No anúncio de tevê feito para atrair turistas pelo governo da Bahia, o menino dizia que, quando crescesse, queria ser capoeirista como o pai. Por volta das 10 da noite de 21 de novembro do ano passado, Mestre Ninha, pai de Joel da Conceição Castro, chamou os filhos para dentro de casa, no instante em que a polícia fazia uma incursão pelo bairro onde mora a família, Nordeste de Amaralina, um dos mais violentos de Salvador. Segundos depois, o garoto foi atingido por uma bala perdida e morreu. Tinha 10 anos de idade.
A história do menino que não realizou seu sonho por não ter
crescido, infelizmente, não é exceção. Como ele, cerca de outras 50 mil
crianças, jovens e adultos, morrem vítimas de assassinato todos os anos
no País, brancos e negros. Mas negros, como Joel, morrem em proporção
muito maior. E o pior: a diferença tem aumentado nos últimos anos. Em
2002, foram assassinados 46% mais negros do que brancos. Em 2008, a
porcentagem atingiu 103%. Ou, em outras palavras, para cada três mortos,
dois tinham a pele escura. Quem maneja os dados preliminares de 2009 diz
que a situação piorou ainda mais.
Não bastasse, os crescentes investimentos em segurança pública
feita pelos estados e pela União parecem ter beneficiado, como de
costume, a “elite branca”, como definiu o ex-governador de São Paulo
Cláudio Lembo. Entre 2002 e 2008, o número de brancos assassinados caiu
22,3%. A morte de negros cresceu em proporção semelhante: os índices
foram 20% maiores, em média. Em algumas unidades da federação, os
números se aproximam de características de extermínio: na Paraíba,
campeã dessa triste estatística, são mortos 1.083% (isso mesmo) mais
negros do que brancos. Em Alagoas, 974% mais. E na Bahia, a terra do
menino Joel, os assassinatos de negros superam em 439,8% os de
brancos.
Até mesmo entre os suicidas os negros mortos superaram os brancos.
Houve crescimento de 8,6% nos suicídios de cidadãos brancos, mas, entre
os negros, os que tiraram a própria vida aumentaram 51,3%.
Os critérios utilizados para definir a “cor” das vítimas de
violência são os mesmos do censo do IBGE. Nos atestados de óbito do
Brasil, a partir de 1996, mais notadamente desde 2002, passaram a ser
apontadas as características físicas dos mortos. Foram considerados no
estudo todos os classificados como “pardos”, “pretos” e “negros” para
chegar a esses números que assustam, em um País onde, como alguns
insistem em dizer, principalmente nestes dias de carnaval, “não existe
racismo”. Os passistas, puxadores de samba e operários das escolas de
samba, que serão saudados como exemplos do “congraçamento de raças” são
os mais propensos a perder a vida, sem confete, sem serpentina e em
alguma esquina escura da periferia.