VENDA DE ESPOSAS

Entre o final do século XVIII e o início do século XIX, na Inglaterra, véspera da primeira revolução industrial, ocorria um costume pouco noticiado pelos meios de comunicação da época, porque não era considerado digno de registro, a menos que alguma circunstância adicional (cômica, dramática, trágica, escandalosa) lhe conferisse interesse. Tratava-se de um costume inglês chamado "wives for Sales", em que o marido, por razões hedonistas ou econômicas, vendia suas esposas em uma praça do mercado principal da cidade.
Através de pesquisas feitas pelo imponente historiador E.P. Thompson, em seu livro "Costumes em comum", mostra uma realidade até então desconhecida do grande público.
A liturgia tinha que seguir determinadas regras, a primeira seria que a esposa deveria usar uma corda no pescoço ou na cintura. Na venda, a corda, às vezes, valia mais do que a mulher. O simbolismo da corda passou por uma evolução ao longo do tempo. Alguns dos primeiros relatos sugerem que de vez em quando o marido e o comprador chegavam primeiro a um acordo de venda (que poderia ser redigido num documento), e que só então, no dia ou na semana seguinte, a esposa era publicamente "entregue" ao comprador, presa por uma corda. Antes de ser realizado o leilão, a venda deveria ser anunciada, através de jornais ou utilizando um sineiro da cidade para dar a notícia. Como também, o marido podia andar pelo mercado carregando um cartaz com um aviso da pretendida venda. É registrado no livro um aviso que foi fixado em uma taberna na cidade de Devonhire (Inglaterra): AVISO – Este é para informar ao público que James Cole está disposto a vender sua mulher em leilão. Ela é uma mulher decente e limpa, com 25 anos. A venda deve ocorrer em New inn, na próxima quinta-feira, às sete horas.
Um velho e brincalhão negociante de porcos exclamou: “Olá, meu velho. O que se passa? O que vais fazer com a velha, afogá-la, enforcá-la, ou o quê?”. “Não, vou vendê-la”, foi a resposta. Houve um coro de risos. “Quem é ela?”, perguntou o negociante de porcos. “É a minha esposa”, respondeu o lavrador, sobriamente, “e uma das criaturas mais ordeiras, sérias, diligentes e trabalhadoras que já surgiu. É tão limpa e arrumada como uma flor, e é mão-fechada, faz qualquer coisa para poupar seis pence; mas tem uma língua e tanto, fica me incomodando da manhã até a meia-noite. Não tenho um momento de paz por causa da sua língua, por isso concordamos em nos separar, e ela concordou em partir com aquele que fizesse a oferta mais alta no mercado [...]” “Você está disposta a ser vendida, minha senhora?”, perguntou alguém. “Sim, estou”, ela respondeu mordazmente. “Então”, disse o homem, “quanto me dão por ela?” Fez-se uma pausa, então um velho tocador de vacas, com uma vara de freixo na mão, berrou: “Seis pence por ela!”. Segurando a corda numa das mãos e levantando a outra, o marido gritou no estilo estereotipado: “Está em seis pence, que dá um xelim?”. Houve outra pausa prolongada, então eu, um jovem vivaz [...], imprudentemente exclamei: “Um xelim!”. “Esta em um xelim. Ninguém dá mais?”, gritou o marido [...]. Os espectadores riram e caçoaram, um chegou a exclamar: “O lance é seu, meu jovem! Ela vai ser arrematada por ti!”. Eu suava de apreensão [...]. Com renovada seriedade, o vendedor gritou mais uma vez: “Quem dá dezoito pence, pois ela é uma excelente mulher que sabe assar uma fornada de pão ou fazer bolinhos como ninguém”. Para meu grande alívio, um homem bem arrumado e de ar respeitável fez a oferta, e o marido, batendo as mãos, exclamou: “Ela é sua, meu caro. Você ganhou a pechincha e uma boa mulher, em tudo a não ser a sua língua. Cuide bem dela”. O comprador pegou a ponta da corda depois de pagar os dezoito pence, e levou a mulher embora.

THOMPSON, E. P. Costumes em comum – estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.318.