FEITICEIROS NA ILHÉUS SETECENTISTA



Dou parte a Vossa Majestade em como a esta Villa vieram conduzidos por Ignácio Fernandes de Souza, morador nesta Villa, dois pretos feiticeiros, os quais entraram a curar publicamente de feitiços a várias pessoas, usando de arte diabólica com alguidares de água em que faziam aparecer figuras, e para isso se punham a falar com galos pretos, sapos e outras visagens semelhantes, em que diziam adivinhar, pondo preços exorbitantes dinheiro para a paga das ditas curas, que mais parecia furtos que curas, levando vinte mil réis, e dali para cima a cada pessoa sem que tivessem estas vigor, antes alguns pioraram, e morreram e era tudo uma confusão nesta Villa com estas artes diabólicas, e vendo o Reverendo Vigário da Vara estas feitiçarias de que usavam os ditos pretos, os mandou prender valendo-se para isso do socorro da justiça secular pedindo-me ajuda, e foi o que logo fiz mandando pelos oficiais [diante de] mim prendessem os ditos pretos, e indo se executar a dita prisão em o dia 25 do mês de março, achando-me eu também presente, se puseram estes em resistência puxando por facas de pontas, armas proibidas pela Lei por andarem estes para esse efeito preparados, e com elas feriram perigosamente a um dos oficiais, e a outro que ia em socorro a mesma justiça, sendo seu maior empenho o maltratarem-me que se não fora o defender-me o fariam; e sendo com efeito presos prossegui a devassa pela resistência feita a Justiça a armas por editais fazendo-lhe prontamente sequestro em uma caixinha pequena com duas fechaduras em que se lhe achou sessenta e tantos mil réis em dinheiro, roupas e algumas peças de ouro que se lhe havia dado em penhor de algumas curas, e muito por praticas de feitiçarias em que entravam algumas coisas sagradas das quais tomou entrega o mesmo Reverendo Vigário da Vara, que presente se achava, e também procedeu a devassa e sequestro, cujos pretos os fiz remeter com a devassa, seguros com ferros a cadeia dessa cidade ao Doutor Ouvidor Geral do Crime, por José Luiz Pinto, mestre e dono de uma lancha, morador este na Villa do Camamu por levar também em sua companhia os escravos que foram dos Padres da Companhia cujos ia a entregar ao Desembargador Chanceler, e Juiz Comissário da Inconfidência, e por ser público e notório nesta Villa que o dito José Luiz Pinto não entregara os ditos presos nem a devassa pelos haver postos em liberdade por dadivas de dinheiro que lhe haviam dado, mandou prender o Doutor Corregedor da Comarca na Villa do Camamu, onde se acha por causa do dito Joseph Luiz lhe não apresentar recibo de uns e outros presos por correr naquela Villa a mesma fama de que os havia soltados, nem menos mandou entregar em esta esta Villa os ferros em que foram seguros os ditos presos uns e outros, e como o Juiz Ordinário desta Villa dou conta a Majestade para a nenhum tempo me prejudicar. Villa dos Ilhéus, e de Junho 10 de 1761. Vossa Majestade. 
Vassalo o mais obediente;
Antonio José Martins.                 
Correções: J.J.R. 
Fonte: Arquivo Público do Estado da Bahia, seção colonial, maço: 201.