Cópia da Ata da Sessão extraordinária em 28 de setembro de 1873
Presidência
do Senhor Capitão Silvestre Cardoso de Vasconcellos.
A uma
hora da tarde, ocupando as suas cadeiras, à esquerda do senhor Presidente da
Câmara Municipal, os senhores vereadores Major Fortunato de Freitas, Doutor
Frederico Lisboa, Tenente Coronel Pinto Sanches, Doutor Alcamim e Coronel
Comendador Araujo, e sendo oferecidas as cadeiras da direita aos
Excelentíssimos Senhores Doutor Vice Presidente da Província, Doutor Chefe de
Polícia, Excelentíssimo General Comandante Superior da Guarda Nacional, Coronéis
Comandantes dos Corpos de Polícia, 14 a 18 de Linha, com assistência de outras
principais autoridades civis, militares e eclesiásticas da Província, e algumas
Excelentíssimas Senhoras das mais distintas da nossa sociedade, voluntárias da Pátria,
diversos funcionários públicos, Comandantes e oficiais da Guarda Nacional,
Polícia e de 1ª linha, Comissões do Monte Pio da Bahia, Libertadora Sete de
Setembro, Monte Pio dos Artífices, Instituto Acadêmico, Fraternidade Sergipana,
Grêmio Literário e numerozissimo concurso de povo de todas as classes; o Senhor
Presidente da Câmara declarou aberta a sessão. Em seguida foi dada a palavra ao
Senhor Vereador Doutor Frederico Lisboa que, em nome da municipalidade,
proferiu o seguinte discurso: Doutor Frederico Lisboa: Minhas Senhoras, Meus
Senhores.
A
Câmara Municipal desta Leal e Valorosa Cidade do Salvador, julga pagar um
tributo de merecida gratidão, colocando hoje em uma das salas de seu edifício o
retrato da Excelentíssima Senhora D. Ana Justina Ferreira Nery.
É antes
uma dívida de honra que ela vem resumir em nome do coração nacional, do que uma
simples homenagem rendida á essa heroína que, á custa de seus gloriosos sacrifícios
tanto soube engrandecer o nome brasileiro.
Na realidade,
o assunto que hoje aqui nos reúne, não pode ser mais digno dos aplausos do povo
e das louvações de Deus!..
Já era
tempo, Senhores, de que a Província da Bahia a Pátria de tantos heróis, o glorioso
berço dessa missionária do Cristo viesse no delírio do mais santo entusiasmo
traduzir em fato a nobreza de seus sentimentos.
Pois
bem, Senhores, este dever é hoje cumprido pelo povo representado por esta
municipalidade, de quem me cabe a honra de ser o mais obscuro membro e o mais
fraco interprete.
Senhores.
A História dos heróis tem por cronologia seus feitos: são eles os marcos miliários
de suas romagens gloriosas: e para escrevê-la pois, a história desses
predestinados não carece traçar-se ponto por ponto os incidentes particulares
da vida comum.
Basta
enumerar-se-lhe os triunfos, biografa-los em seu perfil moral, sublime, civilizador.
Eu refiro-me aos verdadeiros heróis, por que também os há falsos.
Ana
Justina Ferreira Nery, natural da heroica cidade da Cachoeira, nasceu aos 12
dias do mês de dezembro de 1814.
Deixemo-la
aí na vida modesta do lar doméstico até a época em que o grito da pátria ferida
em sua honra veio fazê-la estremecer em seu retiro e chamá-la aos grandes
destinos do seu apostolado. Foi em 1865, o gigante da América saíra de suas
selvas, deixara o leito umbroso de suas cordilheiras ao rumor do pé inimigo que
vinha lhe atirar a afronta: o brio nacional revoltara-se, o patriotismo borbulhara
nos ânimos; o valor másculo dos filhos desta terra trasvasarão em lavas coruscantes
quinhão varrer as hostes escravas do tirano do Chaco... Sim, vós o sabeis, não
é preciso que eu desenrole aqui aos vossos olhos todas os princípios luminosos
dessa aliada Americana.
O verbo
do canhão gravou-a em eternas caracteres desde Uruguaiana até Humaitá, desde Assumpção
até Aquidaban.
Pois
bem, Senhores, com as ondas do patriotismo jorrava também e caudalosamente o
sangue brasileiro: a vida moral que conquistava o Império era comprada
prodigamente por milhares de mortes... e era preciso que um outro valor se
levantasse, que um novo heroísmo se erguesse em meio dos pelouros: era o valor
da caridade, o heroísmo da virtude evangélica! Era preciso que a pátria fosse
pensar com seus próprios dedos as feridas abertas em defesa de sua honra. Foi então
que Ana Nery conheceu que lhe estava reservado um grande papel, que um grande e
por ventura mais precioso canto lhe competia escrever com o coração nessa odisseia
sublime.
E aos
11 dias do mês de agosto daquele mesmo ano, ofereceu-se como voluntária ao
Presidente desta Província o benemérito Conselheiro Manoel Pinto de Souza
Dantas, voluntária da caridade nessas pugnas por ventura mais truculentas da
morte, que chamaram-se os hospitais de sangue!
Dentro
em pouco os cômodos do lar, as delicias da família tinham-se lhe transformado nos
hospitais sedentários da República da Paraguai. Aí, senhores, a alma varonil
dessa mulher tocou ao ultimo grau da dedicação humana; o seu nome foi muitas
vezes misturado com a prece fervorosa do Salvador, nos lamentos da agonia, na
lagrima do desespero, e expirou muitas vezes também nos lábios trêmulos do
naufrago da morte.
Quando
a bala sibilava nos ares e vinha ferir aqueles que lutaram a sombra do Pavilhão
nacional... ai deles se não encontrassem longe da pátria o amparo dos braços
daquela mãe terna e carinhosa!
E não
era só o soldado brasileiro. Para Ana Nery a dor não tinha pátria, o sofrimento
não tinha cor natal, digo, não tinha milícia, a caridade não tinha cor natal,
todos, amigos aliados, indiferentes ou inimigos, todos eram infelizes, todos
eram irmãos, todos tinham direito a sua virtude.
E ali
no estertor da agonia, quando o ultimo pensamento é para a pátria, o ultimo
olhar é para o crucificado, o ultimo osculo de vida era para a mão abençoada
que cerrava as pálpebras no doloroso transe.
Dize-me
vós testemunhas augustas, vós que lá nos campos da batalha tantas vezes
sonhastes com a alegria através dos torvos novelos do fumo das refregas, vós relíquias
veneradas, que ainda nos pareceis falar com o vosso aspecto e vossas cicatrizes
daqueles dias de gloria, dizei-me vós recordações animadas daqueles tempos,
restos ainda brilhantes daquele heroísmo sem par! Dizei-nos vós mesmos, contai-nos
pela boca de vossas próprias cicatrizes quão sublime e carinhosa, quão magnânima
e quase divina a dedicação daquela mulher!
Perguntai,
dizia um distinto jornalista a qualquer invalido da pátria, ou qualquer
prisioneiro paraguaio que foi Dona Ana Nery nos cinco anos em que acompanhou o
Exército aliado e eles vos responderão com respeito: Foi a imagem viva da mais
extremada dedicação, foi a encarnação da caridade.
E releva notar que durante todo o tempo que
ali permaneceu jamais recebeu a mais pequeníssima retribuição pecuniária.
Ana
Nery serviu nas enfermarias do Salto, de Corrientes, de Humaitá e de Assumpção,
onde criou também na casa de sua residência uma enfermaria as suas expensas e
cuidados...
E não
foram somente estes os serviços que ela prestou: para prova de muitos outros de
que reza a crônica oficial, vede: em Corrientes mereceu dos habitantes o
diploma de sócia honorária da sociedade filantrópica de socorros pela
humanidade e desvelos com que tratou os enfermos de cólera morbus em 1868.
Em Assumpção
também lhe foi concedido o diploma de sócia instaladora da sociedade de Beneficência
Portuguesa.
E quando
teve de retirar-se como se não fossem bastante ainda os seus sacrifícios, ela
trouxe com sigo seis órfãos brasileiros, cujos pais faleceram em defesa da
causa comum.
Esse fato,
foi já no fim de sua tarefa. Ela que partira como voluntária, só regressou a
sua pátria cinco anos depois, quando já não eram mais ali precisos sua
dedicação e patriotismo. Voltando aos lares pátrios, depois de tão gloriosa
missão, concedeu-lhe o governo imperial a pensão de 1:200#000 anuais e a
medalha humanitária de 2ª classe.
A
recompensa do povo, senhores, é esta: é este sinal eloquentissimo do culto
votado as grandes virtudes; é esse retrato modesto mandado tirar pelas dignas
baianas residentes na Côrte e a esta edilidade confiado para em nome da
gratidão pública ser aqui colocado. E isto basta-lhe.
Esta
solenidade de hoje já teve o seu prelúdio: bem podeis evoca-lo. Ana Nery
recolhendo-se a sua Província natal, ainda nos deveis lembrar, foi recebida no
meio das mais esplendidas ovações.
A
velhice, a mocidade, a infância, a riqueza, a mediana, a própria miséria, finalmente,
todas as colaterais da gerarchia social, confundidas em um jubiloso turbilhão,
foram entornar-se a seus pés como uma vaga imensa. Era a vaga da gratidão
nacional!
Então através
do marulhar daquelas cabeças, do ferver daqueles corações, do convulsionar
daquelas bocas, ouvia-se este eco altissonante: é a heroína da pátria, o anjo
da caridade, a mãe dos brasileiros!
Ana
Nery! Abençoado seja o teu nome! Essa nuvem de prezar que te alquebra a
fisionomia augusta é ainda o vestígio da lagrima da pátria que chora pelos seus
olhos! É o reflexo da agonia daqueles desgraçados sublimes que exalaram o
ultimo suspiro nos teus braços de mãe.
Ana Nery!
Abençoada seja o teu nome!
A
gratidão pública beija-te os pés; o capitólio escancara-te as portas, e Deus aí
te espera para coroar-te a fronte!
Concluída
esta alocução, fizeram-se ouvir os sons harmoniosos de uma das músicas
militares, que foram prestados por sua Excelência o Senhor Doutor Vice
Presidente da Província.
Sendo dada
a palavra, por sua vez, a cada um dos oradores das comissões das sociedades já
referidas, recitaram eles discursos análogos ao fim solene da reunião,
acompanhado-os nessa demonstração o jovem poeta e dramaturgo João de Britto,
que também proferiu um discurso, e finalmente Doutor Izidoro Antonio Nery,
agradecendo em nome daquela que lhe deu o ser, as provas de consideração,
estima e reconhecimento, que acabavam de ser-lhe prestados.
A
proporção que era concluído cada discurso, tocava a música militar e não
havendo ninguém mais se inscrito com a palavra, o senhor Presidente da Câmara
encerrou a Sessão, convidando a todos os circunstantes para a cerimônia da colocação do retrato da
heroína da pátria e mãe dos brasileiros, a distinta e caritativa baiana a
Excelentíssima Senhora Dona Ana Justina Ferreira Nery.
E para
constar, lavrei a presente ata.
Eu,
Manoel Rodrigues Valença Júnior, Secretário Interino.
Silvestre
Cardoso de Vasconcellos
Doutor Cícero
Emiliano de Alcamim
Fortunato
A. de Freitas
Doutor
Frederico Augusto da Silva Lisboa
João
Batista Pinto Sanches
Justiniano
José de Araujo
É
preciso corrigir os erros
Vide
correio da Bahia (coleção existente no Instituto Histórico).
Marquei
o lugar, em presença do Isaias. ([dez] de setembro a outubro de 1873 –
Expediente Municipal (Atas).
O final
do discurso é o seguinte: O Capitão abre-te de par em par suas majestosas
portas e Deus te espera um dia para coroar-te a fronte!
Fonte:
Arquivo Público do Estado da Bahia
Seção: Colonial/Provincial
Série: Governo - Câmara Municipal
Maço: 1409 - 1870-1873
Arquivo Público do Estado da Bahia
Seção: Colonial/Provincial
Série: Governo - Câmara Municipal
Maço: 1409 - 1870-1873
Seu Batismo
1815
Aos
vinte cinco dias do mês de março de [mil oitocentos e quinze] na Matriz desta
Vila de Nossa Senhora do Rosário da [Cachoeira] o Vigário Encomendado Custódio
Luis dos Santos, batizou e pôs os santos olhos; digo o Coadjutor Carlos
Melquiades do Nascimento batizou e pôs os santos olhos a Anna, nascida a quatro
meses, filha legítima de José Ferreira de Jesus e Luiza Maria das Virgens;
foram padrinhos o Capitão Jerônimo José Albernaz e Dona Maria Joaquina do
Nascimento, sua mulher; do que mandei fazer este assento e assinei. O Vigário
Encomendado Custódio Luis dos Santos Varella.