CARLOS HAAG | ED. 156 | FEVEREIRO 2009.
No dia 21 de fevereiro de 1862 o capitão de navio
Nathaniel Gordon foi enforcado nos Estados Unidos, o único americano que sofreu
a pena capital por participar do tráfico negreiro. “Por quatro décadas o
tráfico foi considerado, por lei, um ato de pirataria, mas até então ninguém
havia sido punido. A administração Lincoln virou uma página da história e com
esse enforcamento a nossa história não será mais a mesma”, sentenciou um artigo
da revista Harper’s Weekly daquele ano. Gordon era um velho conhecido do Brasil
e teve o “privilégio” de comandar, em 1852, o último navio negreiro, o brigue
americano Camargo, a desembarcar, com sucesso, 500 africanos em solo
brasileiro. Depois de despachar a sua “carga”, Gordon ateou fogo ao navio, para
evitar sua prisão (o tráfico estava proibido no país desde 1850), e escapuliu
vestindo roupas femininas para os EUA. Ele não foi, porém, o único americano a
bordo de uma embarcação produzida em Baltimore, Maine ou Nova York a aproveitar
as vantagens de navegar com a bandeira ianque e lucrar, muito, com o tráfico de
negros para o Brasil e Cuba.
“Milhares de cidadãos norte-americanos enriqueceram
com o comércio negreiro. Eles ficaram conhecidos por venderem e alugarem navios
a comerciantes de escravos brasileiros nos portos de Salvador e Rio de Janeiro.
As embarcações construídas nos Estados Unidos abasteciam os entrepostos
escravistas na costa africana, forneciam apoio decisivo às expedições
escravistas e transportavam milhares de africanos para a costa brasileira”,
afirma o brasilianista Dale Graden, da Universidade de Idaho. Um cônsul
americano no Rio de Janeiro, na década de 1840, avaliou entre 70% e 100% a
rentabilidade dessas expedições negreiras em navios dos EUA, tanto do Sul escravista
quanto do Norte supostamente abolicionista. A nacionalidade desses navios ainda
se mantém como um fantasma mesmo após tantas décadas. “Um dos muitos problemas
que tivemos para conseguir a autorização para mergulhar em busca dos destroços
foi o fato de ele ser uma embarcação construída nos EUA, o que, de acordo com a
Convenção da Unesco para Proteção do Patrimônio Cultural Subaquático, pode
causar problemas diplomáticos ainda hoje”, explica o historiador Gilson
Rambelli, da Universidade Federal da Bahia, e coordenador do projeto
Arqueologia subaquática de um navio negreiro – A história que não está nos
livros, financiado pela FAPESP. O objetivo de Rambelli era justamente localizar
Porto Bracuí, Angra dos Reis (ao sul do Rio de Janeiro), vestígios do Camargo,
o brigue do capitão Gordon. Partindo do relato de mergulhadores locais, que
recuperaram lanternas e peças do brigue (mais tarde usadas para decorar um
hotel, hoje desaparecido, junto com os artefatos), Rambelli organizou uma
expedição para encontrar restos do navio. “Para a arqueologia subaquática é uma
cápsula do tempo preciosa, capaz de dar voz àqueles cujo sofrimento foi algo
esquecido pela história.”
ACESSE NA ÍNTEGRA: