A HISTÓRIA É LIVRE: POR JOÃO JOSÉ REIS

Foto: Adilton Venegeroles

Acostumada a cerimônias sem solavancos, a Academia Brasileira de Letras (ABL), ao final do dia 20 de julho, experimentou um burburinho que lembrava uma república universitária. Naquela noite chuvosa, o incendiário era também o homenageado e atendia pelo nome de João. “A escravidão é sempre o crime da raça branca”, disse ele para uma plateia de homens brancos. Posicionado no centro do Salão Nobre do palácio Petit Trianon, sede da academia, João bradou sobre chibatadas e cotas raciais; sobre pobreza e educação. Ao fim, o presidente da casa, Domício Proença Filho, resumiu o que acabara de ouvir: “Uma aula dessa encruzilhada chamada Brasil”.

João José Reis, 65, é um homem baixo, muito magro, de fala curta. Ao ouvinte incauto, ele pode soar ríspido. Um pouco fruto de sua criação – “um menino que aprendeu lições nas bandas ásperas da Cidade Baixa”, como ele diz – e muito pelo teor daquilo que fala. Referência mundial no estudo da história da escravidão, João versa há três décadas em livros, artigos e palestras sobre a chaga racial no Brasil. Uma tarefa já reconhecida com o prêmio literário Jabuti, em 1992, e agora com o prêmio Machado de Assis, dado pela ABL ao conjunto da sua obra. O conteúdo sobre o qual João se debruça põe, quase sempre, rudeza e veemência em sua voz.

“Já na minha adolescência eu percebi o apartheid social. E, logo depois, uma questão fez minha cabeça: qual é a relação da raça com a desigualdade? Deixei a militância política para protestar de outra forma. Muito cedo aprendi que tinha uma miríade de coisas que precisavam ser combatidas antes de se pensar numa sociedade completamente igualitária”.
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O terreiro do Gantois: redes sociais e etnografia histórica no século XIX


O Ilê Iyá Omi Axé Iyamassé, localizado na cidade de Salvador e mais conhecido como o Terreiro do Gantois, é um dos mais antigos candomblés da Bahia, comentado nos estudos afro-brasileiros desde os tempos de Nina Rodrigues e reconhecido como patrimônio histórico do Brasil desde 2002. Contudo, pouco se sabe sobre seus primeiros tempos, além de tradições orais sobre o envolvimento da fundadora no legendário Candomblé da Barroquinha. Este texto cruza dados das tradições orais com pesquisa documental e etnográfica, reconstruindo assim as histórias de vida da fundadora, Maria Júlia da Conceição, e de seu marido, Francisco Nazareth d’Etra, desde o cativeiro até a liberdade. A fundadora era de nação nagô, mas seu marido era jeje e as evidências sobre os primeiros tempos da comunidade religiosa apontam para a importância de influências jejes. O texto ainda traz novas reflexões sobre a antiga relação entre o Gantois e o Ilê Axé Iyá Nassô Oká (Casa Branca), sugerindo uma nova cronologia para a cisão entre as duas comunidades.

ÚLTIMAS VONTADES DE UM ESCRAVOCRATA-MOR

APEB, Seção Judiciária, Registro de Testamentos Nº 51-pp.2-8             

Joaquim José de Souza Guimarães solteiro e sem herdeiros forçados, dono de uma fortuna de quase novecentos contos de réis, partilhou entre seus afilhados tudo que construiu e acumulou durante sua vida. Cidadão português, nascido e batizado na Freguesia de São Miguel de Seide, Comarca da Vila Nova de Famelicão, Arcebispado de Braga, Reino de Portugal. Além de agraciar diversos afilhados e afilhadas no Brasil e em Portugal, incumbiu aos seus testamenteiros à missão de alforriar seis meninas alvas de idade de dez a vinte anos, para tanto, deixou a quantia de seis contos de réis, ou quanto fosse preciso para tal fim. Após a morte de Guimarães, em 1876, seus testamenteiros João Soares Chaves e Manoel da Costa Rodrigues Vianna cumprem a verba do moribundo e libertam Bitilina, quase branca, Casimira, quase branca, Capitolina, parda, Corina, semibranca e Ephigenia, não classificada.


Liberdade de Bitilina, quase branca

Pela presente por mim assinada, concedo liberdade a minha escrava Bitilina de cor quase branca, quantia de quinhentos mil réis, que recebi dos testamenteiros do finado Joaquim José de Souza Guimarães, e por verdade passo o presente. Bahia, 30 de junho de 1877. Pedro Rodrigues de Pinho ao Tabelião Rodrigues da Costa. Bahia, 17 de julho de 1877, reconheço a firma supra. Bahia, 17 de julho de 1877. Em testemunho de verdade estava o sinal público. Frederico Augusto Rodrigues da Costa. Registrada aos 17 de julho de 1877.
APEB, Livro de Notas 511 – P. 37v


Liberdade de Casimira, quase branca

Pela presente por mim assinada, concedo liberdade a minha escrava Casimira, de cor quase branca, pela quantia de quinhentos mil réis, que recebi dos testamenteiros do finado Joaquim José de Souza Guimarães, e por verdade passo a presente. Bahia, 30 de junho 1877. Rodrigues de Pinho ao Tabelião Rodrigues da Costa. Bahia, 17 de julho de 1877. Custas. Reconheço a firma supra. Bahia, 17 de julho de 1877. Em testemunho de verdade. Estava o sinal público Frederico Augusto Rodrigues da Costa. Registrada aos 17 de julho de 1877. Eu.
APEB, Livro de Notas 511 – P. 37v


Liberdade de Capitolina

Pela presente por mim tão somente assinada concedo liberdade a minha escrava capitolina parda de dois anos mais ou menos, mediante a quantia de setecentos mil réis (700$000) que recebi dos testamenteiros do finado Joaquim José de Souza Guimarães, podendo gozar de sua liberdade, como se de ventre livre nascesse. Bahia, 22 de setembro de 1877. Maria da Gloria Sofia dos Reis. Como testemunhas José Joaquim de Moraes, Francisco Marques Porto. Reconheço as firmas supra. Bahia, 1º de outubro de 1877. Em testemunho de verdade estava o sinal público. Frederico Augusto Rodrigues da Costa. Tabelião Rodrigues da Costa. Bahia, 1º de outubro de 1877. Seixas, Registrada ao 1º de outubro de 1877. Eu Frederico Augusto Rodrigues da Costa. Tabelião a escrevi.
APEB, Livro de Notas 511 - P.43


Liberdade de Corina

Pela presente por mim feita e assinada dou liberdade a minha escrava Corina, de cor semi branca, pela quantia de seiscentos mil réis que recebi dos Ilustres Senhores Manoel da Costa Rodrigues Vianna e João Soares Chaves, testamenteiros do finado Joaquim José de Souza Guimarães em virtude da cláusula 27 do respectivo testamento; pudendo a dita minha escrava gozar de todas as regalias e direitos que lhe concedem as leis do país, como si de ventre livre nascera. Bahia, 23 de dezembro de 1876. Cincinato Pinto da Silva. Testemunhas Manoel Gomes Costa, Eduardo Dias de Moraes. Reconheço as firmas supra. Bahia, 23 de dezembro de 1876. Em testemunho de verdade estava o sinal público. Álvaro Lopes da Silva. Ao Tabelião Álvaro. Bahia, 23 de dezembro de 1876. Seixas. Registrada conferi, e subscrevi na Bahia. Eu Álvaro Lopes da Silva Tabelião subscrevi.
APEB, Livro de Notas 513 – P. 5


Liberdade de Ephigenia

Pelo presente título confiro a liberdade a minha escrava de nome Ephigenia matriculada sob nº 3455 no Município de Nazareth, mediante a quantia de seiscentos mil réis, que recebi dos senhores testamenteiros do finado Joaquim José de Souza Guimarães, em virtude do disposto na verba 27ª de testamento do dito finado. Bahia, 24 de dezembro de 1876. Joana Maria Monteiro. Reconheço a firma supra. Bahia, 9 de janeiro de 1877. Em testemunho de verdade sinal público. Álvaro Lopes da Silva. Ao Tabelião Álvaro. Bahia, 9 de janeiro de 1877. Seixas. Registrada conferi e subscrevi na Bahia. Eu Álvaro Lopes da Silva Tabelião subscrevi.
APEB, Livro de Notas 513 - P. 7         


ALFORRIA DE DOMINGOS VAQUEIRO


Liberdade do crioulo de nome Domingos.

Digo eu Dionisio Vieira Lima Factum e minha consorte Julianna Maria Pereira Factum, que possuímos um escravo crioulo por nome Domingos, vaqueiro da Fazenda do Ribeiro, o qual escravo nós propomos a libertar, com a condição de ser nosso vaqueiro enquanto nós sermos vivos, e observando ele sempre impreterivelmente esta obrigação, desde já o forramos, e o havemos por forro e liberto, e por receber dele a modica quantia de quatrocentos oitenta e oito mil réis em gados vacuns, e cavalares de criar, que tudo vem a ser trinta e quatro cabeças, e juntamente quarenta mil réis, que lhe devemos, quando o dito crioulo tem em considerável valor pela sua comportação, em todo o sentido lhe fazemos este beneficio. Cabussú, trinta de outubro de mil oitocentos trinta e um anos. Dionisio Vieira Lima Factum. Assino a rogo de minha Mãe a Senhora Dona Julianna Maria Pereira Factum, Manoel da Silva Factum. Como testemunha Joaquim Feliciano de Santa Anna. Reconheço próprias as letras e assinaturas retros. Vila de Inhambupe, vinte de julho de mil oitocentos e quarenta e sete. Estava o sinal Público em testemunho de verdade. O Tabelião Maximiano Hippolito dos Santos. Lançada a folhas cento e sete verso do [único] quarto Livro de Notas. Vila de Inhambupe dezesseis de novembro de mil oitocentos trinta e um. Santos. Número cento e vinte sete. Cento sessenta réis. Pagou cento sessenta réis. Bahia, vinte oito de julho de mil oitocentos quarenta e sete. Seixas. Câmara. Ao Tabelião Lopes. Bahia, trinta de julho de mil oitocentos quarenta e sete. Filgueiras. E trasladada da própria conferi, concertei, subscrevi e assinei com outro Companheiro aos trinta e um de julho de mil oitocentos quarenta e sete. Eu Manoel Lopes da Costa Tabelião a subscrevi e assinei.  

FONTE: APEB, Seção Judiciária, Livro de Notas 285-p.58. 

FLIPELÔ - FESTA LITERÁRIA INTERNACIONAL DO PELOURINHO


Salvador entra no cenário nacional de eventos literários com a primeira Festa Literária Internacional do Pelourinho – FLIPELÔ, que acontece de 09 a 13 de agosto, ocupando ruas e espaços culturais do Centro Histórico de Salvador.

Em sua primeira edição, a festa comemora os 30 anos da Fundação Casa de Jorge Amado e homenageia o escritor que dá nome ao espaço, além de Zélia Gattai e Myriam Fraga, duas das mais relevantes personalidades culturais diretamente interligadas à trajetória de vida de Amado.

Serão mais de 50 atividades, entre mesas de debates, lançamentos de livros, oficinas literárias, saraus, apresentações teatrais, exibição de vídeos e shows musicais, que reunirão autores, pesquisadores, críticos, estudantes e apaixonados pelo mundo das palavras. Tudo isso cercado pela arquitetura histórica, com fachadas de casas, igrejas e paralelepípedos do Pelourinho.

A FLIPELÔ é apresentada pelo Ministério da Cultura e Instituto CCR, através da Lei Rouanet, com apoio da CCR Metrô Bahia e em parceria com o Governo da Bahia. O festival conta ainda com o apoio do Shopping da Bahia, co-realização do SESC, produção da Maré Produções Culturais e realização da Fundação Casa de Jorge Amado.

ACESSE A PROGRAMAÇÃO: http://www.flipelo.com.br/ 

BIBLIOTECA VIRTUAL CONSUELO PONDÉ: REVOLTA DOS BÚZIOS ONLINE


A Revolta dos Búzios (1798-1799), considerada o primeiro “movimento revolucionário” social brasileiro, é também conhecida na historiografia brasileira pelas seguintes denominações: “Revolução dos Alfaiates”; “Revolução de 1798-1799”; “Conjuração Baiana”; “Conspiração dos Búzios”; “Conspiração dos Alfaiates”; “Conspiração Republicana”; “Conspiração de João de Deus”; “Sedição de 1798”; “Sedição de Mulatos”; e “Levante de 1798”.  Em alusão a data de celebração da Revolta -12 de agosto de 1798-, A biblioteca Virtual Consuelo Pondé elenca uma série de conteúdos, que versam sobre as mais diferentes facetas deste evento histórico; documentos da época, vídeos, livros, jogos, pesquisas e entrevistas com estudiosos.  Esperando contribuir para a memória histórica e cultural baiana.


UMA PADARIA E SEU PANFLETO COMUNISTA NA BAHIA DE 1950

Em 1950 a Bahia encontrava-se no roteiro da repressão ao comunismo, com o acidente que vitimou Lauro Freitas, assume governo o candidato Régis Pacheco, que iria liderar a perseguição aos vermelhos na Bahia. Em Salvador, no Bairro de Itapuã, uma padaria ostentava em seu platibanda cartazes comunistas. Construída em 1933, a casa foi adquirida pela família dos atuais proprietários em 1948, e encontra-se em plena atividade nos dias atuais.


   

Resistência marcou trajetórias de mulheres escravas do Recôncavo Baiano

Historiadora mostra como essas mulheres conseguiram sobreviver na fronteira entre escravidão e liberdade. 

Praça do Porto – destaque para o Prédio dos Arcos, s/d – Fonte: FALCÃO, Edgard de Cerqueira. Relíquias da Bahia. 1940, p. 498

Por Antonio Carlos Quinto - Editorias: Ciências Humanas
Virgínia conta que seu interesse pela pesquisa se deu quando ela participou do projeto Guia de Fontes do Recôncavo. Ela desenvolveu a atividade como docente da Universidade do Estado da Bahia, com monitores da graduação. “Foi aí que pude ter contato com uma rica documentação, como documentos manuscritos e fontes impressas”, lembra. Os documentos estavam armazenados em caixas e esquecidos em prédios públicos. “Hoje estão sob a guarda das cidades de Nazaré, Santo Antonio de Jesus, Aratuípe e Jaguaripe”, ressalta a historiadora, lembrando que “os papéis, que estavam armazenados em caixas pelos cantos de repartições públicas, foram lidos atentamente e com bastante cautela para que não fossemos induzidos ao discurso ‘homogeneizador’ das autoridades da época”.

Maria da Conceição

Em meio a personagens que surgiam durante suas pesquisas, uma delas chamou a atenção de Virgínia: Maria da Conceição. A pesquisadora deparou-se com um processo de ação de liberdade daquela mulher negra. Segundo a historiadora, os fragmentos deixados naquele documento foram o fio condutor que levou a muitas outras histórias que “guardavam informações que mereciam ser contadas”.

Africanas, crioulas, pardas ou cabras na condição de escravas, libertas e pobres livres foram as personagens que iam aparecendo naquela garimpagem; nas leituras das entrelinhas e fragmentos daqueles papeis. Virgínia também acessou documentos localizados no Arquivo Público do Estado da Bahia. Formou-se então um “corpo documental” composto de processos judiciais (crime e civil), registros eclesiásticos (batismos, óbitos e casamentos), registros notariais (testamentos, inventários, livros de notas do tabelião), além de jornais da época. “Os caminhos trilhados por essas pessoas, no pós-abolição, foram muitas vezes externados nas mensagens por elas deixadas em seus testamentos de últimas vontades, nos processos criminais e em apontamentos produzidos pelas autoridades da época.” Nos testamentos, constavam as lembranças de raras passagens daquelas vidas, diferente dos apontamentos produzidos pelas autoridades. “Encontramos uma visão mais aproximada sobre a vida que levaram e a determinação com que lutaram para alcançar a liberdade, a audácia e a astúcia em rearticular seus meios de sobrevivência, contatos sociais adquiridos no tempo da escravidão e outros que foram firmados já nos tempos de liberdade”, destaca Virgínia.
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