José Ribamar Bessa Freire
31/03/2013 - Diário do Amazonas
Ele nasceu, em 1956, nos
Estados Unidos. Era americano. Portanto tinha, inapelavelmente, que se chamar
William ou John. Ficou John. Mas por ser filho de português, seu destino era
ser registrado como Manuel ou Joaquim. Acabou herdando o Manuel do pai. E foi
com esse nome composto - John Manuel - que veio de mala, cuia e Machado para o
Brasil, onde criou raízes, filhos, livros e deixou marcas.
Aqui deu aulas, palestras e
conferências, organizou eventos, iniciou estudantes na pesquisa, formou mestres
e doutores, fez discípulos, vasculhou arquivos, pesquisou, escreveu,
publicou, amou e foi amado, apaixonou-se pela história indígena e
abrasileirou-se tanto que se transfigurou em negro da terra, termo
consagrado em um de seus livros sobre índios e bandeirantes.
Foi ironicamente na Rodovia
Bandeirantes, em Campinas, na terça-feira, que um táxi desgovernado chocou o
carro dirigido por John, eliminando um dos expoentes da história indígena. Ele
morreu no local, aos 56 anos, no auge de sua vida intelectual, vítima da guerra
absurda do trânsito, que no Brasil mata anualmente mais do que qualquer guerra
civil. Na última quinta-feira, 28 de março, depois de velado no salão da
biblioteca, na Unicamp, foi levado para o Crematório na Vila Alpina, em São
Paulo.
Índios e bandeirantes
O historiador John Manuel
Monteiro era paulista, mas paulista de Saint Paul, Minnesota, onde nasceu. Lá,
muitos moradores descendem de alemães e escandinavos, que migraram para os
Estados Unidos no final do século XIX, encurralando a população nativa em
reservas indígenas, que hoje sediam cassinos. Quando os portugueses e
hispânicos chegaram, os índios já eram minoria discreta, mas capazes ainda de
despertar o interesse de um pesquisador sensível e generoso como John, um
paulistano de coração.
Desde a graduação em história,
no Colorado College (1974-78), ele vinha buscando entender o processo de
colonização portuguesa nos trópicos, inicialmente em Goa, na Índia, e depois no
Brasil. No mestrado (1979-1980), focou seu interesse sobre o Brasil Império, no
século XIX, e finalmente no Doutorado (1980-1985) na mesma Universidade de
Chicago, debruçou-se sobre a escravidão indígena, os bandeirantes e os guarani
de São Paulo.
Quando o conheci, em 1992,
apresentado por Manuela Carneiro da Cunha, ele trabalhava com ela num grande
projeto interdisciplinar, de âmbito nacional, que procurava localizar, mapear e
avaliar a documentação manuscrita sobre índios existente nos arquivos de todo o
Brasil. Fui convocado para coordenar a equipe do Rio de Janeiro. Com John, entramos
em cada um dos 25 grandes arquivos sediados no Rio. No final, ele organizou a
publicação do Guia de Fontes para a História Indígena e do Indigenismo em
Arquivos Brasileiros.
O objetivo do projeto era criar
uma ferramenta para combater a cumplicidade da historiografia brasileira que
"erradicou os índios da narrativa histórica" ou tentou
"torná-los invisíveis". O Guia foi elaborado por equipes que
reuniu mais de cem pesquisadores em todas as capitais do país, coordenados por
John Monteiro. Localizou muitos documentos desconhecidos e até então
inexplorados, criando as condições para "repensar, de forma crítica, tanto
o passado quanto o futuro dos povos indígenas neste país".
John Monteiro trazia
considerável experiência em pesquisa documental nos arquivos das Américas, da
Europa e da Índia. Publicou, em 1994, o livro seminal Negros da Terra:
Índios e Bandeirantes nas Origens de São Paulo. Lá, apoiado em farta
documentação, redimensiona o papel dos índios na história de São Paulo e
desconstrói a baboseira de que o bandeirante paulista contribuiu para alargar e
povoar o território brasileiro. Recoloca na história do Brasil, como sujeito, o negro
da terra ou gentio da terra, expressão usada para designar o índio
escravizado.
ACESSE O TEXTO NA ÍNTEGRA: