Elio Gaspari: a cota de sucesso da turma do ProUni

O livro de nossa colega de linha, Wlamyra, a inspirar defesa das cotas nas páginas da Folha de São Paulo.

A demofobia pedagógica perdeu mais uma para a teimosa insubordinação dos jovens pobres e negros. Ao longo dos últimos anos o elitismo convencional ensinou que se um sistema de cotas levasse estudantes negros para as universidades públicas eles não seriam capazes de acompanhar as aulas e acabariam fugindo das escolas. Lorota. Cinco anos de vigência das cotas na UFRJ e na Federal da Bahia ensinaram que os cotistas conseguem um desempenho médio equivalente ao dos demais estudantes, com menor taxa de evasão. Quando Nosso Guia criou o ProUni, abrindo o sistema de bolsas em faculdades privadas para jovens de baixa renda (põe baixa nisso, 1,5 salário mínimo per capita de renda familiar para a bolsa integral), com cotas para negros, foi acusado de nivelar por baixo o acesso ao ensino superior. De novo, especulou-se que os pobres, por serem pobres, teriam dificuldade para se manter nas escolas.
Os repórteres Denise Menchen e Antonio Gois contaram que, pela segunda vez em dois anos, o desempenho dos bolsistas do ProUni ficou acima da média dos demais estudantes que prestaram o Provão. Em 2004, os beneficiados foram cerca de 130 mil jovens que dificilmente chegariam ao ensino superior (45% dos bolsistas do ProUni são afrodescendentes, ou descendentes de escravos, para quem não gosta da expressão),
O DEM (ex-PFL) e a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino foram ao Supremo Tribunal Federal, arguindo a inconstitucionalidade dos mecanismos do ProUni. Sustentam que a preferência pelos estudantes pobres e as cotas para negros (igualmente pobres) ofendiam a noção segundo a qual todos são iguais perante a lei. O caso ainda não já foi julgado pelo tribunal, mas já foi relatado pelo ministro Carlos Ayres de Britto, em voto memorável. Ele lembrou um trecho da Oração aos Moços, de Rui Barbosa: "Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real."
A "Oração aos Moços" é de 1921, quando Rui já prevalecera com sua contribuição abolicionista.
A discussão em torno do sistema de acesso dos afrodescendentes às universidades teve a virtude de chamar a atenção para o passado e para a esplêndida produção historiográfica sobre a situação do negro brasileiro no final do século XIX. Acaba de sair um livro exemplar dessa qualidade, é "O jogo da dissimulação - Abolição e Cidadania Negra no Brasil", da professora Wlamyra de Albuquerque, da Federal da Bahia. Ela mostra o que foi o peso da cor.
Dezesseis negros africanos que chegaram à Bahia em 1877 para comerciar foram deportados, apesar de serem súditos britânicos. Negros ingleses negros eram, e o Brasil não seria o lugar deles. A professora Albuquerque transcreve em seu livro uma carta de escravos libertos endereçada a Rui Barbosa em 1889, um ano depois da Abolição.
Nela havia um pleito, que demorou para começar a ser atendido, mas que o DEM e os donos de faculdades ainda lutam para derrubar:
"Nosso filhos jazem imersos em profundas trevas. É preciso esclarecê-los e guiá-los por meio da instrução." A Comissão pedia o cumprimento de uma lei de 1871 que prometia educação para os libertos. Mais de cem anos depois, iniciativas como o ProUni mostraram não só que isso era possível, mas que, surgindo a oportunidade, a garotada faria bonito.
ELIO GASPARI é jornalista
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Colaborador dessa postagm: João José Reis