
Através de pesquisas feitas pelo imponente historiador E.P. Thompson, em seu livro "Costumes em comum", mostra uma realidade até então desconhecida do grande público.
A liturgia tinha que seguir determinadas regras, a primeira seria que a esposa deveria usar uma corda no pescoço ou na cintura. Na venda, a corda, às vezes, valia mais do que a mulher. O simbolismo da corda passou por uma evolução ao longo do tempo. Alguns dos primeiros relatos sugerem que de vez em quando o marido e o comprador chegavam primeiro a um acordo de venda (que poderia ser redigido num documento), e que só então, no dia ou na semana seguinte, a esposa era publicamente "entregue" ao comprador, presa por uma corda. Antes de ser realizado o leilão, a venda deveria ser anunciada, através de jornais ou utilizando um sineiro da cidade para dar a notícia. Como também, o marido podia andar pelo mercado carregando um cartaz com um aviso da pretendida venda. É registrado no livro um aviso que foi fixado em uma taberna na cidade de Devonhire (Inglaterra): AVISO – Este é para informar ao público que James Cole está disposto a vender sua mulher em leilão. Ela é uma mulher decente e limpa, com 25 anos. A venda deve ocorrer em New inn, na próxima quinta-feira, às sete horas.
Um velho e brincalhão negociante de porcos exclamou: “Olá, meu velho. O que se passa? O que vais fazer com a velha, afogá-la, enforcá-la, ou o quê?”. “Não, vou vendê-la”, foi a resposta. Houve um coro de risos. “Quem é ela?”, perguntou o negociante de porcos. “É a minha esposa”, respondeu o lavrador, sobriamente, “e uma das criaturas mais ordeiras, sérias, diligentes e trabalhadoras que já surgiu. É tão limpa e arrumada como uma flor, e é mão-fechada, faz qualquer coisa para poupar seis pence; mas tem uma língua e tanto, fica me incomodando da manhã até a meia-noite. Não tenho um momento de paz por causa da sua língua, por isso concordamos em nos separar, e ela concordou em partir com aquele que fizesse a oferta mais alta no mercado [...]” “Você está disposta a ser vendida, minha senhora?”, perguntou alguém. “Sim, estou”, ela respondeu mordazmente. “Então”, disse o homem, “quanto me dão por ela?” Fez-se uma pausa, então um velho tocador de vacas, com uma vara de freixo na mão, berrou: “Seis pence por ela!”. Segurando a corda numa das mãos e levantando a outra, o marido gritou no estilo estereotipado: “Está em seis pence, que dá um xelim?”. Houve outra pausa prolongada, então eu, um jovem vivaz [...], imprudentemente exclamei: “Um xelim!”. “Esta em um xelim. Ninguém dá mais?”, gritou o marido [...]. Os espectadores riram e caçoaram, um chegou a exclamar: “O lance é seu, meu jovem! Ela vai ser arrematada por ti!”. Eu suava de apreensão [...]. Com renovada seriedade, o vendedor gritou mais uma vez: “Quem dá dezoito pence, pois ela é uma excelente mulher que sabe assar uma fornada de pão ou fazer bolinhos como ninguém”. Para meu grande alívio, um homem bem arrumado e de ar respeitável fez a oferta, e o marido, batendo as mãos, exclamou: “Ela é sua, meu caro. Você ganhou a pechincha e uma boa mulher, em tudo a não ser a sua língua. Cuide bem dela”. O comprador pegou a ponta da corda depois de pagar os dezoito pence, e levou a mulher embora.
THOMPSON, E. P. Costumes em comum – estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.318.
THOMPSON, E. P. Costumes em comum – estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.318.