Verena Pacheco / Cachoeira, BA
Xavier
Vatin não imaginava o que poderia
encontrar no acervo de gravações antropológicas da Universidade de Indiana
(Estados Unidos), um dos maiores do mundo, quando resolveu fazer pós-doutorado
na instituição.
Em sua
pesquisa, o professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) se deparou com um tesouro
desconhecido pelos brasileiros: 52 horas de gravações feitas pelo linguista norte-americano Lorenzo Turner entre 1940 e 1941, em sua passagem pela Bahia, Rio de Janeiro, Rio
Grande do Sul, Sergipe e Mato Grosso.
"Eu
não conhecia Lorenzo Turner, um neto de escravos da Carolina do Norte, o primeiro linguista a se formar em Havard e
a mostrar que existiam línguas criolas
no país. Ele tem uma história de família incrível: em duas gerações foi da
escravidão à excelência acadêmica".
A
pesquisa de Vatin recentemente ganhou repercussão nacional por conta da
descoberta de uma gravação rara que reproduz a voz do poeta Mário de Andrade
(1893 - 1945), inexistente no Brasil.
Na
época, a tecnologia era cara e literalmente pesada: os equipamentos e discos de
alumínio que guardavam as gravações totalizavam cerca de 250 quilos, um
obstáculo a mais para quem viajava em navio a vapor.
Expedição
Bahia
No
entanto, o que desperta o interesse do etnomusicólogo são as 17 horas
gravadas por Turner em terreiros de
candomblé baianos durante sete meses, nos quais registrou filhos e filhas de
santo e sacerdotes como Martiniano Eliseu do Bonfim, Manoel
Falefá, Mãe Menininha do Gantois e o
jovem Joãozinho da Gomeia.
"Cada
minuto é muito precioso. A primeira coisa que eu ouvi foi uma gravação de Mãe
Menininha, aos 35 anos, isso me fez chorar. São centenas de cantigas e rezas,
além de ritos funerários gravados em diversos terreiros de Salvador, Cachoeira,
São Félix, Santo Amaro. O precioso para o povo de santo é que muitas dessas
canções e rezas se perderam", explica.
Vatin
percorreu 5.000 quilômetros nos Estados Unidos para reunir também as
fotografias e anotações de Turner feitas na expedição baiana.
O
repatriamento do material vai dar origem a
um CD duplo que será restituído aos terreiros, um livro e uma exposição
fotográfica, cuja estreia está marcada para julho, no Museu Afro Brasil, em São
Paulo.
"O
que acho extraordinário, tanto na fotografia, como nas gravações sonoras, é que
Turner traz literalmente a presença
dessas pessoas. Talvez por ser negro, ele deu voz ao povo de santo como ninguém
fez", defende o estudioso da musicalidade do candomblé.
Segundo
Vatin, Turner foi pioneiro na década em que a Bahia se tornou referência para os estudos sobre a diáspora
africana, antecedendo antropólogos como Pierre Verger, que aportou aqui em
1946.
Entre
1937 e 1946, importantes pesquisadores seguiram os vestígios quase que intactos
de elementos africanos no estado. "Neste período, a Bahia foi laboratório
de pesquisadores da cultura negra como Ruth Landers, Verger, Melville Herskovits, Roger Bastide,
Edson Carneiro, Arthur Ramos. O trabalho de Turner ficou 72 anos esquecido. Se
esse homem não fosse negro, com certeza seria muito mais conhecido", opina
o francês radicado na Bahia há 23 anos.
Turner
pesquisava as línguas criolas faladas no
Sul dos EUA por descendentes de escravos africanos e foi atraído pela Bahia
depois de saber que nos terreiros daqui as pessoas falavam fluentemente iorubá,
kibungo e fon, entre outras línguas.
"Essas
gravações são os únicos documentos que a gente tem que comprovam que na década de 1940 as línguas africanas eram
ainda faladas dentro dos terreiros. Além de uma mina de ouro para o povo de
santo, esse material mostra que há muito tempo vem pessoas do mundo inteiro
aqui para pesquisar essa cultura. Este trabalho é uma forma de reforçar a
legitimidade da cultura afrobrasileira através da tradição do candomblé".
ACESSE A FONTE:
http://atarde.uol.com.br/cultura/noticias/1681937-imagens-raras-da-bahia-vao-virar-dvd-e-livro-premium