Resgate de conhecimento: Digitalização de acervos traz à tona raridades e documentos esquecidos e ajuda a aperfeiçoar o trabalho de pesquisadores


Por Fabrício Marques
A multiplicação de projetos de digitalização de acervos de bibliotecas, arquivos e museus está modificando a forma como pesquisadores brasileiros trabalham. Nos últimos 15 anos, diversas instituições se empenharam em oferecer na internet documentos, fotografias e vídeos que antes só eram disponíveis em visitas agendadas. O resultado desse esforço é sensível. Em alguns casos, a facilidade de procurar e encontrar itens com ferramentas de busca ampliou acesso a informações difíceis de garimpar manualmente, potencializando a qualidade da pesquisa. Em outros exemplos, permitiu ao menos conhecer remotamente a amplitude de determinado acervo para organizar uma consulta presencial mais rápida e eficiente. “Estudantes e pesquisadores estão sendo formados nesse novo contexto. É um caminho sem retorno”, diz o historiador Pedro Puntoni, professor da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Núcleo de Cultura Digital do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). “A biblioteca e o arquivo em papel sempre vão ter importância, mas perdem espaço para a internet diante da facilidade de ter acesso a documentos, imagens e livros, assim como teses e revistas digitais disponíveis on-line”, afirma.

De um computador pessoal em sua casa, o professor e pesquisador Wilton José Marques encontrou em meados de março um poema esquecido de um dos principais nomes da literatura brasileira, o escritor Machado de Assis (1839-1908), conhecido do leitor sobretudo pelos contos e romances. Não se trata de um poema qualquer, mas o primeiro, publicado no jornal Correio Mercantil, do Rio, em 9 de setembro de 1856, intitulado “O grito do Ipiranga”. Especialistas da obra de Machado consideravam que sua produção iniciara em 1858 com o poema “Esperança”, quando o autor, aos 19 anos, começou a trabalhar como revisor naquele jornal. O achado de Marques foi possível graças à digitalização do Correio Mercantil pela Biblioteca Nacional, que criou em 2009 sua hemeroteca digital. Marques, professor do Departamento de Letras da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), diz que encontrou a poesia graças a “um pouco de faro e um pouco de sorte”. Procurava os primeiros poemas de Machado para uma pesquisa sobre influências românticas na obra do autor. “Fui conferir as fontes, olhando poema por poema das coletâneas, a partir de 1858. Por curiosidade, resolvi fazer a busca em anos anteriores e ‘O grito do Ipiranga’, apareceu”, diz. Marques decidiu interromper sua pesquisa e se dedica a um artigo sobre a poesia. “É um poema longo, uma glorificação do grito da independência e de dom Pedro I. Uma das características da literatura de Machado é a intertextualidade: ele dialoga com outras obras e referências históricas. Nesse primeiro poema, compara o tempo todo a Independência com a república romana”, diz Marques.

Outro interesse do pesquisador é lançar luzes sobre a juventude de Machado. “Imagine como numa sociedade escravocrata um jovem negro de 17 anos, com educação formal que a gente não sabe muito bem como foi obtida, conseguiu se inserir no universo intelectual do Rio de Janeiro e colaborar num jornal importante da época.”

A Biblioteca Nacional tem um dos mais longevos programas de digitalização no país. Começou em 2006 e, hoje, oferece 900 mil documentos on-line, que rendem 400 mil consultas virtuais por mês. Há coleções de fotos, mapas e músicas. No mês passado, foi lançado o portal Brasiliana Fotográfica (brasilianafotografica.bn.br) com mais de 2 mil fotos históricas de coleções da própria biblioteca e do Instituto Moreira Salles. A maior parte do acervo digital é composta por jornais brasileiros. São 5 mil títulos, digitalizados com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). “Temos a prerrogativa do depósito legal, que é a recepção de um exemplar de todas as publicações produzidas em território nacional. Por isso, nossa coleção é a mais abrangente do país”, diz Angela Bettencourt, coordenadora da Biblioteca Nacional Digital. A decisão de oferecer os jornais se deveu também a uma questão prática: o acervo era dos mais consultados da instituição.

ACESSE NA ÍNTEGRA: http://revistapesquisa.fapesp.br/2015/05/15/resgate-de-conhecimento/

Tráfico made in USA. A busca pelo Camargo, um dos muitos navios negreiros americanos que vieram ao Brasil


CARLOS HAAG | ED. 156 | FEVEREIRO 2009. 

No dia 21 de fevereiro de 1862 o capitão de navio Nathaniel Gordon foi enforcado nos Estados Unidos, o único americano que sofreu a pena capital por participar do tráfico negreiro. “Por quatro décadas o tráfico foi considerado, por lei, um ato de pirataria, mas até então ninguém havia sido punido. A administração Lincoln virou uma página da história e com esse enforcamento a nossa história não será mais a mesma”, sentenciou um artigo da revista Harper’s Weekly daquele ano. Gordon era um velho conhecido do Brasil e teve o “privilégio” de comandar, em 1852, o último navio negreiro, o brigue americano Camargo, a desembarcar, com sucesso, 500 africanos em solo brasileiro. Depois de despachar a sua “carga”, Gordon ateou fogo ao navio, para evitar sua prisão (o tráfico estava proibido no país desde 1850), e escapuliu vestindo roupas femininas para os EUA. Ele não foi, porém, o único americano a bordo de uma embarcação produzida em Baltimore, Maine ou Nova York a aproveitar as vantagens de navegar com a bandeira ianque e lucrar, muito, com o tráfico de negros para o Brasil e Cuba.   
“Milhares de cidadãos norte-americanos enriqueceram com o comércio negreiro. Eles ficaram conhecidos por venderem e alugarem navios a comerciantes de escravos brasileiros nos portos de Salvador e Rio de Janeiro. As embarcações construídas nos Estados Unidos abasteciam os entrepostos escravistas na costa africana, forneciam apoio decisivo às expedições escravistas e transportavam milhares de africanos para a costa brasileira”, afirma o brasilianista Dale Graden, da Universidade de Idaho. Um cônsul americano no Rio de Janeiro, na década de 1840, avaliou entre 70% e 100% a rentabilidade dessas expedições negreiras em navios dos EUA, tanto do Sul escravista quanto do Norte supostamente abolicionista. A nacionalidade desses navios ainda se mantém como um fantasma mesmo após tantas décadas. “Um dos muitos problemas que tivemos para conseguir a autorização para mergulhar em busca dos destroços foi o fato de ele ser uma embarcação construída nos EUA, o que, de acordo com a Convenção da Unesco para Proteção do Patrimônio Cultural Subaquático, pode causar problemas diplomáticos ainda hoje”, explica o historiador Gilson Rambelli, da Universidade Federal da Bahia, e coordenador do projeto Arqueologia subaquática de um navio negreiro – A história que não está nos livros, financiado pela FAPESP. O objetivo de Rambelli era justamente localizar Porto Bracuí, Angra dos Reis (ao sul do Rio de Janeiro), vestígios do Camargo, o brigue do capitão Gordon. Partindo do relato de mergulhadores locais, que recuperaram lanternas e peças do brigue (mais tarde usadas para decorar um hotel, hoje desaparecido, junto com os artefatos), Rambelli organizou uma expedição para encontrar restos do navio. “Para a arqueologia subaquática é uma cápsula do tempo preciosa, capaz de dar voz àqueles cujo sofrimento foi algo esquecido pela história.” 
ACESSE NA ÍNTEGRA: 
     


  

LANÇAMENTO REVISTA HISTÓRIA & LUTA DE CLASSES 19

Gramsci e a questão “estrutura” versus “superestrutura” na análise política da história (Leandro Galastri)

A corrente althusseriana e o desenvolvimento do materialismo histórico (Décio Saes)
Revolução Russa e Revisionismo Historiográfico: o retorno neoliberal da “Tese da Continuidade” (Marcio Lauria Monteiro)

Cultura e Revolução: notas acerca de Problems of Everyday Life, de Leon Trotsky (Alberto Luis Cordeiro de Farias)

Fábulas historiográficas: a crítica de Milcíades Peña ao mito do passado feudal nacional (Jeú Daitch)

Dilemas da historiografia brasileira sobre a resistência armada contra a ditadura militar: a questão democrática entre os paradigmas liberais e a proposta marxista (Diego Grossi)

O neoliberalismo como projeto hegemônico: a privatização brasileira durante o governo Fernando Henrique (Monica Piccolo)

ARTIGO
A Guyana e a luta pelo socialismo (Iuri Cavlak)

RESENHA
As novas falácias do revisionismo em torno do Golpe de 1964 (Carlos Zacarias de Sena Júnior)

Tortuous History Traced in Sunken Slave Ship Found Off South Africa


By HELENE COOPERMAY 31, 2015
WASHINGTON — On Dec. 3, 1794, a Portuguese slave ship left Mozambique, on the east coast of Africa, for what was to be a 7,000-mile voyage to Maranhão, Brazil, and the sugar plantations that awaited its cargo of black men and women.
Shackled in the ship’s hold were between 400 and 500 slaves, pressed flesh to flesh with their backs on the floor. With the exception of daily breaks to exercise, the slaves were to spend the bulk of the estimated four-month journey from the Indian Ocean across the vast South Atlantic in the dark of the hold.
In the end, their journey lasted only 24 days. Buffeted by strong winds, the ship, the São José Paquete Africa, rounded the treacherous Cape of Good Hope and came apart violently on two reefs not far from Cape Town and only 100 yards from shore, but in deep, turbulent water. The Portuguese captain, crew and half of the slaves survived. An estimated 212 slaves did not, and perished in the sea.

Acesse na íntegra: The New York Times 

FEITICEIROS NA ILHÉUS SETECENTISTA



Dou parte a Vossa Majestade em como a esta Villa vieram conduzidos por Ignácio Fernandes de Souza, morador nesta Villa, dois pretos feiticeiros, os quais entraram a curar publicamente de feitiços a várias pessoas, usando de arte diabólica com alguidares de água em que faziam aparecer figuras, e para isso se punham a falar com galos pretos, sapos e outras visagens semelhantes, em que diziam adivinhar, pondo preços exorbitantes dinheiro para a paga das ditas curas, que mais parecia furtos que curas, levando vinte mil réis, e dali para cima a cada pessoa sem que tivessem estas vigor, antes alguns pioraram, e morreram e era tudo uma confusão nesta Villa com estas artes diabólicas, e vendo o Reverendo Vigário da Vara estas feitiçarias de que usavam os ditos pretos, os mandou prender valendo-se para isso do socorro da justiça secular pedindo-me ajuda, e foi o que logo fiz mandando pelos oficiais [diante de] mim prendessem os ditos pretos, e indo se executar a dita prisão em o dia 25 do mês de março, achando-me eu também presente, se puseram estes em resistência puxando por facas de pontas, armas proibidas pela Lei por andarem estes para esse efeito preparados, e com elas feriram perigosamente a um dos oficiais, e a outro que ia em socorro a mesma justiça, sendo seu maior empenho o maltratarem-me que se não fora o defender-me o fariam; e sendo com efeito presos prossegui a devassa pela resistência feita a Justiça a armas por editais fazendo-lhe prontamente sequestro em uma caixinha pequena com duas fechaduras em que se lhe achou sessenta e tantos mil réis em dinheiro, roupas e algumas peças de ouro que se lhe havia dado em penhor de algumas curas, e muito por praticas de feitiçarias em que entravam algumas coisas sagradas das quais tomou entrega o mesmo Reverendo Vigário da Vara, que presente se achava, e também procedeu a devassa e sequestro, cujos pretos os fiz remeter com a devassa, seguros com ferros a cadeia dessa cidade ao Doutor Ouvidor Geral do Crime, por José Luiz Pinto, mestre e dono de uma lancha, morador este na Villa do Camamu por levar também em sua companhia os escravos que foram dos Padres da Companhia cujos ia a entregar ao Desembargador Chanceler, e Juiz Comissário da Inconfidência, e por ser público e notório nesta Villa que o dito José Luiz Pinto não entregara os ditos presos nem a devassa pelos haver postos em liberdade por dadivas de dinheiro que lhe haviam dado, mandou prender o Doutor Corregedor da Comarca na Villa do Camamu, onde se acha por causa do dito Joseph Luiz lhe não apresentar recibo de uns e outros presos por correr naquela Villa a mesma fama de que os havia soltados, nem menos mandou entregar em esta esta Villa os ferros em que foram seguros os ditos presos uns e outros, e como o Juiz Ordinário desta Villa dou conta a Majestade para a nenhum tempo me prejudicar. Villa dos Ilhéus, e de Junho 10 de 1761. Vossa Majestade. 
Vassalo o mais obediente;
Antonio José Martins.                 
Correções: J.J.R. 
Fonte: Arquivo Público do Estado da Bahia, seção colonial, maço: 201. 

CONCEIÇÃO DA PRAIA E PREGUIÇA: A 250 ANOS NA MIRA DAS DEMOLIÇÕES



Registro da carta que o Senado dá conta a Sua Majestade a respeito do coberto que vai da Conceição da Praia para a Preguiça para se demolir.
Senhores, Acha-se na Praia desta Cidade da Bahia e Rua principal que da Praia da Conceição para o Bairro da Preguiça um coberto das casas em que vivem duas mulheres senhoras delas e seguindo-se da conservação do dito coberto os latrocínios, ferimentos e mortes que muitas vezes tem acontecido com as ocasiões que continuadamente oferece o tenebroso e agasalho dele a quantos malfeitores ali se acolhem, sempre cuidaram as vereações passadas evitar prejuízos tantos e tais do bem comum e jamais a puderam conseguir pelos descômodos que representavam estas e outras muitas senhoras das ditas casas nas suas pessoas e moradas, como porém, tem ousado os ditos inconvenientes, com a diminuição e morte de algumas das ditas donas, ao mesmo passo que cresçam os sobreditos do bem público e não menos os das procissões, entradas de Governadores e Arcebispos porque por ali se fazem, o que tudo justifica as queixas que disso forma o povo e principalmente o daquela Praia, que é o maior de toda a Cidade; vemo-nos precisados a representá-los a Vossa Majestade para que se digne permitir-nos o podermos das rendas deste Conselho fazer a despesa que for necessária em demolir o dito coberto e satisfazer a essas Senhoras dele o seu valor para Vossa Majestade mandar o que for servido e mais justo lhe parecer e a sempre Augusta e Soberana Pessoa de Vossa Majestade, guarde Deus, como lhe pedimos. Bahia e Câmara, 8 de maio de 1765, João Duarte e Silva, Escrivão do Senado da Câmara e subscreve = Sebastião Alves da Fonseca = Francisco Xavier de Araújo Lassos = Ruy Pereira de Lacerda = Fortunato José Rodrigues Pinheiro = Antônio Alves de Figueiredo.
Fonte: Arquivo Público do Estado da Bahia, seção colonial, maço: 132, pp. 159v, 160. 

        

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ALVARÁ SOBRE O MODO DE VIDA DOS CIGANOS


Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor
3 de junho de 1768
Pelo Alvará com força de Lei, de 20 de setembro de 1760, foi Sua Majestade servido determinar e regular o modo de vida que deviam ter os ciganos existentes neste Estado do Brasil; como também as penas que se lhe deve impor pela mais leve transgressão: nele ordena o dito Senhor a respeito das mulheres, que estas vivam recolhidas, e se ocupe naqueles mesmos exercícios, de que usam as do país; e como esta Régia determinação se põe tão clara, e tão expressivamente ao que as suplicantes pretende praticar; a vista do disposto na referida Lei, e de também se achar o mesmo negócio afeto ao recurso ordinário do agravo, que interpuseram pela Relação, e de que sou Juiz Relator, lhes deferirá Vossa Excelência o que for servido. Bahia, de junho, 3 de 1768.
O Desembargador Ouvidor Geral do Crime, José Gomes Ribeiro.

Fonte: Arquivo Público do Estado da Bahia, seção colonial, maço: 175.  

DEGREDADOS E FEITICEIROS NA BAHIA SETECENTISTA

 

Pela parte junta do Cabo da ronda da Polícia da Freguesia da Conceição da Praia, será presente a Vossa Excelência, haver está prendido aos quatro cúmplices, que da mesma constam, em um casebre na Rua denominada da Preguiça, sendo dois deles galés, que separados, por terem aberto a corrente, que os prende, vão andar em semelhantes funções, por consentimento do mesmo guarda, como está o dito cabo pronto a mostrar com testemunhas. Pela carta junta será também presente a Vossa Excelência a pretensão do Intendente da Marinha mal informado pelo guarda, que teme o castigo, que merecia, por semelhantes consentimentos. Os degredados que se acham fora do lugar do degredo são castigados por força da Lei, que assim o manda, e sendo de degredo de galés por toda a vida, tem pena de morte achando-se soltos, o que [porém] deve ser decidido pelas justiças ordinárias, cuja jurisdição não contemplo anexa ao [mutilado] oficio de Intendente de Marinha. Para que se proceda com acerto mande Vossa Excelência o que lhe parecer mais justo. De Novembro o primeiro de 1796. 
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Dom Rodrigo José de Menezes.

O Desembargador Ouvidor Geral do Crime, Joaquim Cassimiro da Costa.
Dou parte a Vossa Senhoria, em como ao meio dia para uma hora da tarde conforme as ordens de Vossa Senhoria, prendi em um casebre na Preguiça a Manoel Nagô, escravo de Custódio Gomes e outro Manoel Nagô escravo de João da [Motta] também forçado da galé e separados da prisão por se achar o elo do meio da corrente aberto, e Miguel jeje, escravo de Dona Maria Luciana e Maria do Rosário preta jeje a qual diz ser forra, que todos se acham na cadeia a ordem de Vossa Senhoria e achei no dito casebre uma cuia com uns pouco de búzios da Costa enfiados, uma caveira de bode com chifres pequenos, outra dita que apresenta ser de cachorro, um chifre de bode, uma tigela com cabeças, pés e pernas de galinha e uma cabaça pequena, que tudo fica em mão do carcereiro e a chave do dito casebre fica em meu poder e dentro dele se acha um bofete [mutilado] frasqueira velha e umas poucas de esteiras e taboas que serviam de cama para o ministério que se costuma fazer no dito casebre e é o que se passa do que dou parte a Vossa Senhoria, que mandará o que for servido. Bahia, 1 de novembro de 1786.
A[ssinado] Joam Elias Ribeiro de Oliveira de Miranda.
Cabo da Freguesia da Praia.    
Correções: J. J. R. 
Fonte: Arquivo Público do Estado da Bahia, seção colonial, Maço: 177.
Para saber mais acesse: 


ESCRAVOS PROSPERAVAM COMPRANDO ESCRAVOS, MAS ERAM ESNOBADOS PELA ELITE

Reprodução de tela de Rugendas 
Escravos prosperavam comprando negros, mas eram esnobados pela elite

Africano chegou a figurar entre os dez homens mais ricos de Salvador

POR RENATO GRANDELLE
30/05/2015 6:00

BRAGA, Portugal — Quando Manoel Joaquim Ricardo morreu, em 1865, tinha 27 escravos, três casas e uma senzala. Era um dos dez homens mais ricos de Salvador. É um grande feito, ainda mais considerando que Manoel era negro e vivia em um país ainda escravocrata.

Em 1841, antes mesmo de ser alforriado, Manoel já era dono de seis escravos. Estendeu sua rede de negócios até a África. Lá, ele e seus sócios trocaram correspondência sobre seu sucesso na importação de “noz de cola” — segundo autoridades britânicas, este era um código para “escravos”. Embora o tráfico negreiro ainda não tivesse sido abolido, a opinião pública era cada vez mais resistente ao trabalho forçado dos negros.

— Mais de 600 escravos eram donos de escravos no Nordeste — revela João José Reis, professor da Universidade Federal da Bahia. — Esta prosperidade estava ligada ao tráfico negreiro. Quando havia grandes desembarques nos portos brasileiros, o preço deles diminuía e permitia a inclusão de pequenos investidores no mercado. Manoel e outros libertos compravam preferencialmente mulheres, que lhes davam crias.

Professor de História da Unifesp, André Roberto de Arruda Machado destaca que a relação entre os negros era desigual.

— Os escravos não formavam apenas um corpo. Havia uma hierarquia evidente entre os escravos nascidos aqui e aqueles que vinham da África. O primeiro grupo se recusava a fazer algumas tarefas, que deveriam ser deixadas aos estrangeiros — lembra.
Mesmo acumulando riquezas e escravos, Manoel nunca obteve reconhecimento na sociedade baiana.

— Com a hostilidade e a negação do africano liberto, perdemos a chance de ter uma elite negra — lamenta Reis. — Os africanos eram trazidos para cá em fétidos tumbeiros e não poderiam ver o Brasil como uma terra de oportunidades. Apenas procuravam se dar bem dentro do possível, e esse possível às vezes surpreende.

(O repórter viajou a convite do Festival de História)
ACESSE A FONTE: 


CONHEÇA O SITE "ÍNDIO EDUCA"


Conheça o site "índio educa" que tem 200 artigos escritos por indígenas que contemplam assuntos diversos, e vão de aspectos históricos ao cotidiano. A ideia surgiu em 2008, quando a Lei 11.645 tornou a temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena" obrigatória no currículo oficial da rede de ensino e tem por objetivo ajudar professores e estudantes.

O BABALAÔ FALA: A AUTOBIOGRAFIA DE MARTINIANO ELISEU DO BOMFIM



O babalaô fala: a autobiografia de Martiniano Eliseu do Bomfim

Félix Ayoh'Omidire; Alcione M. Amos

Em outubro de 1940, Lorenzo Dow Turner, primeiro linguista afro-americano, chegou a Salvador, na Bahia, com a intenção de coletar informações sobre a cultura afro-brasileira.1 Seu principal interesse era investigar as sobrevivências culturais africanas na cultura afro-bahiana, principalmente com relação ao uso de línguas africanas. Turner foi um pioneiro em seu campo de estudos nos Estados Unidos. Ele determinou, na década de 1930, que a língua falada pelo povo gullah, dos estados da Carolina do Sul e da Geórgia, no sul dos Estados Unidos, não era, como estudiosos brancos tinham afirmado, "um inglês mal falado", tratando-se na verdade de uma língua distinta baseada em mais de 30 línguas africanas e no inglês. Eventualmente, o gullah foi identificado como sendo uma língua crioula. 

Em 1940, Turner ainda não tinha publicado os resultados de sua pesquisa entre os gullah. A investigação que estava a ponto de fazer no Brasil iria lhe fornecer uma visão mais completa das línguas africanas que haviam influenciado o gullah. Turner descobriu que em Salvador, Bahia cidade que, até o presente momento, é a mais africana das cidades brasileiras , havia um terreno fértil para sua pesquisa. As entrevistas que ele fez com afro-brasileiros, que foram gravadas para a posteridade, se tornariam uma fonte, ainda não muito bem explorada, de informações valiosas sobre sua língua e sua cultura.

Uma das pessoas entrevistadas por Turner em Salvador foi o famoso babalaô Martiniano Eliseu do Bomfim. Martiniano tinha nascido em 1859, de pais africanos livres. Era considerado um sábio da cultura afro-brasileira, especialmente do candomblé.3 Turner gravou muitas horas de músicas e narrativas do folclore africano, contadas por Martiniano. Este artigo reproduz o conteúdo das entrevistas que recontam a sua autobiografia. As entrevistas foram feitas na residência de Martiniano, no Caminho Novo do Taboão, número sete, entre doze de outubro e nove de dezembro de 1940. Muitos dos originais, gravados em discos de acetato, estão nos arquivos de música tradicional da Indiana University, nos Estados Unidos. Outros estão arquivados na coleção de Turner, no Anacostia Community Museum, em Washington, D.C. O material na Indiana University foi digitalizado e está disponível para pesquisadores mediante o pagamento de uma taxa. Também estão disponíveis as transcrições feitas pelos assistentes de Turner, que falavam iorubá, datadas da década de 1950. Este artigo inclui material contido nas gravações e em transcrições que se encontram na Coleção Africana da Biblioteca da Universidade Northwestern, em Evanston, Illinois. Partes das entrevistas foram reorganizadas para proporcionar maior clareza na sequência da narrativa e para evitar repetições. A narrativa de Martiniano foi extensamente anotada com informações adicionais obtidas de outras fontes, bem como de entrevistas que ele forneceu para outros autores. Todo esforço foi feito para esclarecer referências obscuras, especialmente aquelas relacionadas à família de Martiniano na África.

A importância dessa autobiografia está no fato de que foi gravada na própria voz de Martiniano e contém informações que ele supostamente pensava serem importantes. Ele enfatiza constantemente o seu vasto conhecimento da língua iorubá, que era, evidentemente, uma fonte de grande orgulho para ele, assim como de admiração pela comunidade afro-brasileira. Numa das gravações feitas por Turner, em uma celebração do 81º aniversário de Martiniano, em dezesseis de outubro de 1940, um admirador não identificado afirma em português que lamentava não ser capaz de falar iorubá e o quanto admirava Martiniano, "o professor", que era capaz de falar três línguas: português, iorubá e inglês.5 É interessante notar que, nessas entrevistas, Martiniano deu grande ênfase a sua participação no culto de Egúngún, mas não mencionou seu envolvimento no candomblé.

Existem algumas discrepâncias nas datas e fatos mencionados por Martiniano quando confrontados com o registro histórico e com entrevistas que ele forneceu para outros investigadores. No entanto, tais discrepâncias não diminuem a importância desta entrevista como um documento histórico. Espera-se que este material possa contribuir para o estudo da história da comunidade afro-brasileira na Bahia na primeira metade do século passado, e que seja também uma importante contribuição para o repertório de informações que já estão disponíveis sobre Martiniano.

O material é apresentado da seguinte maneira: o texto da entrevista, em iorubá, está 
acompanhado da tradução em português. Os comentários aparecem nas notas de rodapé. Além disso, um glossário aparece ao final do artigo, incluindo todas as palavras que aparecem em negrito no texto e nas notas de rodapé.

A co-autora gostaria de prestar seus agradecimentos ao Anacostia Community Museum da Smithsonian Institution, em Washington, D.C. pelo o apoio fornecido ao seu trabalho neste projeto. A Félix Ayoh'Omidire pela soberba tradução do iorubá para o inglês e por todo o apoio que ele lhe proporcionou esclarecendo as muitas dúvidas que teve ao produzir as anotações. Também agradece à Lisa Earl Castillo pelos comentários e sugestões, e à Maria Elisa Rodrigues Moreira pelo trabalho de edição do material em português. Quaisquer erros e omissões são de sua inteira responsabilidade.

ACESSE NA ÍNTEGRA: 




IMAGENS RARAS DA BAHIA VÃO VIRAR DVD E LIVRO


Verena Pacheco / Cachoeira, BA 
Xavier Vatin  não imaginava o que poderia encontrar no acervo de gravações antropológicas da Universidade de Indiana (Estados Unidos), um dos maiores do mundo, quando resolveu fazer pós-doutorado na instituição.

Em sua pesquisa, o professor da Universidade Federal do Recôncavo  da Bahia (UFRB) se deparou com um tesouro desconhecido pelos brasileiros: 52 horas de gravações feitas  pelo linguista norte-americano  Lorenzo Turner entre 1940 e 1941, em  sua passagem pela Bahia, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Sergipe e Mato Grosso.

"Eu não conhecia Lorenzo Turner,  um  neto de escravos da Carolina do Norte,  o primeiro linguista a se formar em Havard e a  mostrar que existiam línguas criolas no país. Ele tem uma história de família incrível: em duas gerações foi da escravidão à excelência acadêmica".
A pesquisa de Vatin recentemente ganhou repercussão nacional por conta da descoberta de uma gravação rara que reproduz a voz do poeta Mário de Andrade (1893 - 1945), inexistente no Brasil.

Na época, a tecnologia era cara e literalmente pesada: os equipamentos e discos de alumínio que guardavam as gravações totalizavam cerca de 250 quilos, um obstáculo a mais para quem viajava em navio a vapor. 
Expedição Bahia

No entanto, o que desperta o interesse do etnomusicólogo são as 17 horas gravadas  por Turner em terreiros de candomblé baianos durante sete meses, nos quais registrou filhos e filhas de santo e  sacerdotes  como Martiniano Eliseu do Bonfim, Manoel Falefá, Mãe Menininha do Gantois e  o jovem Joãozinho da Gomeia.

"Cada minuto é muito precioso. A primeira coisa que eu ouvi foi uma gravação de Mãe Menininha, aos 35 anos, isso me fez chorar. São centenas de cantigas e rezas, além de ritos funerários gravados em diversos terreiros de Salvador, Cachoeira, São Félix, Santo Amaro. O precioso para o povo de santo é que muitas dessas canções e rezas se perderam", explica.
Vatin percorreu 5.000 quilômetros nos Estados Unidos para reunir também as fotografias e anotações de Turner feitas na expedição baiana.

O repatriamento do material vai dar origem a  um CD duplo que será restituído aos terreiros, um livro e uma exposição fotográfica, cuja estreia está marcada para julho, no Museu Afro Brasil, em São Paulo.
"O que acho extraordinário, tanto na fotografia, como nas gravações sonoras, é que Turner traz  literalmente a presença dessas pessoas. Talvez por ser negro, ele deu voz ao povo de santo como ninguém fez", defende o estudioso da musicalidade do candomblé.

Segundo Vatin, Turner foi pioneiro na década em que a Bahia se tornou  referência para os estudos sobre a diáspora africana, antecedendo antropólogos como Pierre Verger, que aportou aqui em 1946.

Entre 1937 e 1946, importantes pesquisadores seguiram os vestígios quase que intactos de elementos africanos no estado. "Neste período, a Bahia foi laboratório de pesquisadores da cultura negra como Ruth Landers,  Verger, Melville Herskovits, Roger Bastide, Edson Carneiro, Arthur Ramos. O trabalho de Turner ficou 72 anos esquecido. Se esse homem não fosse negro, com certeza seria muito mais conhecido", opina o francês radicado na Bahia há 23 anos.

Turner pesquisava as línguas criolas faladas  no Sul dos EUA por descendentes de escravos africanos e foi atraído pela Bahia depois de saber que nos terreiros daqui as pessoas falavam fluentemente iorubá, kibungo e fon, entre outras línguas.


"Essas gravações são os únicos documentos que a gente tem que comprovam que  na década de 1940 as línguas africanas eram ainda faladas dentro dos terreiros. Além de uma mina de ouro para o povo de santo, esse material mostra que há muito tempo vem pessoas do mundo inteiro aqui para pesquisar essa cultura. Este trabalho é uma forma de reforçar a legitimidade da cultura afrobrasileira através da tradição do candomblé".
ACESSE A FONTE: 
http://atarde.uol.com.br/cultura/noticias/1681937-imagens-raras-da-bahia-vao-virar-dvd-e-livro-premium

PALÁCIO ONDE VIVEU O CONDE DOS ARCOS VAI A LEILÃO


O Palácio Conde dos Arcos, situado no Garcia e datado de 1781 vai leilão no dia 1º de julho. O prédio que é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e pertence a Fundação Dois de Julho, será vendido para sanear dívidas trabalhistas da entidade que giram em torno de R$ 4 milhões.
De acordo com o diretor-geral da fundação, Marcos Portela, a decisão do leilão foi um acordo com a Justiça do Trabalho para quitar o débito da fundação. "Vamos vender apenas uma área do que temos lá. Com o dinheiro do leilão vamos pagar todas as nossas dívidas trabalhistas. Ainda vai sobrar dinheiro para outras dívidas e para outras atividades da fundação", disse.

A penhora e a designação do leilão foram determinadas pelos juízes Ana Paola Machado e Júlio César Massa, da Central de Execução e Expropriações de Salvador, do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (TRT-5), durante uma audiência realizada no último dia 5. Ao todo o terreno a ser leiloado tem 6.300 m². Segundo Portela, o valor mínimo por metro quadrado do imóvel é de R$ 2 mil, o que resultaria em um lance mínimo de R$ 12,6 milhões. 

"Esse foi o valor acertado com a Justiça, mas esperamos arrecadar mais", completou. Por ser um bem tombado, a empresa que adquirir a área também deverá preservar o casarão. Ainda segundo o diretor, a venda da área não vai desfalcar a estrutura da fundação. "Vamos perder apenas 12 salas, sacrificamos uma parte para não perder o todo", informou Portela. O diretor completou dizendo que os outros prédios que a fundação tem na região não serão afetados pelo leilão. "Vamos manter lá 42 salas e toda a parte administrativa".

O Palácio

Construído em 1781, o Palácio Conde dos Arcos foi a morada do último vice-rei do Brasil, e também governador da capitania da Bahia, o oitavo Conde dos Arcos, Dom Marcos de Noronha e Brito, que residiu no imóvel por sete anos.
Segundo o Iphan, este solar inicia na Bahia, a transição entre o sobrado urbano tradicional e o novo padrão de casa térrea, ligeiramente elevada, integrada ao jardim.

No pavimento nobre encontram-se azulejos "marmoreados" azuis e amarelos, de composição do tipo grinaldas, procedentes da Fábrica do Rato, que ficava em Portugal, no século XIX.
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http://atarde.uol.com.br/bahia/salvador/noticias/1683692-palacio-onde-morou-vice-rei-vai-a-leilao-em-salvador 

"DOM JOÃO NO BRASIL" - "NOS TEMPOS DE BONAPARTE"

Confira o primeiro episódio do programa "Dom João no Brasil", intitulado "Nos tempos de Bonaparte", que mostra o contexto histórico de Lisboa à época da iminente invasão de Napoleão. O episódio faz parte da série de 12 programetes baseados na Revista em Quadrinhos Dom João Carioca a Corte no Brasil de Spacca, escritor e ilustrador, e da historiadora Lilia Moritz Schwarcz.


CARTÓRIOS DE SÃO PAULO GUARDAM REGISTROS DA ESCRAVIDÃO

Lucas Ferraz 
de São Paulo. 
O livro empoeirado e com sinais visíveis de ácaro registra o negócio formalizado pelo senhor José (o sobrenome é ilegível) num longínquo 23 de outubro: a compra da escrava crioula Benta, uma adolescente de 14 anos. Valor: um conto e seiscentos mil réis —aproximadamente R$ 1.750.
No mesmo tomo, há mais registros da escravidão na cidade de São Paulo no ano de 1875: uma relação de escravos —cerca de 300— de uma fazenda no Paraná trazidos para a cidade, cartas de alforria e documentos que mostram até a permuta de escravos por animais.
Foto: Marlene Bergamo/Folhapress
Documentos arquivados no Primeiro Tabelião de Notas, em São Paulo. 
Uma rica documentação sobre a escravidão em São Paulo está dispersa, sem a necessária análise e preservação, no cartório do Primeiro Tabelião de Notas, pioneiro na cidade. O material se encontra num cofre, misturado a outros documentos como escrituras de casas e fazendas na incipiente cidade.
Pesquisadores do período criticam o fato de esses registros, essenciais para entender o cotidiano da escravidão urbana, permanecerem sob o poder de tabeliães, que exercem um serviço público, mas de caráter privado.
"Não faz o menor sentido uma documentação tão valiosa como essa ficar num cartório. É sintomático que São Paulo, que sempre escondeu a escravidão, mantenha esses documentos escondidos", disse a historiadora Maria Helena P. T. Machado, professora titular do departamento de história da USP e especialista em escravidão.
Por ser o último país do Ocidente a abolir a escravidão, em 1888, pululam nos cartórios do país registros como os de compra e venda de escravos e cartas de alforria.
Alguns já destinaram esse acervo para fichamento e estudo, caso do Segundo Tabelião da capital, que enviou para o Arquivo Público do Estado de São Paulo toda a documentação relativa ao período que vai de 1742 a 1937.
No Primeiro Tabelião de Notas, constam registros a partir de 1740. Todos estão no cartório, no bairro de Santa Cecília, e podem ser consultados. Mas não há preservação adequada para documentos tão antigos e faltam também funcionários com expertise para decifrar textos arcaicos, de difícil compreensão.
Marlene Bergamo/Folhapress
No Terceiro Tabelião de Notas, criado seis anos antes da abolição da escravatura, também constam, ainda que em menor número, páginas com registros do período.
A polêmica é quanto à obrigatoriedade de enviar os papéis aos arquivos para serem estudados e preservados.
A Lei de Arquivos diz que a administração da documentação cabe às instituições arquivísticas do Estado. Já a legislação que regulamenta a atividade cartorial nada prevê sobre a destinação desses registros históricos. É o argumento do tabelião Aldo Neves Filho para manter o material no Primeiro Cartório.
"Os arquivos públicos não têm condições de manter todos esses registros", diz Ubiratan Guimarães, presidente do Colégio Notarial do Brasil.

Ele afirma que, para um cartório doar parte do acervo a um arquivo, é necessário uma autorização judicial. 
ACESSE A FONTE: 

III ENCONTRO ESTADUAL DE ENSINO DE HISTÓRIA


CONVERSANDO COM SUA HISTÓRIA


A Fundação Pedro Calmon (FPC), através do Centro de Memória da Bahia (CMB), convida a todo(a)s para participar da palestra “A história da África e as africanidades nas escolas: alguns problemas metodológicos e curriculares para o ensino-aprendizagem uma década após a Lei 10.639/03", que será ministrada pelo professor Me. Antônio Cosme Lima da Silva, em 25 de maio, mês dedicado a discussão Bahia-África no curso Conversando com a sua História, organizado pelo Centro de Memória da Bahia/FPC.

Data: 25 de maio de 2015
Horário: 17 horas

Local: sala Kátia Matoso – auditório da Biblioteca Pública do Estado da Bahia.

ENEARQ SALVADOR


O Instituto de Ciência da Informação da Universidade Federal da Bahia realizará no período de 27 a 31 de julho de 2015, o I Seminário de Pesquisa em Arquivologia da UFBA.
O evento objetiva estimular o debate sobre a pesquisa em Arquivologia, mediante a interlocução entre docentes, estudantes (iniciação científica, mestrado e doutorado) e profissionais que atuam na área de Arquivologia.
Os interessados em apresentar comunicações orais poderão submeter resumos expandidos que destaquem os resultados de pesquisas acadêmico-científicas de pós-doutorado, doutorado, mestrado, especialização, Pibic e TCC, além de projetos de pesquisas em geral na área em apreço.
As inscrições encontram-se abertas e podem ser realizadas, gratuitamente, no sitio eletrônico do evento (http://www.iseparquivologia.ici.ufba.br/).
O prazo de submissão de resumos expandidos ocorrerá de 30/04 a 30/05/2015.
Participem!
Informações:
E-mail: Iseparq@ufba.br
Local: Instituto de Ciência da Informação / UFBA
Rua Basílio da Gama, s/n – Campus Universitário do Canela
CEP: 40110-100  - Salvador/BA




OS BANQUEIROS DO TRÁFICO

                                                                   Torre do Tombo - A contabilidade da escravidão 
                                                                   Uma conta de compra de escravos em Luanda

Documentos antigos evidenciam papel dos grandes negociantes de Lisboa nas operações com escravos em Angola
 CARLOS FIORAVANTI | ED. 231 | MAIO 2015

Em 1740, o português Domingos Dias da Silva era um capitão de navio que transportava tecidos, aguardente, vinho e armas de fogo para Luanda, o maior porto ligado ao tráfico de escravos em Angola, então uma colônia portuguesa. Silva vendia as mercadorias, recebia parte do pagamento na forma de papéis chamados letras ou em livranças, que funcionavam como promissórias, e parte na forma de escravos. Depois de entregar os escravos no Brasil, ele trocava as letras por moedas de ouro, enchia os porões de açúcar e voltava para Lisboa, fechando uma viagem que poderia ter começado dois anos antes. Silva ganhou dinheiro suficiente para participar do leilão de contratos de escravos, promovido pelo governo português, e oferecer mais que os concorrentes. Depois de 25 anos, ele se tornara contratador, cobrando impostos em nome do rei sobre os negócios com escravos e acumulando riqueza, poder e prestígio.

Sua trajetória expõe a complexidade comercial do tráfico de escravos entre Portugal, Angola e Brasil, que o historiador Maximiliano Menz, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), está reconstituindo por meio de dois conjuntos de documentos encontrados por ele na Torre do Tombo, um dos arquivos históricos de Lisboa. O primeiro conjunto, consultado pela primeira vez em 2011, são os quatro livros de contratos de exportação de escravos comprados em Luanda de 1763 a 1770. Nessa época, em média 9 mil africanos saíam por ano de Angola como escravos. Ao longo de três séculos, quase 6 milhões de africanos saíram principalmente de Angola para trabalhar nas minas de ouro e nas plantações de cana-de-açúcar do Brasil.
O segundo conjunto de documentos emergiu em outra viagem, em janeiro deste ano: são os cerca de 230 livros – quatro por ano, cada um com 600 páginas – dos registros de mercadorias que passaram pela alfândega de Lisboa ao serem embarcadas para Luanda de 1748 a 1807. Nos 28 livros que já examinou, Menz contabilizou cerca de 2 mil lançamentos com nomes de pessoas e mercadorias e concluiu que, embora os negócios estivessem concentrados nas mãos de grandes negociantes como Silva, centenas de pessoas participavam, até mesmo padres, que poderiam enviar vinhos a serem trocados por escravos em Luanda. “Sim, padres”, diz ele. “Não havia problema nenhum. Pelo padrão religioso da época, o tráfico de escravos era uma forma de salvar almas do inferno porque os negros recebiam o batismo antes de entrarem nos navios rumo ao Brasil.”

Com esses documentos, Menz está ressaltando o papel central dos contratadores portugueses e dos contratos de exportação na geração dos mecanismos de crédito e de capitais associados ao tráfico de escravos. “O contratador funcionava com um banco, emprestando dinheiro por meio das livranças emitidas em Luanda como forma de pagamento pelas mercadorias”, diz ele. “Os papéis eram trocados por dinheiro no Brasil, quando os escravos eram vendidos.”


Vista panorâmica de Luanda em 1755, com a Sé, na cidade alta (à esquerda) e o forte de São Miguel (à direita)

Menz está confirmando uma hipótese do historiador Joseph Miller, da Universidade de Virgínia, Estados Unidos: “Miller propôs que os mercadores de Lisboa, graças ao controle do contrato de escravos, monopolizavam o financiamento do negócio, fazendo uso de uma série de privilégios garantidos por esses contratos e, desse modo, forneciam a maior parte das mercadorias que eram utilizadas para a compra dos escravos no interior de Angola”.
“Nessa época, os homens de negócio do Brasil atuariam principalmente no mercado de fretes, oferecendo transporte para a mercadoria humana a ser vendida no Brasil”, propõe Menz, apresentando uma alternativa a uma visão comum entre historiadores, segundo a qual os negociantes brasileiros é que controlavam o tráfico. “É esta a interpretação nos trabalhos de Luiz Felipe de Alencastro, Manolo Florentino, Roquinaldo Ferreira e Alexandre Vieira Ribeiro, mas existem pesquisas mais recentes que também reconhecem o protagonismo das comunidades mercantis de Lisboa ou dos mercadores de Luanda e Benguela, como as teses de Gustavo Acioli Lopes, Jaime Rodrigues, Daniel Domingues Dias Silva, Mariana Cândido e o doutorado, em andamento, de Jesus Bohorquez.”

Enquanto ao norte, nas regiões então chamadas de Guiné e Mina, os europeus ancoravam os navios nos portos e apenas compravam os escravos capturados por mercadores africanos, em Angola, por ser uma colônia portuguesa, a participação dos europeus era mais intensa. Em Luanda, a capital, o tráfico de escravos havia se tornado a principal fonte de renda da população formada por portugueses e mestiços, que representavam metade dos cerca de 5 mil habitantes da cidade (a outra metade era de escravos, parte deles à espera dos navios que os levariam para as Américas).

Os portugueses financiavam a compra de escravos no interior pelos comerciantes locais, em geral negros ou mulatos, que podiam dar calote ou morrer, por causa de malária, febre amarela e outras doenças comuns. O risco maior era a perda de escravos, que muitas vezes não resistiam à travessia do oceano rumo ao Brasil, reduzindo o lucro. Para evitar esse risco, os negociantes preferiam receber o pagamento em livranças ou em letras, trocadas no Brasil por ouro ou produtos coloniais como açúcar, algodão e tabaco, enviados para Lisboa.

A corrente de crédito funcionou até que Domingos Dias da Silva, como contratador, resolveu mudar as regras: parou de emprestar para os outros comerciantes, por meio das livranças, e forçou a compra de mercadorias que ele enviava de Lisboa. Não deu certo, porque quase ninguém tinha dinheiro vivo para usar. Segundo Menz, o governador de Angola, Francisco Inocêncio Coutinho, pressionado pelos comerciantes, escreveu para Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal e secretário de Estado do reino. Em 1770, para encerrar a confusão, Pombal extinguiu os contratos e determinou que os impostos sobre a venda de escravos seriam administrados diretamente pela Fazenda real. Apesar dos imprevistos, Silva aparentemente não faliu e anos depois morreu rico. O tráfico foi abolido em 1830, mas nos anos seguintes muitos escravos ainda foram capturados e enviados ilegalmente de Angola para o Brasil.

Projeto
Uma história econômica do tráfico de escravos em Angola: financiamento, fiscalidade, transporte (c. 1730-1807) (nº 2014/14896-9); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador Responsável Maximiliano Mac Menz (Unifesp); Investimento R$ 37.344,11 (FAPESP).

Artigo científico