Resistência marcou trajetórias de mulheres escravas do Recôncavo Baiano

Historiadora mostra como essas mulheres conseguiram sobreviver na fronteira entre escravidão e liberdade. 

Praça do Porto – destaque para o Prédio dos Arcos, s/d – Fonte: FALCÃO, Edgard de Cerqueira. Relíquias da Bahia. 1940, p. 498

Por Antonio Carlos Quinto - Editorias: Ciências Humanas
Virgínia conta que seu interesse pela pesquisa se deu quando ela participou do projeto Guia de Fontes do Recôncavo. Ela desenvolveu a atividade como docente da Universidade do Estado da Bahia, com monitores da graduação. “Foi aí que pude ter contato com uma rica documentação, como documentos manuscritos e fontes impressas”, lembra. Os documentos estavam armazenados em caixas e esquecidos em prédios públicos. “Hoje estão sob a guarda das cidades de Nazaré, Santo Antonio de Jesus, Aratuípe e Jaguaripe”, ressalta a historiadora, lembrando que “os papéis, que estavam armazenados em caixas pelos cantos de repartições públicas, foram lidos atentamente e com bastante cautela para que não fossemos induzidos ao discurso ‘homogeneizador’ das autoridades da época”.

Maria da Conceição

Em meio a personagens que surgiam durante suas pesquisas, uma delas chamou a atenção de Virgínia: Maria da Conceição. A pesquisadora deparou-se com um processo de ação de liberdade daquela mulher negra. Segundo a historiadora, os fragmentos deixados naquele documento foram o fio condutor que levou a muitas outras histórias que “guardavam informações que mereciam ser contadas”.

Africanas, crioulas, pardas ou cabras na condição de escravas, libertas e pobres livres foram as personagens que iam aparecendo naquela garimpagem; nas leituras das entrelinhas e fragmentos daqueles papeis. Virgínia também acessou documentos localizados no Arquivo Público do Estado da Bahia. Formou-se então um “corpo documental” composto de processos judiciais (crime e civil), registros eclesiásticos (batismos, óbitos e casamentos), registros notariais (testamentos, inventários, livros de notas do tabelião), além de jornais da época. “Os caminhos trilhados por essas pessoas, no pós-abolição, foram muitas vezes externados nas mensagens por elas deixadas em seus testamentos de últimas vontades, nos processos criminais e em apontamentos produzidos pelas autoridades da época.” Nos testamentos, constavam as lembranças de raras passagens daquelas vidas, diferente dos apontamentos produzidos pelas autoridades. “Encontramos uma visão mais aproximada sobre a vida que levaram e a determinação com que lutaram para alcançar a liberdade, a audácia e a astúcia em rearticular seus meios de sobrevivência, contatos sociais adquiridos no tempo da escravidão e outros que foram firmados já nos tempos de liberdade”, destaca Virgínia.
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