Resgate de conhecimento: Digitalização de acervos traz à tona raridades e documentos esquecidos e ajuda a aperfeiçoar o trabalho de pesquisadores


Por Fabrício Marques
A multiplicação de projetos de digitalização de acervos de bibliotecas, arquivos e museus está modificando a forma como pesquisadores brasileiros trabalham. Nos últimos 15 anos, diversas instituições se empenharam em oferecer na internet documentos, fotografias e vídeos que antes só eram disponíveis em visitas agendadas. O resultado desse esforço é sensível. Em alguns casos, a facilidade de procurar e encontrar itens com ferramentas de busca ampliou acesso a informações difíceis de garimpar manualmente, potencializando a qualidade da pesquisa. Em outros exemplos, permitiu ao menos conhecer remotamente a amplitude de determinado acervo para organizar uma consulta presencial mais rápida e eficiente. “Estudantes e pesquisadores estão sendo formados nesse novo contexto. É um caminho sem retorno”, diz o historiador Pedro Puntoni, professor da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Núcleo de Cultura Digital do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). “A biblioteca e o arquivo em papel sempre vão ter importância, mas perdem espaço para a internet diante da facilidade de ter acesso a documentos, imagens e livros, assim como teses e revistas digitais disponíveis on-line”, afirma.

De um computador pessoal em sua casa, o professor e pesquisador Wilton José Marques encontrou em meados de março um poema esquecido de um dos principais nomes da literatura brasileira, o escritor Machado de Assis (1839-1908), conhecido do leitor sobretudo pelos contos e romances. Não se trata de um poema qualquer, mas o primeiro, publicado no jornal Correio Mercantil, do Rio, em 9 de setembro de 1856, intitulado “O grito do Ipiranga”. Especialistas da obra de Machado consideravam que sua produção iniciara em 1858 com o poema “Esperança”, quando o autor, aos 19 anos, começou a trabalhar como revisor naquele jornal. O achado de Marques foi possível graças à digitalização do Correio Mercantil pela Biblioteca Nacional, que criou em 2009 sua hemeroteca digital. Marques, professor do Departamento de Letras da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), diz que encontrou a poesia graças a “um pouco de faro e um pouco de sorte”. Procurava os primeiros poemas de Machado para uma pesquisa sobre influências românticas na obra do autor. “Fui conferir as fontes, olhando poema por poema das coletâneas, a partir de 1858. Por curiosidade, resolvi fazer a busca em anos anteriores e ‘O grito do Ipiranga’, apareceu”, diz. Marques decidiu interromper sua pesquisa e se dedica a um artigo sobre a poesia. “É um poema longo, uma glorificação do grito da independência e de dom Pedro I. Uma das características da literatura de Machado é a intertextualidade: ele dialoga com outras obras e referências históricas. Nesse primeiro poema, compara o tempo todo a Independência com a república romana”, diz Marques.

Outro interesse do pesquisador é lançar luzes sobre a juventude de Machado. “Imagine como numa sociedade escravocrata um jovem negro de 17 anos, com educação formal que a gente não sabe muito bem como foi obtida, conseguiu se inserir no universo intelectual do Rio de Janeiro e colaborar num jornal importante da época.”

A Biblioteca Nacional tem um dos mais longevos programas de digitalização no país. Começou em 2006 e, hoje, oferece 900 mil documentos on-line, que rendem 400 mil consultas virtuais por mês. Há coleções de fotos, mapas e músicas. No mês passado, foi lançado o portal Brasiliana Fotográfica (brasilianafotografica.bn.br) com mais de 2 mil fotos históricas de coleções da própria biblioteca e do Instituto Moreira Salles. A maior parte do acervo digital é composta por jornais brasileiros. São 5 mil títulos, digitalizados com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). “Temos a prerrogativa do depósito legal, que é a recepção de um exemplar de todas as publicações produzidas em território nacional. Por isso, nossa coleção é a mais abrangente do país”, diz Angela Bettencourt, coordenadora da Biblioteca Nacional Digital. A decisão de oferecer os jornais se deveu também a uma questão prática: o acervo era dos mais consultados da instituição.

ACESSE NA ÍNTEGRA: http://revistapesquisa.fapesp.br/2015/05/15/resgate-de-conhecimento/