A
sala de leitura da Biblioteca Nacional, com um aviso para os usuários sobre
limitações de estrutura Guito Moreto / Agência O Globo
Os bastidores da crise
estrutural que assola a maior instituição do gênero na América Latina — que
culminou na queda de seu presidente — e os principais problemas que o novo
gestor terá que resolver
RIO - Na última terça-feira, a notícia da demissão do presidente da Fundação Biblioteca Nacional, Galeno Amorim, pela ministra da Cultura, Marta Suplicy, se não chegou a surpreender (Marta vinha realizando trocas nos órgãos do MinC desde setembro) serviu para chamar atenção para um problema que vem se arrastando há décadas na maior biblioteca da América Latina: a completa precariedade da sua estrutura. Mais importante do que investigar se a degradação do acervo que contempla toda a memória nacional agravou-se na gestão do escritor Galeno Amorim (2011-2013), do sociólogo Muniz Sodré (2006-2011) ou do bibliófilo Pedro Corrêa do Lago (2000-2005), só para citar os últimos presidentes da BN, é saber como o próximo gestor, o cientista político Renato Lessa, vai encarar os percalços que o esperam. Nas duas últimas semanas, a Revista O GLOBO acompanhou os bastidores da rotina da biblioteca. E pode garantir: não são poucos os problemas.
— A Biblioteca Nacional parou
no tempo. Do jeito que está, vai perder completamente sua função — lamenta o
economista, engenheiro e advogado José Roberto Fiorêncio, que se aposentou há
um ano do emprego no BNDES e desde então frequenta a biblioteca diariamente,
das 9h às 19h, para pesquisas de interesse pessoal, que vão dos recursos
hídricos da Amazônia às teorias do filósofo alemão Karl Jaspers. — Em outros
países do mundo, a dinâmica dos moradores com suas bibliotecas é muito mais
rica. Esta aqui virou um museu, onde o turista, no máximo, conhece numa visita
guiada. E nunca mais volta. Os próprios moradores da cidade a ignoram. Ela não
faz parte da vida do brasileiro. Não há link com as escolas, não são vistos
estudantes por aqui. É irônico que a BN chegue a esse ponto justamente no ano
em que representará o Brasil na maior e mais moderna feira de livros do mundo
(o Brasil é o país homenageado deste ano na Feira de Frankfurt, na Alemanha).
O público que vive a Biblioteca
Nacional é variado. Há pesquisadores de ocasião, como José Roberto, cientistas
de ponta, graduandos, turistas, leitores de fim de tarde (muitos),
vestibulandos, malucos-beleza, estudantes do ensino básico e do fundamental
(poucos), intelectuais estrangeiros, curiosos e até moradores de rua. Todos
atravessam dificuldades para usufruir o acervo da biblioteca, a oitava maior do
mundo. Os problemas dão as caras logo na entrada do prédio histórico, datado de
1910. Desde outubro do ano passado, a suntuosa fachada da instituição,
localizada na Cinelândia, no Centro do Rio, está escondida por estruturas de
alumínio. A medida emergencial é para evitar que rebocos do edifício
malconservado acertem a cabeça de um passante, como quase aconteceu em outubro,
quando um naco da fachada, do tamanho de uma bisnaga, despencou do alto.
Os problemas seguem biblioteca
adentro. Chegando à recepção, os “usuários”, como são chamados no jargão
bibliotecário, apresentam um documento de identificação, deixam os pertences
num guarda-volumes e passam por catracas de segurança, que deveriam controlar a
entrada e saída do prédio. Quebradas há mais de um ano, no entanto, as peças
têm efeito meramente cênico. Não registram nada.
De lá, o frequentador segue até
o setor que lhe convém: periódicos, obras gerais, iconografia, cartografia,
manuscritos ou obras raras. Com o ar-condicionado inoperante desde maio de
2012, quando houve o rompimento de uma tubulação do aparelho central (incidente
que obrigou bibliotecários a suspender as barras das calças e empunhar rodos
para salvar o acervo de um alagamento), o calor é a sensação primeira, e
premente, nos salões da biblioteca.