e três braças e meia e de comprimento, pelas parte do Norte mil novecentas e quarenta e sete braças e seis palmos e de largura nos fundos quinhentas e treze braças, partem pelo Sul com terras de Francisco Teixeira dos Santos desde a Praia até os fundos, e pelo Norte com terras de José Pinheiro de Queiroz até o Rio Pirajá, e pelo Noroeste com o mar salgado, os fundos vão terminar com terras de Dona Elena da Silva Sampaio e de João Barboza de Araújo, pela Estrada que vem de Cotegipe para a Estrada do Sertão e Cidade, tudo demarcado com seus marcos de pedra de uma contraparte e assim mais uma sorte de terras com todos os seus matos que nela tem, que foram de João Luiz Barreto, que pega do dito Rio chamado Pirajá para cima que foram cabeceiras da dita Fazenda de José Pinheiro de Queiroz, que partem pelo Sul com terras da Fazenda dos Coutos e nos fundos com terras do mesmo João Barboza, demarcada também com seus marcos de pedra, cujas terras e metade da dita Fazenda do Piripiri as possuem por título de compra que delas fizeram a Inacio de Mattos Felix de Menezes por escritura lavrada na nota do Tabelião Campelo, e noutra metade da mesma Fazenda a houveram por herança de seu sogro e Pai o Capitão José de Almeida Barreto, a qual Fazenda e sorte de terras assim confrontada e demarcada e com quem mais direito haja de partir, confrontar e demarcar, assim da mesma forma que a possuem livres e desembargadas de todo e qualquer encargo e melhor e melhor puder ser dele outorgante por si e com procurador de sua mulher que se achavam juntos e amigavelmente convencionados com o outorgante Francisco Gomes de Souza e sua mulher Dona Maria Madalena de Souza a trocaram e permutaram com outra Fazenda que também possuem em terras próprias denominada Sapoca, com suas casas de senzalas e uma Armação na Praia, tudo coberto de telha, de plantar canas, matos e todas as mais benfeitorias e plantas de canas que nela se acha, cujas terras partem pelo Sul com a Fazenda que hoje é do Tenente João Pedro de Carvalho e pelo  Norte com terras de João do Rozario de Souza e João Francisco Pontes, e pelos fundos com a Estrada Geral que vai para São Thomé, e com terras de João Barboza de Araújo até da dita Fazenda, demarcada com marcos de pedra, cuja Fazenda possuem eles ditos Francisco Gomes de Sousa e sua mulher por compra que dela fizeram a Francisco Dias Coelho como Testamenteiro de Antonio Soares Vieira por Escritura na nota do Tabelião Antonio Barboza de Oliveira voltando estes a ele outorgante pelo excesso de maioria que há na Fazenda do Piripiri para com a da Sapoca a quantia de três contos e oitocentos mil réis que são nove mil cruzados e duzentos mil réis em desobriga daquele dito Francisco Lopes de Araújo Villas Boas deva a Inacio de Mattos Felix de Menezes e a Manoel José de Araújo Borges ou a sua Mãe Dona Ana Joaquina de Araújo Borges, assim como procurador de sua mulher Dona Ana Maria de Almeida e Francisco Gomes de Souza e sua mulher Dona Maria Madalena de Souza, cada um no que lhe toca, que trocavam como logo trocaram as ditas propriedades na mesma forma que acima fica dito para que desde já logrem e hajam a possuam mansa e pacificamente como suas próprias que ficam sendo por virtude desta troca e permutação que fazem muito de suas livres vontades, modo próprio, sem constrangimento de pessoa alguma, e por este mesmo instrumento possam tomar posse cada um da Fazenda e mais benfeitorias que lhe fizerem justiça... Paripe, vinte e um de outubro de mil oitocentos e um.              

 


Escritura de venda paga e quitação que fazem Francisco Gomes de Souza e sua mulher Dona Maria Madalena de Souza ao Capitão José Gomes Pereira de uma fazenda em terras próprias denominada Piripiri, cita na Freguesia de Paripe, pelo preço e quantia de 10:000$00 como abaixo se declara

Saibam quantos este público instrumento de Escritura de venda paga e quitação ou como em direito melhor nome haja virem que sendo no ano do Nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e onze anos, ao primeiro dia do mês de agosto do dito ano nesta Cidade do Salvador e Bahia de Todos os Santos e Cartório do Tabelião Joaquim Tavares Macedo Silva para quem sirvo ali apareceram presentes partes a esta Outorgantes havidos e contratados, de um lado como vendedores Francisco Gomes de Souza Cavaleiro Professo na Ordem de Cristo e sua mulher Dona Maria Madalena de Souza e da outra como comprador José Gomes Pereira pessoas reconhecidas de mim Tabelião pelas próprias de que faço menção abaixo assinadas, que eles eram senhores e possuidores de mansa e pacifica posse a vista de todos sem contradição de pessoa alguma de uma Fazenda em terras próprias denominada Piripiri cita na Freguesia de Paripe, que parte do Norte com uma Fazenda do Setúbal do Capitão Manoel Ignacio Lisboa, até o Rio Pirajá dali para cima com a Fazenda dos Coutos, até a Estrada que sai do Macaco e dali por diante com terras de João Barboza de Araújo ou sua Mãe até a Estrada Real do Sertão, pelo Sul com terras de Francisco Teixeira, em que se acha de renda Antônio Vaz de Carvalho desde o Mar até a mesma Estrada Real do Sertão e pelo Oeste com o Mar Salgado, e pelo Leste com a mesma Estrada Real, em cuja venda senão compreende senão tão somente as terras e edifícios de pedra e cal como sejam, uma casa de alambique, outra que serve de venda e armazém, uma engenhoca de moer canas, um telheiro de queimar cal, um forno de cozer louça de barro, e a casa de vivenda já velha e arruinada. Reservando os vendedores ali todas as plantas que ali houverem, para as colherem por sua conta e todos os móveis e utensílios, digo, os móveis utensílios do lavatório do dito alambique e Fazenda, bem como todos os escravos, gados ou qualquer outros fôlegos vivos, embarcações grandes e pequenas, ferramentas e tudo o mais que por sua natureza for amovível. Cuja Fazenda assim da mesma forma acima declarada disseram eles vendedores que por este público instrumento, e ter pago a siza de um conto de réis, como constava do conhecimento que apresentou a abaixo desta vai lançado para se dar incorporado como translado da mesma escritura vendiam como logo venderam ao comprador para lhe seus herdeiros assim se foi pelo preço e quantia de dez contos de réis, cujo pagamento está p comprador obrigado a pagar-lhe em desobrigação...        

FONTES:

Arquivo Público do Estado da Bahia, Seção Judiciária Livro de Notas 144, páginas: 349v a 351v e Livro de Notas 168, páginas: 108 a 109v.

Mapa disponível em: http://vfco.brazilia.jor.br/ferrovias/Bahia/suburbios/Trem-Suburbano-Salvador-1992-mapa.shtml

Para saber mais sobre Peripiri: https://www.encontrasalvador.com.br/sobre/bairro-periperi-salvador/

BOLETINS DO MINISTÉRIO DO TRABALHO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO 1935-1943

 







DA CRIAÇÃO DE PEIXES NO DIQUE A LAPDAÇÃO DE DIAMANTES EM SALVADOR NO SÉCULO XIX

 

Em 1876, Francisco Rocha arrendara o Dique do Tororó para ali implantar uma criação de peixes para revenda na Bahia. Nesta matéria de O MONITOR, além de detalhes do contrato, o articulista narra em sua transcrição os limites da área e negócios como lapidação de diamantes no arrabaldes da cidade, trata ainda da Invasão Holandesa e suas heranças. Uma matéria para melhor conhecer a cidade no século XIX.


Ilustríssimos Excelentíssimos Senhores, Presidente e membros da Assembleia Provincial.

Diz o Doutor Francisco Antônio Pereira Rocha que tendo arrendado em 1876 a Câmara Municipal desta cidade, por espaço de 27 anos, o Dique Novo, que se estende da Fonte das Pedras até o lugar do Moinho, e seus braços que entram pelo Tororó, Garcia e Barris, outrora até a camisa de fogo do Forte de São Pedro, na propriedade do finado Manuel Alves de Sá, sob as seguintes condições:

1ª Pagar a renda de 50$000 nos primeiros nove anos, 100$000por cada um dos nove seguintes, e 200$000 por cada um dos nove anos últimos anos, ficando então todas as benfeitorias fixas pertencendo a municipalidade, que poria em hasta pública o novo arrendamento, preferindo para ele o suplicante os seus herdeiros.

2ª Plantar na margem de toda a estrada Dois de Julho um pé de Eucaliptos Glóbulos, de sessenta em sessenta palmos, e no intervalo outros tantos de Salgueiro, (chorão, saule pleureur).

3ª A povoar o mesmo Dique de peixes fluviais, das melhores espécies indicadas e outros exóticos, que podem viver entre os trópicos e se possam aclimar, visto não ser o Dique d’águas estagnadas, antes renovadas quase diariamente, despejando [...] horas, pelas duas [...] sempre abertas, mais de três mil metros cúbicos d’água potável, que alimenta os motores das duas fábricas de lapidação de diamantes, nos lugares da antiga Bate Folha, e depois do Moinho do Meira, e finalmente da fábrica do superior Rapé Areia Preta de Gantois & Paillet, vendida a Meuron & Companhia.

4ª Fazer na margem do Dique, em frente ao do novo Bairro do Tororó, que é lugar mais estreito do trânsito em canoas, para maior comodidade dos moradores do mesmo, uma casa coberta de telhas para ali ser mercado do peixe.

5ª Só aí poder vender o peixe, sob pena de 100$000 de multa; finalmente, a vender, a nunca mais de duzentos réis o peixe cada quilo, e de todo o tamanho e qualidade, sob a mesma multa, excetuando só os crustáceos.

6ª Finalmente, a dar uma vez por mês o produto de toda a pescaria daquele dia (de jejum de preceito) grátis, para ser repartido pelas casas de educação e caridade, sem que a Câmara por sua parte lhe desse o menor auxílio, exceto proibir a pesca no mesmo Dique, sem sua licença para evitar a devastação que no peixe (que ali se reproduz), de continuo fazem os meninos e os vadios, pescadores d’água doce, usando de redes de pequenas malhas, gerirés, anzóis de unha de gato e até de tingui, côcae mesmo de cal, que deu cabo do peixe, que em abundância (até o Surubi) se criava e se vendia a 80 réis o arrátel de 16 onças, fixado por edital do almotacel Bottas, ainda depois da invasão de Mauricio de Nassau, no ano de... como consta dos registros municipais, que se criava, dizemos, no Velho Dique, que, começando na horta do Convento de São Bento, entrava pala baixa da Lapa, se estendia desde a Barroquinha, Rua da Lama, atual Rua da Vala e se fechava e abria no lugar das Sete Portas, por onde despejava o Rio das Tripas, até fazer junção com o Rio Camorogipe e ia desaguar na Mariquita povoação do Rio Vermelho, como ainda hoje. Ficou, pois, o Dique Velho despovoado de peixe e foi preciso formar o atual, represando para isso por um forte morachão ou tapagem, cuja terra foi tirada como se observa da chamada Ladeira do Moinho, montículo em terreno dos antecessores do Teixeira que por isso ficou com o direito a uma das portas de esgoto, situada em suas terras que pelo represamento ficaram alagadas.

Apesar de um tão vantajoso contrato, quase se pode chamar leonino teve o suplicante de ver-se impossibilitado de dar-lhe execução, por que as câmaras conservadoras nunca trataram de formular a postura indispensável para que o suplicante tivesse uma garantia a sua propriedade, isto é: o peixe que lançasse naquele grande estuário só par acrescer e engordar, por que a fecundação e encubação dos ovos, bem como os primeiros cuidados a das aos cayorrinhas só se podem praticar em aparelhos especiais e tanques, ou rigolas apropriadas.

Agora, porém, nutre o suplicante bem fundada esperança de que os atuais vereadores, homens do progresso, não queiram por mais tempo conservar as coisas no status quo e que formularam uma postura rigorosa que vos dignareis aprovar.

FONTE: O MONITOR, 9 DE JULHO DE 1880, disponível em: https://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=704008&pesq=%22Bate%20Folha%22&hf=memoria.bn.br&pagfis=4116

Para saber mais sobre o Dique: http://saosalvadordabahiadetodosossantos.blogspot.com/2015/05/dique-do-tororo.html        

 

    

HISTORIADORA NEGRA ASSUME DIREÇÃO-GERAL DO ARQUIVO NACIONAL

 Ana Flávia Magalhães Pinto será a primeira mulher negra a ocupar a função em 185 anos


Ana Flávia Magalhães Pinto, historiadora, professora da Universidade de Brasília e diretora-geral do Arquivo Nacional


A historiadora e professora da Universidade de Brasília (UnB) Ana Flávia Magalhães Pinto é a nova diretora-geral do Arquivo Nacional. O nome será anunciado nesta terça-feira (23).

No novo governo, o órgão passou a ter status de secretaria dentro do recém-criado Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, sob o comando da ministra Esther Dweck.

Primeira mulher negra a ocupar a função em 185 anos do Arquivo, Ana é doutora pela Unicamp, mestre pela UnB, licenciada em História pela Universidade Paulista (Unip) e também formada em Jornalismo pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília (CEUB).

Ela desenvolve pesquisas nas áreas de História, Comunicação, Literatura e Educação, com ênfase em atividades político-culturais de pensadores negros, imprensa negra e luta racial.

O Arquivo Nacional possui um acervo de valor inestimável para sociedade, reunindo milhões de documentos textuais tanto em sua sede, no Rio de Janeiro, como em sua Superintendência Regional em Brasília.

De acordo com o governo, se fossem empilhados, somariam 55 quilômetros.

Além disso, há cerca de 1,91 milhão de fotografias e negativos, 200 álbuns fotográficos, 15 mil dispositivos, 4 mil caricaturas e charges, 6 mil cartazes e cartazetes.

Também fazem parte do acervo 1 mil cartões postais, 1,2 mil desenhos, 200 gravuras e 21 mil ilustrações, 44 mil mapas e plantas arquitetônicas, filmes, registros sonoros e uma coleção de livros que supera 112 mil títulos, sendo 8 mil raros.

 FONTE: 

https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/historiadora-negra-assume-direcao-geral-do-arquivo-nacional/ 

O GOLPE FINAL NO ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA


 

A saga do APEB teve início ainda nas discussões na Assembleia Provincial em 1890, a contragosto do poder público, que defendia como um desperdício de dinheiro tal obra. Relembre a postagem: Arquivo Público do Estado da Bahia, cronologia histórica de uma morte anunciada.

Ao longo de mais de 130 anos nada mudou, e muita coisa se perdeu ao longo desse período, mas o golpe final foi dado em 17 de outubro de 2022, sendo o prédio arrematado em leilão. Após um imbróglio judicial iniciado em 2005, que demandava sobre projetos realizados por um grupo de Arquitetos para extinta Bahiatursa, na gestão do então Governador Paulo Souto, 1990. Entenda a história. Resultado? O prédio que abriga o APEB foi dado em garantia ao pagamento. Desde 2010 que o prédio sofria com a falta de manutenção, mas ao longo dos anos foram investidos milhões de reais em obras de requalificação elétrica e estrutura do prédio, houve a tentativa de construção de um refeitório, mas a obra foi embarga pelo Ministério Público, após serem encontrados materiais arqueológicos no local, reveja essa história. Todos esses milhões investidos vão agora para particulares, milhões esses do erário público, há de se salientar que todos os recursos foram investidos na manutenção do prédio, o que é importante, mas, por outro lado, nada foi revertido para conservação direta do acervo, como, climatização dos depósitos, compra de desumidificadores, material de conservação e restauro, digitalização. Ou seja, o prédio foi reformado para o leilão. Toda a saga do APEB pode ser acompanhada neste Blog, o capítulo final se encerra com essa postagem.

 

 

 

 

 

 

PRÉDIO QUE ABRIGA O ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA VAI Á LEILÃO

 

Quem tiver interesse ainda pode dar seu lance! 

Pela bagatela de R$13.806.175,20, o interessado pode levar o antigo prédio da Quinta do Tanque e de quebra ainda pode ter a chance de ficar com alguns papéis do que resta do acervo do APEB, já que o leilão está marcado para o dia 17 de outubro de 2022, e não haverá tempo de retirar o acervo, o relógio está contando no site do leiloeiro com direito a fotos do prédio para os interessados: https://www.cravoleiloes.com.br/oferta/quinta-do-tanque-salvador-ba-2516682 e o edital pode ser acessado aqui: EDITAL LEILÃO 

Uma audiência no Ministério Público estava marcada para amanhã, 11 de outubro, porém foi adiada para o dia 22 de novembro, ou seja, após um mês do leilão.

Acesse: Audiência remarcada

Dê seu lance! 

BICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL, COMISSÃO FORMADA PARA CONSTRUÇÃO DO MONUMENTO DO IPIRANGA EM 1875


Passados 53 anos da Independência do Brasil, reuniu-se uma comissão a fim de erigir o Monumento Nacional do Ypiranga, para tanto fora enviado ofício ao Presidente da Província da Bahia para que se junta-se os meios necessários para a sua construção. O conjunto escultórico em granito e bronze realizado pelo italiano Ettore Ximenes, foi inaugurado no dia 7 de setembro de 1922, em comemoração ao centenário da Independência, mas s[o foi concluído quatro anos depois. Em 1953, uma cripta foi construída no interior do monumento para abrigar os restos mortais de Dom Pedro I e de suas duas esposas, as imperatrizes Dona Leopoldina de Habsburgo e Dona Amélia de Leuchtenberg.

O documento mostra que a obra foi idealizada ainda no século XIX.





Comissão de Obras, São Paulo, 21 de setembro de 1875.

 

Movimento do Ypiranga – A comissão nomeada pela câmara municipal da cidade de São Paulo para promover a ereção do monumento nacional do Ypiranga, dirigiu a Vossa Excelência Presidente da Província o seguinte ofício. Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor.

Tendo a Câmara Municipal desta Cidade tomado a si promover a ereção do Monumento Nacional do Ypiranga comemorativo da Independência do Brasil, e havendo para esse fim nomeado uma Comissão de que somos órgãos, temos a honra de transmitir a Vossa Excelência o Manifesto junto que em nome dela dirigimos a nação; e invocando o acrisolado patriotismo de Vossa Excelência, rogamos-lhe de tomar sob sua proteção tão indeclinável, quão gloriosa empresa.

Em consequência digne-se Vossa Excelência fazer que nessa Província o Manifesto receba a maior possível publicidade; e interpor o prestígio de sua autoridade em ordem a que não só as Câmaras Municipais nomeiem Comissões em cada Distrito de Paz de seu Município para agenciarem subscrições e arrecadarem seu produto que sejam, admitindo assinatura por mais módicas que sejam, e enviando-nos a relação dos subscritores e importância dos ditos produtos cobrados; mas também a que o Inspetor da Tesouraria de Fazenda providencie a recepção pelas Agências Fiscais que pertencem tais Distritos, das contribuições que lhes forem entregues e remessa a Tesouraria, sendo por esta enviado o montante delas ao Tesouro Nacional.

Finalmente, rogamos a Vossa Excelência que se digne providenciar como entender afim de que chegue ao conhecimento dos que tiverem de se corresponder sobre este assunto, que sendo obra pública empreendida pela Câmara Municipal desta Cidade em seu Município segundo o respectivo Regulamento a correspondência pode transitar pelo correio livre de porte; visto tratar-se de serviço público. Deus Guarde a Vossa Excelência. São Paulo, 28 de setembro de 1875. Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor Presidente da Província da Bahia.

O Presidente da Comissão, Ernesto Mariano da Silva Ramos. O Secretário, Diogo de Mendonça Pinto. De que do manifesto que publicamos em um dos números passados.

Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor

A Câmara Municipal desta Imperial Cidade, atendendo a que a Independência do Brasil foi aclamada no Ypiranga, bairro da mesma Cidade, e por isso convicto que lhe corre o dever de assumir a iniciativa na ereção do Monumento a tão glorioso feito, deliberou em sessão de 5 de agosto do corrente ano promover a sua realização.

Dando conhecimento a Vossa Excelência desse nobre empenho, e ratificando a rogativa que a respeito a Comissão existente nesta Cidade por ela incumbida de curar dos meios de satisfazer tão imprescindível necessidade nacional, a Vossa Excelência dirige, rogando-lhe a coadjuvação que puder dispensar, confiada que se dignará prestar mais esse serviço ao país, inscrevendo-se assim entre os maiores auxiliares da gloriosa empresa.

Des Guarde a Vossa Excelência. Paço da Câmara Municipal da Cidade de São Paulo,   de outubro de 1875.

Ernesto Mariano da Silva Ramos  

Fonte: Arquivo Público do Estado da Bahia, seção colonial/provincial, Comissões do Governo, Comissões de Obras – 1847-1875. Maço: 1589.

 








 

Provisão de casamento de Machado de Assis e Carolina Novaes

 



Passou Provisão em data de vinte e seis do corrente mês e ano para o Reverendo Pároco da Freguesia de Santa Rita ou do D. Espírito Santo, desta Corte receberem Matrimônio na sua Paroquia Joaquim Maria Machado de Assis natural desta Corte, com Carolina Augusta Xavier de Novaes natural de Portugal. Rio, 28 de outubro de 1869.  

Disponível em:

https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:939F-GPV8?i=54&personaUrl=%2Fark%3A%2F61903%2F1%3A1%3A6X8Y-S282



PROCLAMAÇÃO BAHIANOS! UM ESCRITO SEDICIOSO NA BAHIA EM 1848


Em fevereiro de 1848 a Europa vivenciava a Primavera dos Povos, do lado de cá estourava a Praieira. Na Bahia, com sua longa tradição em revoltas, não seria diferente. Na manhã chuvosa do mês de fevereiro um papel despertou à atenção de um menino, logo interceptado por um agente do Estado, saltou-lhe aos olhos a palavra proclamação, não contente com o que havia lido transmite a seus superiores a intenção sediciosa do escrito. 


Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor

Transmito ao conhecimento de Vossa Excelência o papel que sob a denominação de proclamação foi encontrado junto ao Quartel do Corpo Policial. Das minuciosas indagações a que tenho particularmente procedido não resulta possibilidade de alteração da tranquilidade pública.

Deus Guarde a Vossa Excelência por muitos anos. Bahia, 25 de fevereiro de 1848.

Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor Desembargador

Presidente da Província

João Joaquim da Silva

 


Ilustríssimo Senhor Major Comandante Geral

Participo a Vossa Senhoria, que hoje as 6 horas da manhã estando eu na porta do Quartel, vi que um menino abaixou-se e apanhando um papel lia a palavra proclamação, então o chamando entregou-me ainda molhado o papel escrito, que com esta apresento a Vossa Senhoria, sendo achado ao pé da Igreja defronte ao mesmo Quartel.

Quartel na Mouraria, 25 de fevereiro de 1848.

Francisco Joaquim da Silveira

Tenente do Estado

 


Proclamação Bahianos

Até onde chegará nossa indiferença pelos males da pátria, oprimida por tanto tempo por uma Côrte altiva, infame e prostituída? Não consintamos que semelhante estado continue, e unidos e fortes levantemos o grito de nossa separação. Bahianos as armas, vitória ou morte.




Proclamação Bahianos

Até quando havemos de sofrer, que uma corte infensa aos nossos interesses zombe de nós, tratando somente de sua grandeza e prosperidade? Até que ponto há de arrasar-nos essa nossa culpável paciência? Basta de padecimentos. Chegou à ocasião de despertamos do profundo sono de indolência, em que por tanto tempo jazemos sepultados. Unamo-nos e levemos a efeito a sagrada causa da separação e independência de nossa província dessa Côrte inimiga. Os nossos irmãos, os briosos pernambucanos e todos do Norte, que tem experimentado o peso do mais cruel despotismo, auxiliam nossa pretensão, que é santa e protegida de céu; porque contém a defesa dos direitos e liberdade de um povo. Honrados e bravos militares, esta causa também é vossa; protegei-a com as vossas armas e valor; nunca elas servirão se não para defesa de nossos mais importantes direitos. União, coragem e atividade coarão nossos esforços vivam os defensores da separação e independência do Norte.

Documento encontrado e gentilmente cedido por Eduardo Cavalcante, profissional em pesquisa histórica, grande conhecedor dos acervos históricos do Rio de Janeiro.

Contato: cvlcnt@gmail.com / cvlcnt@uol.com.br

Fonte: Arquivo Nacional, Série Justiça, Registro da correspondência com diversas autoridades das províncias – Bahia. Limites 1848-1850. Notação I J 1 710.     

 

 

CONSTRUÇÃO DE UMA ARENA PARA TOURADAS EM SALVADOR DO SÉCULO XIX

 

Escritura de trato, ajuste e convenção que fazem Urbano José da Costa, Francisco José de Moraes, Antonio Domingues de Carvalho, João Antonio Maria Pereira, José da Silva Dias e José de Miranda Lima; com José Esteves de Carvalho, da feitura de uma Praça para o espetáculo de Touros, como abaixo de declara.

Saibam quantos este público instrumento de Escritura de contrato, ajuste e convenção ou como em direito melhor nome e lugar tenha e virem, que sendo no ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e dezessete, aos cinco dias do mês de Março do dito ano nesta Cidade de Salvador, Bahia de todos os Santos e meu Cartório aí apareceram presentes partes a esta outorgantes havidos e contratados, a saber de uma parte Urbano José da Costa, Francisco José de Moraes, Antonio Domingues de Carvalho, João Antonio Maria Pereira, José da Silva Dias e José de Miranda Lima e da outra parte José Esteves de Carvalho, aqueles os reconheço pelos próprios de que faço menção e este as testemunhas abaixo me certificaram ser o próprio; e logo por aqueles me foi dito em presença das mesmas testemunhas, que eles tem contratado com o sobredito José Esteves de Carvalho Mestre Carpina, fazer uma Praça no Forte de São Pedro dirigida ao espetáculo de Touros com a extensão de quatrocentos palmos de fundo e trezentos de frente no seu quadro, que preenche no seu circulo cento e oitenta camarotes com oito palmos de frete cada um, e sete de fundo; uma varanda pela sua retaguarda com nove palmos de largura, que será coberta de telha, e ripada de juçara com doze bancos no seu oblíquo circulando a mesma Praça, cujos camarotes terão suas portas de fechar com chave, e toda esta construção sem que haja perfeição, isso sim, segurança, obrigado ele construir e entrega-la pronta pela quantia de quatorze mil cruzados em que se tem ajustado, a pagamentos, a saber o primeiro de um conto e duzentos mil réis que recebe ao fazer desta Escritura; o segundo de dois contos e duzentos mil réis, estando coberta; e o terceiro e último de outros dos contos e duzentos mil réis três dias depois de finda a obra, que todos estes pagamentos perfazem a referida quantia dos quatorze mil cruzados concorrendo ele construtor com todos os materiais, carretos, oficiais e tudo quanto for necessário para a mesma obra, até seu final cumprimento, obrigados somente eles outorgantes a dar armazém pronto para a sua arrecadação e se obrigam também a pagar a ele construtor qualquer inovação que intentarem além da obra aqui ajustada e ele construtor se obriga a dar acabada de toda a mesma obra no dia vinte e três de junho deste corrente ano de mil oitocentos e dezessete; e por que pode acontecer que a estação do inverno embarace por alguns dias o andamento da referida obra, eles outorgantes terão para com ele construtor alguma contemplação, uma que não seja por falta dos materiais que os deve ter prontos para a construção da obra, sem embargo de carestia de preço ou diminuição deste; pois que assim se acham justo com o dito construtor, pelo qual me foi também logo dito que ele aceitava, como logo aceitou a presente Escritura de ajuste trato e convenção com ele feita contadas as cláusulas e condições, e obrigasse dela; e que para segurança da sua parte oferecia por seu fiador a Manoel José de Almeida, o qual presente se achava e por ele me foi dito que por sua pessoa e bens se obrigava, se obriga a tudo quanto se obriga o seu fiado, o construtor José Esteves de Carvalho constante desta Escritura, como se fosse com ele justo; e logo pelos ditos outorgantes me foi dito que eles aceitavam o fiador o referido obrigando-se de tudo quanto se obrigou o seu fiado. E finalmente por eles partes, cada qual no que lhes toca me foi mais dito que eles por suas pessoas e bens se obrigavam a terem, manterem, cumprirem e guardarem a presente Escritura e de nunca a encontrarem, revogarem, reclamarem, nem outra disseram por si, ou por outrem, por ser muito de suas livres vontades feita. Em fé e testemunho de verdade assim me outorgaram e me requereram lhe fizesse este instrumento nesta nota em que assinaram, pediram e aceitaram para se lhes dar os traslados necessários; sendo a tudo presentes por testemunhas as abaixo assinadas. Eu Francisco Teixeira da Mata Bacelar Tabelião a escrevi. José Esteves de Carvalho, Antonio Domingues de Carvalho, Francisco José de Moraes, Urbano José da Costa, José de Miranda Lima, José da Silva Dias, João Antonio Maria Pereira, Manoel José de Almeida.

Fonte:

Arquivo Público do Estado da Bahia

Seção Judiciária, Livro de Notas 191, páginas: 12v a 13v.  

Para saber mais: 

“A los toros!”: as touradas em Feira de Santana(1893-1905) 

AS TOURADAS NA CIDADE DA BAHIA: TRANSIÇÕES NA DINÂMICA PÚBLICA SOTEROPOLITANA

AS TOURADAS DE 1808 


        


COM UM PEDACINHO DE PAPEL, UM PAU NO LUGAR DE PENA E ACENOS RECEBEU A SUA LIBERDADE MARIA LEOCADIA

Em 1817 Thereza Maria de Jesus, provavelmente mulher egressa da escravidão, narrava na carta de alforria de Maria Leocadia pedaços de sua vida. Libertando duas de suas filhas, uma delas muda, a qual ao seu modo pediu a sua Mãe que libertasse a sua cria. 

Cópia da carta de Liberdade da crioulinha Maria Leocadia conferida por sua Senhora Thereza Maria de Jesus

Digo eu Thereza Maria de Jesus, que tendo antes de casada duas filhas, uma de nome Felicia Maria do Sacramento, que a tirei do cativeiro dando por sua Liberdade cento e oitenta mil réis a seu Senhor Manoel José de Faria, e por gratificação desse benefício tratou de cometer dentro da minha casa traição e amizade ilícita, deflorando-se com meu sobrinho e Primo Seu Luis Brandão de Mello casando-se por isso contra a minha vontade por já se achar dele pejada, e ainda mais por caridade sobre o crime cometido do defloramento lhe dei um crioulinho de nome Luis, com dez anos de idade, que logo tratou de o vender a Domingos Pereira por cento e dez mil réis para pagar dívidas feitas com funções e conveniências. E a segunda minha filha de nome Maria Thereza moça muda, a esta fiz doação de uma crioulinha de nome Maria Leocadia, filha da minha escrava manutinida de nome Efigênia nação nagô, logo antes de batizar-se valendo vinte mil réis, a qual minha dita filha muda antes do seu falecimento por acenos e com um pedaço de papel na mão e um pedacinho de pau em lugar de pena sobre o papel, com os olhos na dita crioulinha, que se acha agora com a idade de cinco anos incompletos, me pediu lhe passasse eu Carta de Liberdade, e a mandasse embora, razão por que não obstante ser eu sua herdeira forçada com licença de meu marido o Senhor Antonio Mendes de Jesus, abaixo assinado, a ei por forra, livre e isenta de toda a escravidão como se nascesse de ventre livre, e rogo as Justiças de Sua Majestade Fidelíssima, de um e outro foro que esta façam cumprir e guardar como nela se contém, e quanto por maior validade lhe falte alguma clausula ou clausulas em direito necessários aqui as hei por expressas e declaradas como se de cada uma fizesse expressa e declarada menção, e por não saber ler nem escrever pedi e roguei a Luis Gonzaga de Santa Ana que esta por mim fizesse e assinasse perante as testemunhas abaixo também assinadas. Bahia, dezoito de janeiro de mil oitocentos e dezessete. A rogo de Thereza Maria de Jesus, e como testemunha que esta fiz e assinei por mandato da manumite-te Luis Gonzaga de Santa Ana, Antonio Mendes de Jesus, Joaquim de Santa Ana, Luis de França Vieira. Ao Tabelião Albergaria. Bahia, três de fevereiro de mil oitocentos e dezessete, Simões. Reconheço serem própria por conferência. Bahia, vinte quatro de abril de mil oitocentos e dezessete. Em testemunho de verdade estava o sinal público. Marcelino Epifânio Soares de Albergaria. E copiada a dita carta de Liberdade a qual me reporto, esta conferi, concertei, subscrevi e assinei, e a própria entreguei a quem abaixo a assinou. Bahia, 25 de abril de 1817. Eu Marcelino Epifânio Soares de Albergaria que a subscrevi. Conferida por mim Tabelião.  Marcelino Epifânio Soares de Albergaria.        

Fonte: Arquivo Público do Estado da Bahia, Seção Judiciária, Livro de Notas 192, páginas: 38v/39.


Dois meses depois de anúncio de leilão, plano para o Arquivo Público não foi definido.

(Foto: Marina Silva/Arquivo CORREIO)

Estado diz que vai adotar medidas para acervo continuar onde está e Apeb completa 132 anos com fantasma à espreita: a falta de casa própria.

A falta de casa própria sempre ameaçou a integridade do acervo do Arquivo Público da Bahia (Apeb). Sem endereço fixo, as mudanças não tinham planejamento e, em cada uma delas, perdas ocorriam. Um dia depois do aniversário de 132 anos do Arquivo, comemorado no domingo (16), a história ainda se repete. Nada se sabe sobre o futuro dele. A possibilidade de o Solar da Quinta, onde hoje os acervos estão localizados, ser leiloado ainda existe e, mesmo após determinação judicial, não há um plano de preservação.

 

Foi na manhã do dia 7 de novembro do ano passado que o fantasma da falta de casa voltou a rondar o Apeb. A notícia perturbou o domingo de defensores do patrimônio histórico: o Solar da Quinta seria leiloado para quitar uma dívida da extinta Bahiatursa, transformada em Superintendência de Fomento ao Turismo da Bahia há sete anos. O anúncio da venda desencadeou uma avalanche de notas de repúdio, até que o leilão foi suspenso (Veja, no fim da reportagem, linha do tempo interativa da história do Apeb).

 

O Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) interveio com uma manifestação contrária à venda e o juiz George Alves de Assis, da 3ª Vara Cível de Salvador, acolheu a suspensão por, no mínimo, 60 dias. Na decisão, o juiz apontou que, sem um projeto de remoção do acervo, o leilão não aconteceria. Dois meses depois, tendo o prazo ultrapassado, o MP afirmou à reportagem que ainda aguarda o estado enviar o Plano de Salvaguarda e Remoção.

 

O diretor da Fundação Pedro Calmon, Zulu Araújo, diz que o governo da Bahia manterá uma "posição firme de que o acervo e o patrimônio devem continuar onde estão". Para isso, completa Araújo, "nós vamos adotar todas as medidas que forem necessárias no campo político, administrativo, jurídico, para que isso seja assegurado". Sobre o plano, em si, não explicou.

 

"Com isso, nós estamos assegurando a proteção do acervo documental, a proteção do edifício arquitetônico, e, consequentemente, a proteção do patrimônio cultural da Bahia. Nós não cogitamos abrir mão daquele edifício, como não cogitamos a remoção desse acervo", afirma o diretor da fundação responsável pela administração do Apeb.

 

Essa remoção de arquivo já ocorreu, pelo menos, seis vezes - a quantidade de vezes que o Arquivo Público mudou de sede. Primeiro, o Apeb foi acomodado na Academia de Belas Artes, depois improvisado no Palácio do Governo e mais adiante amontoado numa velha casa da Rua do Tesouro, no bairro do Comércio.

 

Ainda houve a transferência para o Palacete Tira-Chapéu, na Rua Chile, em seguida a mudança para o prédio onde hoje funciona a Delegacia de Defesa do Consumidor, até que o Apeb foi acomodado no atual endereço: o Solar da Quinta, datado do século XVI, que já serviu de abrigo para jesuítas - o Padre Antônio Vieira escreveu lá muitos dos seus sermões e cartas - e onde também funcionou um leprosário.

 

O Arquivo foi criado em 16 de janeiro de 1890, no governo de Manuel Victorino. A ideia de reunir o acervo histórico baiano num só lugar, na verdade, dividida opiniões - havia políticos que achavam desnecessário juntar em um só lugar o acervo, devido aos gastos. Venceram aqueles que defendiam a organização de um único arquivo.

Uma dasmudanças do APEB (Urano Andrade/Biblioteca Nacional)

A mudança para o Solar acontece em 1980. O imóvel é tombado desde 1949 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Em todas as mudanças anteriores, perdas incalculáveis, e até desconhecidas, de acervo aconteceram. Aos 132 anos, o Arquivo e seus defensores se preparam para um novo tempo de incertezas.

 

Arquivo Público serve aos quatro continentes do mundo

O Apeb é a segunda maior instituição arquivística do país e está entre as maiores do mundo. São 40 milhões de documentos que abastecem os quatro continentes do planeta com manuscritos e impressos originais, produzidos, recebidos e acumulados quando a cidade de Salvador se distinguiu por ser a capital político-administrativa do Estado do Brasil, de 1549 a 1763. Se organizados de maneira linear no chão, os documentos formariam um caminho de sete quilômetros.

 

Desde 2006, o historiador e pesquisador freelancer (faz pesquisas por encomenda) Urano Andrade, 49 anos, circula da manhã ao fim do dia pelo Arquivo Público. Na pandemia, as visitas se tornaram menos frequentes, por imposição das circunstâncias. Se Urano precisasse calcular, perderia as contas de quantos personagens e histórias simbólicos, mas completamente desconhecidos, ele encontrou no arquivo. Um dos achados é a trajetória de um africano liberto que se tornou dono de uma padaria em plena Salvador Colonial.

 

Acervos são considerados "memória do mundo" (Foto: Marina SIlva/Arquivo CORREIO)

Há também a história da senhora que vendeu a liberdade a uma escravizada, mas exigiu o bebê dela, ainda na barriga, em troca. Nos documentos do arquivo, Andrade revisita a perversidade do passado.

Hoje, o pesquisador trabalha na elaboração de três bancos de dados, todos para universidades dos EUA. Um, para Universidade de Princeton, sobre escravizados libertos que retornaram para o continente africano. Outro, para a Universidade Emory, de Atlanta, em que constarão as cartas de alforria guardadas pelo Apeb. O último, que trará os testamentos de africanos, para a Universidade de Nova York.

 

"O Arquivo Público é a história viva. Já trabalhei para América do Norte e Sul, Ásia, muitos países", conta Urano.

 

A briga judicial pelo prédio tinha começado um ano antes do início da jornada de Urano no Arquivo. Mas a disputa começou na década anterior. O Solar da Quinta do Tanque é, desde 1990, objeto de uma ação, movida pela TGD Arquitetos, contra a Bahiatursa. O escritório de arquitetura alega que não foi pago por serviços que prestados à estatal. Foi em 2005, no entanto, que a ação foi executada e a Bahiatursa ofereceu, para penhora, o Solar. Nos corredores e salões do Arquivo, os frequentadores pouco ou nada sabiam desses detalhes.

 

Durante a pandemia, as visitas precisam ser agendadas e, por dia, são permitidas dez delas, das 9h30 às 16h30. As preciosidades que podem ser visitadas incluem, detalha a Fundação Pedro Calmon, por exemplo, o livro 1º de Provisões Reais (1548), que descreve os objetos e materiais utilizados na construção da "Cidade de São Salvador", em 1549.

 

Há quatro arquivos do acervo considerados pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como memórias do mundo. São eles o Tribunal da Relação do Estado do Brasil e da Bahia (1652-1822),  Registros de Entrada de Passageiros no Porto de Salvador (1855-1964), Cartas Régias (1648-1821) e da Companhia Empório Industrial do Norte (1891-1973).

 

A lista de documentos valiosos, no entanto, vai além. Lá, estão os registros da criação da Faculdade de Medicina e da vinda da família real ao Brasil, em 1808, e o acervo sobre a Revolta dos Malês, por exemplo. O acervo do Arquivo, de tão variado, já transformou em pesquisadores até antigos funcionários.

 

Uma delas é Libânia Silva, 29. A historiadora trabalhou no Arquivo entre 2010 e 2019 e, no horário do almoço, passou a visitar os acervos da Conjuração Baiana. "Isso me ajudou bastante. Tive oportunidade de trabalhar com pessoas que estavam ali há 30 anos", diz.

 

Hoje, Libânia cursa mestrado em Letras, na Universidade Federal da Bahia (Ufba), na área de paleografia, estudo de manuscritos históricos que é essencial para compreensão dos documentos. Alguns destes que, no Apeb, já provocaram choros na pesquisadora: de tristeza - como quando encontrou o documento que solicitava a retirada de corpos esquartejados dos mártires da Conjuração Baiana - e de emoção - pelas "letras belíssimas, resquícios de ouro, laçadas impressionantes, tão artísticas".

 Acesse a fonte: Correio da Bahia, 17 de janeiro de 2022.

https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/dois-meses-depois-de-anuncio-de-leilao-plano-para-o-arquivo-publico-nao-foi-definido/?utm_source=correio24h_share_whatsapp