Escravistas dos EUA tinham planos de tomar a Amazônia do Brasil

Professor detalha relação entre impérios escravistas do séc. 19
No século 19, uma ideia iluminava a mente de alguns ricos senhores de escravos do Sul dos Estados Unidos: empurrar as fronteiras das terras algodoeiras e açucareiras do Mississipi, da Louisiana e do Alabama para o imenso e ainda pouco explorado vale amazônico brasileiro. Para este grupo de conspiradores, a transferência de negros americanos acompanhados, claro, de seus donos, seria uma espécie "pelotão avançado" do colonialismo sulista.
O plano, que colocava o Brasil no centro de um "sonho de um império transcontinental da escravidão", é revelado e detalhado em "O Sul mais distante - os Estados Unidos, o Brasil e o tráfico de escravos africanos" (Companhia das Letras). Mas o autor Gerald Horne, professor da Universidade de Houston, no Texas, mostra nesta obra de peso bem mais que as pretensões de tomar do Brasil a Amazônia. Em 11 capítulos, todo o emaranhado de ligações políticas e econômicas entre os dois grandes gigantes escravistas do século 19, Brasil e Estados Unidos.
Em sua vasta pesquisa em vários arquivos norte-americanos, brasileiros, britânicos e espanhóis, Gerald Horne nos dá uma real dimensão da importância e tamanho do negócio que era o comércio escravista no hemisfério ocidental. Para se ter uma ideia da situação do Brasil, segundo dados levantados pelo autor, entre 1600 e 1850, cerca de 4,5 milhões de africanos escravizados chegaram ao país. Na contas, bem mais que o número total de africanos levados para o Caribe e a América do Norte.
Verdadeiro "El Dorado" para os traficantes, o Brasil se tornou o maior mercado de escravos do mundo. Nos barcos, tripulação e bandeira norte-americana ocupavam lugar de destaque no tráfico transatlântico de escravos para os portos brasileiros, mesmo quando a atividade passou a ser ilegal, em 1831. Na década de 1840, o contrabando de escravos alcançou seu ponto alto - em 20 anos, de 1835 a 1855, 500 mil africanos foram trazidos para o Brasil, o que passou a ser visto como "a maior emigração forçada da história"
A lei que finalmente aboliu a escravidão no Brasil saiu em 1888. Mas a composição demográfica do país já tinha sido totalmente transformada, com a ajuda de norte-americanos que faziam o tráfico de vidas humanas vindas da África. Em 2005, no Rio de Janeiro, uma macabra descoberta fez o Brasil relembrar os horrores dessa época ao revelar um dos maiores cemitérios de escravos do mundo. No fundo de uma vala, mais de 20 mil corpos jogados por traficantes bem antes da abolição.
O autor lembra um episódio de 2002 que vazou para imprensa. Segundo relatos, o então presidente americano George Bush teria perguntado ao presidente Fernando Henrique Cardoso: "vocês ainda têm negros?". Diante do espanto do brasileiro, veio em socorro a assessora de Bush, Condoleezza Rice, que disse: "Senhor Presidente, o Brasil tem mais negros que os Estados Unidos. Alguns dizem que é o país com maior número de negros fora da África". Assim, morreu o assunto, ainda ponto sensível, tanto nos Estados Unidos como no Brasil.