O Corta
Braço, situado onde hoje é Bairro do Pero Vaz, aparecia nas manchetes de
jornais a partir das décadas de 40 e 50, o periódico O MOMENTO, estampava as
mazelas sofridas pela população desde a sua “criação” em 1946, entretanto, uma
escritura de arrendamento de um brejo para criação de uma fábrica de tecidos em
1852, revela que este local já existia desde o século XIX, e curiosamente já se
industrializando. O local também foi ocupado pela Capoeira de Mestre Waldemar,
que na década de 50 mantinha seu barracão no Corta Braço, e registrado pelas
lentes do Frances radicado na Bahia Pierre Verger. Abaixo citações que relatam
a história do Bairro.
“Estabelecemos
que o Corta Braço surgiu só em 1946, recebendo os moradores de lá a permissão
de ficar em 1947. Temos dúvidas que M Waldemar logo em 1946/47 começou
construir seu barracão lá. Existem fotos de P. Verger de 1948 mostrando a roda
de Waldemar, mas não o barracão. As dicas de lá e cá dizem para nós que
existiram pelo menos 2 barracões. Isso é evidente das fotos de A. Brill de 1953
e P. Verger de 1955. Além disso os lugares parecem ser diferentes, o mestre não
modificou um barracão ao outro/novo e em vez disso mudou o local: provavelmente
de Liberdade (velha) a Corta Braço em 1954”.
A
"invasão" do Corta Braço, em 1946[!], hoje o bairro de Pero Vaz, foi
o primeiro movimento social, em Salvador [..]. Carvalho e Pereira, 2014.
A
ocupação começou em agosto de 1946, de início, apenas algumas famílias ocuparam
a área, sobretudo, as que moravam próximas ao local [..]. Segundo alguns
antigos moradores, o nome advém do fato de que ali era um grande matagal onde
abrigava toda sorte de ladrões que assaltavam e feriam, por meio de armas
brancas, transeuntes que faziam dali um caminho alternativo entre a Estrada da
Liberdade e a Baixa de Quintas. Araújo, 2010.
O ano de
1946 registra a primeira grande invasão coletiva na cidade do Salvador, a
invasão do Corta-Braço, situada justamente no bairro popular da liberdade, que,
apesar das constantes ações judiciais e policiais para sua desocupação, é
legalizada em 1947 por um ato de desapropriação do então governador Otávio
Mangabeira, a reboque do final do Estado Novo e do retorno ao processo
eleitoral democrático. Souza, 1991
Os
terrenos foram liberados para os moradores de lá no 1 maio de 1947. Jornal O
Momento, 1948
[...]
durante seus primeiros anos, entre 1946 e 1948, o Corta Braço passou a ser sede
de encontros semanais da roda de capoeira do Mestre Waldemar. Alguns anos
depois a roda se transforma em um barracão [..]. Santos, 2018
Escritura
de arrendamento por tempo de dezoito anos que faz José João da Cunha herdeiro e
inventariante dos bens de seus finados pais, do brejo da sua roça, cita a
Estrada das Boiadas, a Paulo Pereira Monteiro, pelo preço de 100$000 por ano, pagos
em semestres adiantados como abaixo se declara.
Saibam
quantos este instrumento de Escritura de arrendamento virem, que no ano do
Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e cinquenta e dois,
aos doze dias do mês de junho nesta Cidade da Bahia e Cartório do Tabelião, por
quem sirvo, compareceram a esta outorgantes havidos e contratados, a saber,
como arrendatário José João da Cunha e rendeiro Paulo Pereira Monteiro,
reconhecidos pelos próprios das testemunhas abaixo assinadas e esta de mim
Tabelião que dou fé, perante as quais pelo arrendatário foi dito, que em
qualidade de herdeiro e inventariante do casal de seus finados pais José João
da Cunha e Dona Úrsula Moreira da Cunha, arrendava ao segundo outorgante o
brejo da sua Roça situada a Estrada das Boiadas com porta para o Corta Braço,
por tempo de dezoito anos, que principiam a correr do dia vinte e oito de março
próximo passado do corrente ano, pelo preço anual de cem mil réis, pagos adiantados,
para que possa o mesmo segundo outorgante ocupá-lo, represando nele a água do Dique
ou açude do Queimado, podendo para esse fim levantar mais treze palmos no
paredão atual da represa que contém as águas, que dão movimento a sua fábrica
de tecidos, assim como lhe é concedido o direito de roçar até quinze palmos em
roda do lugar que for ocupado pela água e para que esta fique represada, aliás,
fique resguardada de impuridades que lhe venham da parte superior, e que findo
o prazo do presente arrendamento se obriga ele primeiro outorgante a renová-lo
por outro tanto tempo, de preferência as pessoas que forem possuidoras das
águas do Queimado por um preço razoável, que não exceda a mais de duzentos mil réis
por ano. E pelo segundo outorgante foi dito, que aceitava a presente escritura a
ele feita com todas as clausulas e condições e obrigações dela. E finalmente por
eles partes foi mais dito que por suas pessoas e bens se obrigam a terem e
manterem e cumprirem e guardarem a presente escritura como nela se contêm e de
não revogarem, nem reclamarem por si ou por outrem em tempo algum por ser de
livres vontades feita assim a outorgaram, pediram e aceitaram e aceitam bem e
aceitei em nome das pessoas presentes que direito tenham e tocar possa. Selo
número setenta e cinco cento e sessenta. Pagou cento e sessenta réis. Bahia,
vinte e nove de maio de mil oitocentos e cinquenta e dois. Silva Rego Andrade.
Está conforme e foram testemunhas presentes que depois de lida por mim Raimundo
Vitorino, ambos assinaram com os outorgantes depois de lida, digo, presentes
José Joaquim Machado Guimarães e Olímpio José de Menezes, ambos assinaram com
os outorgantes depois de lida por mim Raimundo Vitorino Pereira Tabelião
interino que a escrevi. José Joaquim Machado Guimarães, Olímpio José de Menezes,
José João da Cunha, Paulo Pereira Monteiro.
FONTE:
Arquivo Público do Estado da Bahia, Seção Judiciária, Livro de Notas nº 303,
páginas: 65v/66.