IDEIAS SUBVERSIVAS DE UM FREI ABOLICIONISTA NA CAPITANIA DA BAHIA NO SÉCULO XVIII

 


Em 1794, Dom Fernando José, Governador da capitania da Bahia, enviara missiva ao Ministro da Coroa Martinho de Mello e Castro a respeito das ideias subversivas de um Frei barbadinho.

Chegado à Bahia por volta de 1780, o frei seguiu por 14 anos professando, doutrinando e catequisando as almas da cidade e dos sertões baianos, mas decorridos 14 anos de sua estadia e vivência na Colônia, passou a questionar a escravidão africana. Suas ideias abolicionistas arriscavam subverter a ordem vigente; com a consciência em conflito, passou a indagar a legitimidade da escravidão feita através da guerra justa ou injusta, fazendo do confessionário o seu palanque abolicionista. Isso não passaria despercebido aos olhos e ouvidos das autoridades locais, nem mesmo o sagrado manto da confissão seria capaz de ocultar tais ideias. Ao desenrolar sua narrativa ao Ministro da Coroa, Dom Fernando exalta as qualidades do Frei José, mas admite a gravidade de suas ideias para paz local, e que, “espalhada aquela doutrina, seria grande nos escravos a revolução e grande a aflição do espírito nos Senhores se timorata a consciência”.



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor.

O Arcebispo desta diocese, levado daquela vigilância que sempre mostra em atalhar qualquer doutrina em matéria espiritual que possa perturbar a tranquilidade e sossego desta Capitania, ou opor-se às leis e ordens de Sua Majestade, me fez saber que o padre frei José de Bolonha missionário capuchinho italiano tivera o desacordo e indiscrição de seguir a má opinião a respeito da escravidão, a qual se propagasse e abraçasse inquietaria contaminando as consciências dos habitantes dessa cidade e traria para o futuro consequências funestas para a conservação e subsistência desta colônia. 

Depois deste religioso viver neste país perto de quatorze anos, com procedimento exemplar, cumprindo com as obrigações de seu ministério, apesar de algumas imprudências em que rompia, e de que se abstinha sendo delas advertido pelos seus superiores, merecendo o conceito de homem virtuoso e zeloso pelo seu serviço de Deus, se persuadiu ou o persuadiram de que a escravidão era ilegítima, e contrária à religião, ou ao menos que sendo estas umas vezes legítimas e outras ilegítimas, se devia fazer a distinção entre escravos tomados em guerra justa ou injusta, chegando a tal ponto a sua presença que, confessando pela festa do Espírito Santo a várias pessoas, pôs em prática esta doutrina, obrigando-os que entrassem na indagação desta matéria tão dificultosa, por não dizer impossível de se averiguar, a fim de dar liberdade àqueles escravos que, ou fossem furtados ou seduzidos a uma escravidão injusta, sem refletir que, quem compra escravos, os compra regularmente a pessoas autorizadas para os venderem, e debaixo dos olhos e consentimento do Príncipe, e que seria maldito e contra a tranquilidade da sociedade exigir de um particular quando compra qualquer mercadoria, a pessoa estabelecida para os vender, que primeiramente se informassem donde elas provém, por averiguações, além de inúteis, capazes sem dúvida de aniquilarem toda e qualquer espécie de comércio.

Examinada a origem desta opinião que este padre por tanto tempo não seguira, se veio no conhecimento de que algumas práticas que tivera com os padres italianos da Missão de Goa transportados na Nau Belém surta este porto, e hospedados no hospício da Palma deram lugar a que este religioso se capacitasse desta doutrina, não tanto por malícia e dolo como por falta de maiores talentos e conhecimentos teológicos, e em razão de uma consciência escrupulosa.

Para que uma doutrina tão perniciosa não se espalhasse, o arcebispo imediatamente o mandou suspender de confessor, rogando-me o remetesse neste navio que segue viagem, e que o Mestre não o deixasse saltar para a terra sem ordem positiva de Vossa Excelência; e conferindo com o mesmo Arcebispo sobre esta matéria, para se darem mais providências que parecem acertadas, julguei conveniente chamar à minha presença o reitor dos referidos missionários de Goa, estranhando-lhe vivamente a sua indiscrição, e mostrando-lhe vivamente que esta matéria era sumamente delicada e melindrosa, e que ao Príncipe unicamente tocava providência sobre ela, se algum dia assim o julgasse conveniente, e que finalmente era grande inconsideração e temeridade, à vista de um prelado tão sábio e doutor, e de todo o clero desta cidade, suscitar semelhante questão. Procurou-se justificar-se na minha presença o Reitor, referindo-me que o Padre Frei José de Bolonha, perguntando-lhe o seu parecer sobre este ponto, lhe respondera, que havia escravidão legítima e ilegítima, mas que o não persuadira a que obrasse no confessionário o que obrou, antes lhe devera, que oferecendo-se dúvida a devera comunicar ao Ordinário; mas sem embargo desta defesa, que me não satisfaz, por maior cautela ordenei ao Comandante da Nau Belém, fizesse recolher para bordo aos ditos Missionários, e não ordenasse sair para terra, sem ordem positiva minha. Deus Guarde a Vossa Excelência. Bahia, 18 de junho de 1794. Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Mello e Castro. Dom Fernando José de Portugal.     

FONTE: 

Arquivo Público do Estado da Bahia, Seção Colonial e Provincial, Cartas do Governo a Sua Majestade, Maço 137, 1794-1797.

 

Ainda que oprimido da gota sou obrigado a expor a Vossa Excelência o que inesperadamente acontece.

O Padre Frei José de Bolonha, Missionário Barbadinho, Italiano, em quase 14 anos nesta Bahia, teve sempre a reputação de um home verdadeiramente Apostólico, zeloso da salvação das almas e infatigável no seu ministério. É que este mesmo agora praticamente no tribunal da conciliação não quis absolver os penitencies sem que estes lhe prometessem a respeito dos escravos fazer uma exata averiguação, se estes foram cativos em justa guerra ou furtados; como ele se persuadia suceder muito frequentemente. Sobre os furtados, queria que atendendo o preço que eles custaram, e tendo servido o tipo que correspondesse a que preço lhe dessem os Senhores a Liberdade. Admirando eu esta sua repentina e prejudicial novidade o mandei chamar severamente o repreendi, como a sua ação merecia, e o suspendi logo do exercício de confessor.

Antes de prosseguir a resposta deste Padre, me devo lembrar dos cinco Missionários do Instituto de São Vicente de Paulo, que vindo na Nau Belém de Goa e Angola, chegaram enfim a esta Bahia. Em três meses da sua estada aqui no Hospício da Palma foi sempre exemplar a sua conduta. Esta me moveu a pedir ao seu Prelado mandasse um deles a fazer nos quatro Conventos de Religiosos umas práticas em que lhes compusessem vivamente a obrigação dos três votos que professavam. O conceito que um deles formara-me excitou a rogar-lhe no confessionário concorressem para o bem das almas desta Cidade. Não assentiram a esta mesma petição alegando algumas razões que nada convenciam. Não penetrei então o verdadeiro motivo da sua repugnância. Esta persuade agora ser este o não quererem manifestar no tribunal da penitência o seu sentimento sobre a escravidão. Deixados agora estes, volto ao Padre Frei José.

Este já andava tocado do mesmo sentimento, ainda que o não tinha praticado no confessionário. Não tendo, contudo, este tipo de comunicação com os ditos Padres, só a teve com um deles nos dias próximos aquele, em que querendo seu desatino manifestando-lhe o seu sentimento ou a sua dúvida com os negócios do Padre acaba de firmar-se no mesmo sentimento inteiramente, Não quero dizer que o Padre inspirasse a Frei José o por em prática o qual pensamento no tribunal da penitência; pois assim ele como os companheiros nunca aqui o praticaram, concordas todos em não confessar se alguma pessoa de confidência, como sucedem com Frei José, o qual com as suas dúvidas concitou o Padre a manifestar o seu juízo sem que, como se deve presumir, lhe inspirasse a praxe no confessionário.

Impedido eu pela moléstia de ir buscar o Governo, lhe mandei dar parte de tudo para cooperarmos logo no princípio, pois sem sofrer o mal com todas as funestas consequências que daqui podiam resultar. Ele além do desinteresse que chega ao sumo grau, que que nele não se é ser direito, mas pessoal, muito zeloso em tudo o que toca a Religião e ao Estado, sem demora me veio falar. Concordamos ambos que Frei José fosse remetido para Portugal, não por despacho da petição, que para isso pouco antes me fizera, mas em castigo da sua culpa. Assentamos mais que os outros Padres hospedes no Hospício da Palma, também mandados recolher a bordo da Nau em que vieram impedindo assim a comunicação de si e doutras. Esta era juntamente uma satisfação ao público escandalizado com o sistema de que se seguiram muitos males assim espirituais como temporais. Confessava Frei José que não persista todos estes males.

É certo que ele, por um zelo indireto, cometia algumas imprudências, de que corrigido, se emendava. Nunca julguei chegasse a esta assim capital sobre matéria tão importante e delicada, faltando-lhe até uma reflexão abria a qualquer, como era consultar o seu Arcebispo e o seu Prelado Regular. A nímia adesão ao seu próprio juízo, e a sujeição ao de outro Padre que consultou o precipitaram, quando ele no dia imediato ao do Espírito Santo me pediu Licença para embarcar, e com esta alcançar o passaporte do Governo, expondo-me a causa de se retirar por estar persuadido do seu novo sentimento, eu a viria a conceder, se pouco depois me não constasse ter ele exteriorizasse o que seu juízo fora e dentro do Sacramento. Julguei então que não devia ir já na figura de um passageiro voluntário, mas na figura de réu. Procurei suavizar isto mesmo permitindo fosse livre para a embarcação, e para sair dela na chegada a Lisboa esperasse o Capitão Ordem expressa de Vossa Excelência.

Em tudo quanto ir dito, obrei de acordo com o Governo, tendo já ouvido o parecer de quais que eu deveria atender. Desejei obrar em tudo procurando só agradar a Deus e a Sua Majestade. Asseguro a Vossa Excelência que nenhum dos Padres Barbadinhos deste Hospício está tocado ainda levemente do errado parecer do Frei José, antes cada um deles longe de pensar assim está sumamente aflito com a novidade do seu companheiro. Jugo o mesmo dos outros, que estão paroquiando em algumas aldeias dos Índios, cumprindo todos bem o seu ministério.

Algunhas muitas vezes, entre fatigas e trabalho correm grande parte do Arcebispado confessando, pregando e crismando gentes e todos os outros, que fazem disto tudo quanto me conste, sem interesse algum temporal. O que agora digo, o atestará no momento da morte, e na proximidade de aparecer no tribunal divino.

Concluo com o Padre Frei José. Comecei pelo seu zelo apostólico e acabo dizendo que me parecem sempre humilde, penitente, desinteressadíssimo. Errou agora, enquanto maiores homens em literatura e piedade tem errado! A prova dita permite muitas vezes estes erros para os confundir e humilhar. Se eu cumprindo a mesma obrigação arguir, com para o castigar, não devo por isso deixar de compadecer-me e implorar também a compaixão de Vossa Excelência com um homem, que pecou, mais por ingenuidade que por malícia. Faltaria eu a meu maior ministério e ao agradecimento a Deus, se tendo só reprimido seu erro, me esquecendo de quase 14 anos que trabalhou neste Arcebispado incansavelmente. Resta só dizer, se no que antes obrei, e agora escrevo, não hei acertado, desculpe-me a moléstia do corpo, que com aflição do espírito se há argumentado. A que oprimindo-me a mão impede assinar eu mesmo da carta.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Mello e Castro, aos 20 de junho de 1794. Deus Guarde A Vossa Excelência muitos anos. Bahia. Frei Antonio Arcebispo da Bahia.


Tendo novamente a matéria de uma das minhas cartas antecedentes, nela nada dizia, nem agora digo, que a escravidão dos pretos olhada absolutamente, logo no seu princípio é lícita ou ilícita, nada também do uso ou abuso, ou dos Senhores sobre os seus escravos. Concentrava-me ao sucesso presente e sobre esta acrescento algumas reflexões.

Se exprimi o universal conceito que nesta Bahia tinha o Padre Frei José de Bolonha pelo seu auxílio e constante zelo Apostólico. Igualmente expus o meu amor e respeito aos cinco Padres que vieram da Índia pela sua exemplar conduta. Deles, deixado agora Frei José, pelo presentemente. Como poderão alguns por ignorância ou malícia ou também por uma espécie de piedade e compaixão censurar o que com eles o Governo e eu obramos em s mandar recolher à sua Embarcação, exponho as razões que assim nos moveram. O seu sentimento sobre a escravidão de baixo daquela modificação, que já escrevi na carta antecedente, se manifesta pelas razões seguintes propostas agora com mais detalhes.

1ª O Padre Frei José, falando muitas vezes sobre esta matéria continuou sempre em confessar sem adotar em quase 14 anos este novo sentimento. Rompeu nele passando até o praticar no confessionário, logo imediatamente que saiu de uns excoricios. Em um dia de trabalho teve larga conversação com um dos Padres, servindo aqui muito esta reflexão, que em todo o tempo antes com nenhum deles conservara. Parece logo que daquela conversação procedeu passar ele Frei José da dúvida antecedente a formar-se no conceito de ser ilícita a escravidão, como se prática, pela diuturnidade do tempo.

2ª O mesmo Padre quando me veio pedir licença para se retirar para Portugal, me deu por motivo o estar totalmente persuadido de ser ilícita a escravidão como se pratica, já pela dúvida de ser justa a guerra em que foram apreendidos, e depois vendidos, já porque, passado tempo em que com a utilidade do seu serviço tivessem compensado o que custaram, se lhes devia a liberdade. Ele mesmo nessa ocasião disse que além do mais para se formar no seu conceito, o movera a autoridade e as razões daquele Padre, com que conversara, acrescentando que todos os outros quatro eram do mesmo parecer.

3ª Por uma carta do Prefeito dos Barbadinhos de Angola ao do Hospício desta Bahia, consta ter-se manifestado em Angola nos sobreditos Padres o mesmo sentimento. Não há motivo para que deixe de ter-se esta carta.

4ª Hum homem aqui respeitável, além do caráter, pela probidade e literatura, atesta que um dos Padres por motivo de amizade e agradecimento a alguns benefícios instava com ele para que praticasse como necessária aquela doutrina a respeito dos escravos.

De tudo isto se faz manifesto que o sentimento dos Padres de interno passou a exteriorizar-se. Parece logo ser obreiras uma providência também externa, atendida a circunstância do tempo presente, e especialmente a condição do país, em que espalhada aquela doutrina, seria grande nos escravos a revolução e grande a aflição do espírito nos Senhores se timorata a consciência. É certo que já sem a exterioridade se faria como evidente o sentimento daqueles Padres. Em quase três meses que precederam, nenhum deles em público confessou seculares, com exceção talvez de alguns, que não tivessem escravos, ainda instando eu, exercitassem esse santo ministério, e pedindo a caridade na sua estada fossem uteis a estes povos.

Ainda que em todo esse tempo podia sair a Embarcação, se fariam muitas confissões, e as mesmas gerais que fossem obreiras em alguns penitentes, se podiam comentar. E quando fosse tão rápido o embarque, que alguma se não concluísse, sempre preponderava o bem das outras muitas que tivessem precedido. Logo o motivo de não confessar com este, em todos era, o que fica proposto. Ainda que este se impusesse, nada com eles se obrasse, se não concorressem as circunstâncias externas.

Como se ignora, quanto a Nau Belém aqui se demore, Governo e eu assentamos agora tomassem os ditos a desembarcar para o Hospício da Palma. Esta dada ao público a satisfação, e com a correção não há perigo do mal, que se escreva. Parece justa esta consideração com uns homes na verdade exemplares, e ainda que um deles na conversação com Frei José oprimisse o seu sentimento, nada influiu no seu procedimento de praticar essa doutrina no confessionário sem a conhecer o Arcebispo, e o Prelado Regular. Essa aqui porque ele disse que os Padres estão inocentes, querendo inculcar que o não moveram a exercitar com os confessados aquela doutrina. Perdoe-me Vossa Excelência a repetição de muitas coisas nessa segunda carta sobre a mesma matéria.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Mello e Castro, Deus guarde a Vossa Excelência muitos anos. Bahia, aos 25 de agosto de 1794.        

Projeto Resgate, fundo Eduardo de Castro e Almeida.

http://resgate.bn.br/docreader/DocReader.aspxbib=005_BA_CA&pesq=%22Jose%20de%20Bolonha%22&pagfis=39441     

      

                         

UM FOTÓGRAFO FRANCÊS NA ÁFRICA DO OESTE IMAGENS DO PERÍODO COLONIAL 1899-1923

 


O PROJETO

Acreditamos que as fotografias de Fortier têm um grande valor histórico pois muitas vezes o fotógrafo se preocupava em mostrar a África do Oeste de forma documental. Mas para que essas imagens possam ser consideradas documentos históricos é importante entender o contexto em que foram feitas. Para isso, saber que outras fotografias fazem parte do conjunto onde está presente uma determinada imagem também nos ajuda a entender qual a lógica do fotógrafo na organização de seu material.

 

A imensidão e a complexidade da obra de Fortier tornam-na de difícil decifração. Até hoje não se sabe o total de clichês de autoria do fotógrafo que, como dissemos, beiraria 4.500 imagens. Elas foram publicadas no formato cartão-postal em diversas séries e subséries com características distintas, o que permite certos arranjos.

 

Organizamos com critérios cronológicos as séries por ele editadas e produzimos tabelas para identificar as primeiras edições das imagens que aparecem em séries diversas.

 

Essa “memória visual”, impressa em frágeis pedaços de papel estampados – é importante informar que até hoje não foi encontrado nenhum negativo de autoria de Fortier – estava dispersa pelo mundo, ou seja, já não existia enquanto obra completa de um fotógrafo. Esse foi o motivo que nos fez decidir recriar, pouco a pouco, por meio de aquisições na internet, o conjunto de suas publicações de cartões-postais. Agora a coleção está reunida pela primeira vez e os originais se encontram no Acervo África, em São Paulo, Brasil. Nosso intuito é fazer conhecer o imenso legado de Edmond Fortier de forma organizada, por meio da publicação de livros, websites e exposições.

ACESSE: https://edmondfortier.org.br/

QUERELAS DE FACAS E MORDIDAS ENTRE UM PARDO E UM CABRA NO ENTRUDO DE 1767

 


Diz Francisco Xavier de Moura, pardo, menor de vinte anos, com pouca diferença, natural da Cidade da Bahia, e residente na Comarca de Sergipe Del Rei, da mesma cidade, que naquela ouvidoria geral do crime querelara do suplicante um Cabra Vicente Ferreira com o fundamento de que em folguedos do Entrudo com ele e com outros, barriado os rostos com o dito folguedo o entrudaram, e no entrudo o suplicante o ferira em um dedo, assegurando ser com faca; e correndo livrando. Com carta de seguro foi preso sem fração de seguro; e faz o dito prova legal de ser uma dentada no tal folguedo; nestes termos deu o queixoso perdão ao suplicante, requerendo o exame cirúrgico que com efeito se fez, de não haver lesão nem deformidade, pediu na forma da lei se julgasse o perdão por conforme, no que não foi atendido, mandando-se fosse a sentença presente, e afinal foi sentenciado em seis anos de degredo para os lugares de África, enquanto melhor por criação dos enjeitados, pelo fundamento de estarem o rosto barriado no dito folguedo; quando esta circunstância não é caso de sentença ter lugar, com menor semelhante pena, ao passo que se não precedeu contra os mais corréus que foram perdoados e livres, e pelo que sente aquela sentença rigorosa, lhe parece que pelo merecimento dos outros e perdão do queixoso devia ser absoluto: por meio da presente suplica vem a presença de Vossa Majestade Fidelíssima como seu Rei e Senhor para lhe mandar passar provisão e conserto se dela virem os próprios autos para na casa da suplicação se reverem, reformasse ou confirmasse a sentença, não se procedendo por modo algum contra o suplicante é a última decisão do caso na casa de suplicação. A vossa Majestade Fidelíssima como se Rei e supremo senhor se servido mandar se lhe passe a dita provisão para virem aos próprios autos sem ficar treslado dos meios por ser o suplicante um pobre só virem na casa de suplicação.      

Fonte:  

http://resgate.bn.br/docreader/DocReader.aspxbib=005_BA_AV&pesq=Entrudo&pagfis=99703   

CATHARINA LOBA, CIGANA VENDEDORA DE FAZENDAS NA CIDADE DA BAHIA 1767

 


Dizem Catharina Loba e suas filhas, naturais da Cidade da Bahia de Todos os Santos, que elas as suplicantes costumavam vender pelas Ruas públicas da dita Cidade com o título de mulheres Ciganas, e não sendo, na realidade, por serem filhas daquela Cidade, mas sim sendo parentes muito antigas, se intitulavam por ciganos os quais eram filhos do Alentejo o que nos trariam por documentos se lhe não fosse tão penoso serem ciganos de nação mas seriam seus parentes muito remotos, ciganos mas não de nação, como na dita Cidade contendam com as Suplicantes por terem o título de Ciganas em lhe não deixarem vender pelas ruas as fazendas que vão desta Cidade, pois é a fazenda que costumam a vender e a compram aos mesmos mercadores da dita Cidade para haverem de ganhar alguma coisa para se sustentarem em razão de não terem em que poder ganhar para se sustentar razão porque recorrem a Vossa Majestade se digne a por sua real piedade conceder-lhe a Licença para que possam vender a dita fazenda em que se inclui a fazenda da Índia.

Por Vossa Real Majestade seja servido conceder-lhe a dita licença que pedem que as suplicantes por ela rogaram a Vossa Majestade e por toda a família Real, pois os filhos padecem grandes misérias. E.R.M.

Fonte:  http://resgate.bn.br/docreader/DocReader.aspx?]bib=005_BA_AV&Pesq=%22ruas%22&pagfis=99661    

Revista Afro-Ásia n. 62 (2020)

 

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Artigos

Reforçar a identidade e a autoridade: as casas de courás libertos em Vila Rica e Mariana no século XVIII 

Moacir Rodrigo de Castro Maia

 

Entre Senegâmbia e Angola: comércio atlântico, protagonismo africano e dinâmicas regionais (séculos XVII e XIX)

Felipe Silveira de Oliveira Malacco, Ivan Sicca Gonçalves

 

“Aceite a benção e um apertado abraço de sua carinhosa mãe”: escravidão, diásporas e a perenidade dos laços familiares (Porto Alegre, Salvador, século XIX)

Paulo Staudt Moreira

 

“Foi quando estava acabando o tempo dos escravos”: devoção, redes familiares e conflitos nas últimas décadas da escravidão em Minas Gerais

Lívia Nascimento Monteiro

 

Castas, raças e a política colonial na Índia

Andreas Hofbauer


Entre cultura, solidariedade internacional e “mundo negro”: a negociação de sentidos na Présence Africaine (1955-56)

Raissa Brescia dos Reis

 

A quantas mãos se escreve a História da literatura? A política das divergências teóricas na Indonésia

Felipe Vale da Silva

 

A construção de personagens nos romances de Pepetela e a imaginação da nação angolana

Carolina Bezerra Machado


Epistemologias marginalizadas: a questão racial no debate sociológico latino-americano

Franciane da Silva Santos Oliveira, Lia Pinheiro Barbosa

 

Sotaques e sintaxes: acentuando o falar caboclo nas religiões afro-brasileiras

Mauricio dos Santos, Thiago de Azevedo Pinheiro Hoshino


Resenhas

Sobre uma história social do trabalho e dos trabalhadores em Angola

Ariane Carvalho

 

Cura, memória e política em Moçambique

Luena Nascimento Nunes Pereira

 

Renamo: de agente do apartheid a organização política moçambicana

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O Atlântico enfermo e os agentes da saúde no período do tráfico ilegal

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História ambiental de comunidades mocambeiras na Amazônia durante a escravidão e o pós-abolição

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Diálogos e aproximações

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A literatura como suplemento da história em memórias silenciadas sobre a nação

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O racismo antinegro, a psicanálise e a subjetividade da nossa época no Brasil

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Do Valongo ao Porto Maravilha: uma análise marxista da história do porto do Rio de Janeiro

Paula De Paoli

III Seminário Internacional sobre Antropologia e História da Indústria Baleeira das Costas Sul Americanas

Entre os dias 23 e 25 de março de 2021 ocorrerá o “III Seminário Internacional sobre Antropologia e História da Indústria Baleeira nas Costas Sul Americanas”. Esse encontro acontecerá por meio totalmente virtual e os seus organizadores gostariam de convidar a comunidade acadêmica e externa a participar das diferentes atividades que serão realizadas. Durante os dias do evento, os convidados, palestrantes e conferencistas, compartilharão resultados das pesquisas realizadas em seus países. Todos esses intelectuais têm uma longa trajetória de pesquisa acerca da caça de baleia em seus respectivos países e em diferentes partes do globo, abordando o tema em diversas temporalidades históricas.

Assim, nos três dias, teremos conferências, mesas redondas, exibição de obras fílmicas comentadas, exposição de fotografias e gravuras relacionadas à caça de baleias em diferentes partes do mundo. Esperamos com a realização desse evento, de magnitude internacional, fomentar novas pesquisas, realizar discussões produtivas, promover debates e fortalecer a memória e a História da caça da baleia em dimensões globais.


Baleias e Império: os Estados Unidos e a expansão baleeira nos mares do Atlântico Sul (1761-1844)

 


RESUMO

Este artigo analisa a expansão baleeira norte-americana, ocorrida entre o final do século XVIII e a primeira metade do XIX, em direção ao litoral brasileiro. Foram escrutinadas fontes em dois arquivos e museus da Nova Inglaterra, o Mystic Sea Port e o Whaling Museum. No primeiro, consultamos as relações de viagens baleeiras ocorridas entre a segunda metade do século XVIII até 1920. Também arrolamos documentos avulsos, cartas de marinheiros e comandantes, relações de embarcações e informações sobre os portos da região. No Whaling Museum analisamos logbooks de viagens ao Brasil, cartas náuticas, mapas e fontes avulsas. Na Gazeta de New Bedford, levantamos informações sobre expedições à costa brasileira realizadas entre 1843 e 1845, os balanços da produção de óleo de baleia, espermacete de cachalotes e ossos de baleias. Foram examinadas e sistematizadas informações sobre os comandantes, as embarcações e suas rotas, além de dados quantitativos a respeito de baleias e cetáceos abatidos no litoral brasileiro. Por fim, destacamos o grande peso da indústria baleeira americana naquela conjuntura de afirmação do capitalismo e globalização da economia.

ACESSE NA ÍNTEGRA: https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/165401

JOANA ANGÉLICA DE JESUS HEROÍNA DA INDEPENDÊNCIA E SENHORA DE ESCRAVOS

 

Nascida em 12 de dezembro de 1761, Joana Angélica de Jesus tornou-se heroína e mártir da Independência do Brasil. Reza a lenda que ao invadirem as dependências do Convento da Lapa, as tropas portuguesas foram recepcionadas pela Madre, que exclamou: “Para trás, bandidos. Respeitem a casa de Deus. Recuai, só penetrareis nesta casa passando por sobre o meu cadáver”. Não há notícias de documento histórico que revele tal fala. O fato ocorrido em 20 de fevereiro de 1822, ficou marcado na história da nossa Independência. Representante da Igreja Católica a Abadessa Joana Angélica não poderia fugir ao costume, como a instituição da qual fazia parte, ela também possuía escravos, como muitas outras freiras enclausuradas, que eram remetidas para essas masmorras pelos seus pais, muitas vezes para manterem as suas filhas longe das tentações mundanas, entretanto, não estavam tão protegidas assim, que nos diga o nosso Gregório de Mattos. Joana Angélica foi proprietária da escrava Florinda, que a passou para duas de suas irmãs de convento, sendo passada a sua alforria em 22 de junho de 1816, a carta foi registrada em cartório oito anos depois, em 28 de fevereiro de 1824, dois anos após a morte de sua antiga senhora. A carta é de texto simples e não traz detalhes se a alforria foi condicional ou não, mas, pelo tempo que levou entre a feitura da carta e o seu registro em cartório, provavelmente tenha sido por condição das novas proprietárias. Segue a carta na íntegra.  


Carta de Liberdade de Florinda de São José

Digo eu a Madre Abadessa Soror Joanna Angelica de Jesus que entre os bens que possui esta Religiosa comunidade é bem assim uma escrava de nome Florinda de São José, a quem foi dada a Madre Joanna Maria de Jesus e Madre Anna Maria da Encarnação para o seu serviço dentro desta clausura a que a dita escrava a liberto de hoje para sempre e poderá gozar de sua liberdade como se nascesse livre do ventre de sua Mãe. E para clareza passo esta por mim assinada. Bahia, e Convento de Nossa Senhora da Conceição da Lapa 22 de junho de 1816. Soror Joanna Angelica de Jesus, Abadessa. Soror Joanna Maria das Chagas Escrivã, Soror Thomazia Maria do Coração de Jesus Disereta, Soror Maria Bernardina do Paraíso Disereta. Reconheço as firmas supra. Bahia, 27 de fevereiro de 1824, estava o sinal público, em testemunho de verdade. Francisco Teixeira da Mata Bacelar. Ao Tabelião Mata. Bahia, 27 de fevereiro de 1824. Simões. E nada mais continha a dita carta de liberdade que aqui lavrei da própria que entreguei a quem me apresentou, e abaixo assinei, e com outro oficial concertei nesta Cidade da Bahia aos 28 de fevereiro de 1824, eu Francisco Teixeira da Mata Bacelar Tabelião a escrevi e assinei.

Fonte: 

Arquivo Público do Estado da Bahia
Seção Judiciária 
Livro de Notas 210, página: 23


Negras cores de escravidão para não se ver Raça, classe e nação na viagem de Miguel Calmon a plantações asiáticas (1905)



RESUMO

Inicialmente, o artigo enfoca três excursões de Miguel Calmon a plantações de fumo dos holandeses em Sumatra. Conecto a análise do relato de viagem de Calmon ao estudo da ideologia dos senhores de terras da Bahia no pós-abolição e evidencio, nas suas percepções, a autonomia dos trabalhadores. Também indico as estratégias patronais de organização do trabalho livre, centradas no aluguel e usufruto da mão-de-obra. Na continuação, o artigo demonstra como, após o regresso do viajante, sob sua liderança, contactar índios representava descobrir trabalhadores nacionais. Além de sublinhar a importância da mobilidade, para os índios, em lidarem com as estratégias de sua teórica proteção, argumento que a mobilidade era igualmente uma arma de luta para a classe trabalhadora. Pretendo assim contribuir para ampliar a pesquisa sobre os mundos do trabalho, iluminando conexões tanto globais quanto brasileiras.

Palavras-chave: coolies; índios; trabalhadores

ACESSE: 

Reconstruindo vidas fragmentadas

 


Pesquisador da UMD co-lidera nova coleção digital que reúne histórias de povos escravizados

Por Dan Novak M. Jour. '20   01 de dezembro de 2020

Sequestrado em casa. Vendido como bens móveis. Separado de seus entes queridos. Trabalhou até a morte. Escrito fora da história nacional. Os horrores inimagináveis ​​vividos por africanos escravizados e seus descendentes podem sugerir que a escravidão apagou nomes, identidade e personalidade.

Mas, por décadas, historiadores e genealogistas vasculharam os arquivos, reunindo milhões de documentos que traçam viagens de escravos, vendas, batismos, casamentos e outros eventos que formam as histórias de vida de escravos nomeados. No entanto, grande parte dessa pesquisa foi compilada isoladamente em instituições separadas, tornando mais difícil seguir os fios de indivíduos e famílias.

Daryle Williams, historiadora da Universidade de Maryland e reitora associada do College of Arts and Humanities, está trabalhando para abordar isso como uma das lideranças em um novo banco de dados on-line enorme que será uma ferramenta de pesquisa e descoberta inestimável: Enslaved.org: Peoples do histórico comércio de escravos.

“Temos muitos e muitos tipos diferentes de fontes que incluem indivíduos nomeados”, disse Williams, que se especializou em escravidão no Brasil do século 19. “Nosso objetivo em parte é ser capaz de fornecer uma plataforma para registrar e recuperar essas pessoas.”

O novo banco de dados, alojado na Michigan State University (MSU) e apoiado por uma doação de US $ 2 milhões da Andrew W. Mellon Foundation, fornecerá recursos educacionais para salas de aula K-12, bem como conjuntos de dados revisados ​​por pares para estudantes e acadêmicos de nível universitário . O projeto lançou hoje uma nova fase para receber contribuições do público e de pesquisadores acadêmicos.

Antes, os pesquisadores podiam encontrar um registro de propriedade de um proprietário de plantação falecido, listando os escravos pelo nome, mas não saber se os mesmos indivíduos apareciam em um registro de batismo separado. Enslaved.org permitirá que os pesquisadores cruzem as referências desses conjuntos de dados simultaneamente usando dados abertos vinculados para construir biografias, traçar linhagens familiares e ver tendências mais amplas para compreender a experiência pessoal da escravidão.

“A história pessoal é complexa, assim como a forma como os dados eram coletados durante a era do comércio de escravos. Enquanto continuamos a digitalizar registros, como os manuscritos, para preservá-los, sabemos que há mais na história de cada pessoa. Esperamos que este banco de dados cresça e evolua com o tempo”, disse Walter Hawthorne, co-investigador do projeto, professor de história e reitor associado de assuntos acadêmicos e estudantis no College of Social Science da MSU.

Da remoção dos memoriais confederados ao debate sobre as reparações e ao bem-sucedido (e polêmico) Projeto 1619 do The New York Times, os Estados Unidos estão entre as muitas nações que enfrentam um acerto de contas com a escravidão e suas consequências históricas e modernas. Enslaved.org busca humanizar aqueles mais diretamente afetados, enquanto convida todos a ver a escravidão humana como parte de nossa história.

 “As pessoas estão interessadas, preocupadas, compelidas e lutando contra a escravidão e seus muitos legados”, disse Williams. “A escravidão é muito, muito importante para as fundações da América. E a escravidão é muito, muito importante para a América hoje.”

FONTE: 

https://today.umd.edu/articles/reconstructing-fragmented-lives-88e94570-0f28-4604-ace2-777e74777e37

 

 

A massive new effort to name millions sold into bondage during the transatlantic slave trade

 

Nineteenth-century shackles on display in the basement of the Freedom House Museum in Alexandria, Va., where enslaved people were once held before being transported to the South. (Matt McClain/The Washington Post)

 

 By

Sydney Trent

Dec. 1, 2020 at 12:34 p.m. EST

Daryle Williams was emotionally torn, pushing the decision right up against deadline. As a history professor at the University of Maryland, Williams had been researching the slave trade in 19th-century Brazil when he came upon two newspaper ads featuring runaway Africans. One mentioned a mother, Sancha, escaping with her two sons — Luis, 9, and Tiburcio, 4 — in 1855. The other referenced a young woman, Theresa, who fled with her nursing daughter, in 1842.

Tasked with entering his findings into what has become part of a groundbreaking new public slavery database, Williams was unsure about what to do. Should he create a separate line for the baby, even without a name?

“From one database perspective, I could have erased her” from the record, Williams said. And yet, even anonymous, the baby ”was part of the lived historical experience. … She was important for Theresa. She should be important for us as well.”

In mid-November, Williams carved out a spot — an act of hope that over time and with the labor of others, the baby’s identity might one day be revealed.

That infant girl, one tiny dot in the vast constellation of Africans swept into the transatlantic slave trade, is included in a massive project aimed at illuminating the lives of the 12.5 million Africans, and their descendants, sold into bondage across four continents.

Enslaved: Peoples of the Historic Slave Trade, a free, public clearinghouse that launched Tuesday with seven smaller, searchable databases, will for the first time allow anyone from academic historians to amateur family genealogists to search for individual enslaved people around the globe in one central online location.

 It launches four centuries after the first enslaved Africans arrived on the shores of the English colony of Virginia in 1619. By then, the transatlantic slave trade was already more than a century old.

ACESSE NA ÍNTEGRA: 

https://www.washingtonpost.com/history/2020/12/01/slavery-database-family-genealogy/


QUANDO ENGRAXAVA-SE NA BASE DO CUSPE

 



A Notícia ouve o decano dos engraxates. 

A indústria do lustro na Bahia. Quem fez adotar a água.

Por certo, a A Notícia, dando-se ares aristocráticos, só ouvisse as altas personagens da colmeia social, desprezando os humildes, os pequenos trabalhadores que enxameiam nos quatros cantos da cidade, não teria direito à acolhida generosa que lhe tem dispensado o povo, o chamado Zé Povo, desde sua aparição.

E, por que nosso propósito é palestrar, inquerir, ouvir gregos e troianos, os ditos por nobres e os considerados plebeus, no regímen democrático que proclamamos ser o imperante no Brasil; e porque, repetimos, é esse nosso propósito, informados de que o Manoel, que engraxa botas na Praça 15 de Novembro, era o mais velho dos de sua profissão, resolvemos ouvi-lo no seu posto de honra.

- Cava-se muito Manoel?

- Nada, esta malvada macaca da asthma não me deixa trabalhar direito.

- Mas, sempre se faz alguma coisa, hein?

- Quando não se faz muito, sempre se faz para o burro.

- Burro?

- Sim, carne do sertão.

- Desde quando, Manoel, você engraxa?

- O senhor é de jornal?... E interviu?

- Quase.

- Pelos meus cálculos, eu trabalho na escova e na caixa desde 1880.

Ora, brasileiros de meu tempo foram o Victor, que hoje anda vendendo rosários registros e outras bugigangas; Manoel, um branco, que ficava na porta da loja Athayde, na esquina da ladeira da Montanha; um que também vendia o Alabama, e mais dois que ficavam na porta do Banco da Bahia. Dos seis, que os éramos ao todo, só eu continuei no ofício.

- Mas, vocês não foram os introdutores da “indústria do lustro” na Bahia...

- Não, foram os italianos. Todos eram meninos, e alguns deles hoje se acham estabelecidos. Os pais ficavam nas sapatarias, fazendo o remonte. Andavam com as caixas, como os homens do realejo, presas as costas por duas correias. Não usavam paletó. Era a camisa de mangas arregaçadas, e o colete de veludo. As calças tinham nos joelhos grandes contrafortes de fazenda diferente. Não vê como estas estão remendadas? Eram assim que usávamos então. Eu fiquei com o costume.

- Estacionavam nos pontos como vocês fazem agora?

- Não, andávamos por toda a cidade, batendo com as escovas na caixa, a procura de quem quisesse lustrar. E sabem como engraxávamos? Arriávamos a caixa sobre o passeio, se o havia no lugar, ajoelhávamo-nos e assim é que limpávamos as botinas. Eu tenho nos dois joelhos cada calo medonho! Outra coisa: nesse tempo não se usava água, era com cuspe (que porcaria!) que se lavavam as botinas, para depois passar graxa, porque não havia ainda a pomada. O finado doutor João Lopes foi quem me fez trabalhar com água. Toda a vez que eu o chamava para limpar as botinas, ele gritava logo: “Só se for com água, com cuspe não quero!” De modo que eu fui forçado a adaptar água e, como eu, todos os outros.

- O preço do lustro era o mesmo atual?

- Não, três vinténs.

- Desde 1888, e lustrei as botinas dos Diretores da Faculdade doutores Rodrigues da Silva, Alexandre de Cerqueira Pinto e Ramiro Monteiro...

- E estudantes?

- Conheci como estudantes os doutores Manoel Victorino, Octaviano Pimenta, Tibúrcio Suzano, Celestino, Calazans e muitos, muitos mais, dos quais eu levaria um dia inteiro a dizer os nomes.

- Sempre vocês pagaram impostos?

- Não, acho que a primeira vez que se tratou de impostos para nós foi no tempo da “Gazeta da Tarde”, quando o professor Bahia era deputado. Luiz Tarquínio, quando foi vereador, exigiu que a gente andasse fardado com numeração no boné. O doutor Freire de Carvalho, quando intendente, foi quem entendeu que nós devíamos usar estas cadeiras...

- Recorda-se da época em que mais ganhou?

- Perfeitamente, foi pelas festas dos chilenos.

Muito nos já havia dito o Manoel, para a formação de uma “interviu”, pelo que resolvemos deixá-lo.

- Adeus Manoel, leia amanhã a “A Notícia”, ultimando a palestra, dissemos-lhe.   

Idalino.

Fonte: A Notícia, 29 de dezembro de 1914

Disponível em: memoria.bn.br 

Fundação Pedro Calmon lança Prêmio de R$ 7 milhões para Cultura

 


Os projetos e iniciativas dos segmentos do livro, leitura, memória, bibliotecas comunitárias e arquivo já podem participar do Programa Aldir Blanc, gerido pelo Governo do Estado da Bahia, através da Secretaria de Cultura (SecultBa). O Prêmio Fundação Pedro Calmon foi publicado hoje (08) no Diário Oficial do Estado e visa premiar cerca de 350 propostas, com cerca de 7 milhões reais em todo Estado.

Voltado para os trabalhadores da cultura e para a criação de subsídios para a manutenção de espaços culturais, a Fundação Pedro Calmon (FPC/SecultBa) recebe projetos culturais nessas áreas até o próximo dia 27 de outubro. Sem prorrogação de inscrição, o Prêmio Fundação Pedro Calmon tem objetivo de reconhecer e fomentar as iniciativas culturais da sociedade civil que tenham por finalidade preservar e divulgar o acervo documental; estimular e promover as atividades relacionadas com bibliotecas, assim como, promover ações de fomento e difusão do livro e da leitura nos diversos territórios de identidade do Estado da Bahia

O Prêmio é voltado para o reconhecimento às iniciativas culturais da sociedade civil nos processos de criação, produção, difusão, formação, pesquisa, entre outras expressões artísticas e culturais. De acordo com o diretor geral da FPC, Zulu Araújo, o Prêmio “contemplará todos os trabalhadores e trabalhadoras da cultura. Teremos ações afirmativas em todas as categorias, proporcionando a inclusão plena de nossos artistas, técnicos e trabalhadores”.

Os proponentes poderão apresentar apenas uma iniciativa cultural em uma das categorias contempladas pela FPC. Na categoria Livro e Leitura serão 50 iniciativas premiadas no valor individual de R$25 mil, além de R$2 milhões para apoio a eventos literários. Também serão 50 projetos para Bibliotecas Comunitárias, no valor individual de R$ 25 mil.

Já no campo da Memória serão premiadas 200 iniciativas de pesquisadores no valor unitário de R$ 4.250 mil, totalizando um valor de premiação de R$ 850 mil. E na categoria Arquivo, 40 iniciativas de instituições custodiadoras de acervos arquivísticos serão premiados no valor de R$ 41.250 mil, totalizando R$ 1.650 milhão.

Festas Literárias - Estreante entre as modalidades da Premiação, a seleção dos eventos literários que se espalharam por todo Estado, terão uma premiação específica na categoria livro e leitura, no valor de R$2 milhões. Serão dez iniciativas selecionadas e que devem ocorrer entre janeiro e 10 de abril de 2021 nos Territórios de Identidade da Bahia.

Quem pode se inscrever? – Em atendimento aos critérios dispostos pelo Decreto estadual Nº 20.005, de 21 de setembro de 2020, podem participar das chamadas públicas abertas pelo Programa Aldir Blanc Bahia pessoas físicas ou jurídicas com atuação cultural, e estabelecidas ou domiciliadas na Bahia há pelo menos 24 meses. Grupos e coletivos culturais que não se constituam como pessoa jurídica de direito privado deverão comprovar sua atuação no estado há pelo menos 24 meses.

Programa Aldir Blanc Bahia – Criado para a efetivação das ações emergenciais de apoio ao setor cultural, o Programa Aldir Blanc Bahia (PABB) visa cumprir os incisos I e III da Lei Aldir Blanc (Lei Federal nº 14.017, de 29 de junho de 2020) e suas regulamentações federal e estadual. As ações são a transferência da renda emergencial para os trabalhadores e trabalhadoras da cultura, e a realização de chamadas públicas e concessão de prêmios. O PABB tem execução pelo Governo do Estado, através da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, geridas por meio da Superintendência de Desenvolvimento Territorial da Cultura e do Centro de Culturas Populares e Identitárias; e as suas unidades vinculadas: Fundação Cultural do Estado da Bahia, Fundação Pedro Calmon, Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural.

Acesse para saber mais sobre o Prêmio Fundação Pedro Calmon.

http://www.fpc.ba.gov.br/2020/10/1848/Fundacao-Pedro-Calmon-lanca-Premio-de-R-7-milhoes-para-Cultura.html

 

"Valer-se da autoridade do trono para obter sua liberdade": fuga e alforria - Bahia e Lisboa, 1761-1804

 


RESUMO

O artigo analisa as circunstâncias em que escravos e senhores da capitania da Bahia apelaram à autoridade régia em Lisboa e ponderaram sobre escravidão e liberdade nas últimas décadas do século XVIII. Usando como fio condutor processos de escravizados de dois grandes negociantes, procura-se compreender os personagens envolvidos e a complexidade do contexto em que apelaram à rainha durante a vigência do alvará de 19 de setembro de 1761. Essa lei proibia o desembarque de escravos nos portos de Portugal e foi mobilizada tanto para fundamentar a alforria quanto para frear os anseios de liberdade dos cativos que ali desembarcaram com seus senhores ou fugidos. O estudo se baseia em fontes variadas, cujo cruzamento possibilitou aproximar a lente sobre esses conflitos e problematizar o fenômeno da alforria entre senhores de poder e prestígio.

 

BIOGRAFIA DO AUTOR

Katia Lorena Novais Almeida, Universidade do Estado da Bahia

Doutora em História Social pela Universidade Federal da Bahia. Professora titular de História no Departamento de Educação, Universidade do Estado da Bahia – Campus Alagoinhas – Bahia, Brasil. 

ACESSE NA ÍNTEGRA: http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/165479

CORPO DE ARTÍFICES DE FOGO E BOMBEIROS DO BRASIL COLONIAL

 


Informe o Senhor Brigadeiro Inspetor Geral das Tropas. Bahia, 27 de abril de 1815. Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor.

30 de maio de 1815

Diz Joaquim Joze Xavier dos Anjos, Artífice de fogo do Regimento de Artilharia, e Companhia de Bombeiros, que ele Suplicante, tendo pelo Decreto de 1791 a Graduação de 2º Sargento em que sua Majestade a Rainha Nossa Senhora, foi servido condecorar os ditos, e tanto se faz certo, que no Plano geral dos uniformes de 1806 diz que os Artífices de fogo terão as mesmas insígnias que tem os 2ºs Sargentos, e que, para serem conhecidos Artífices, terão duas aspas de galão, figura [lo aopé] do canhão do braço direito. Excelentíssimo Senhor, o Suplicante implora a Vossa Excelência mandar que o Tenente Coronel Comandante do dito Regimento observe o Decreto e Plano, não só pelo exposto acima, como por ser o mesmo estilo na Corte do Rio de Janeiro portanto.

Pelo Decreto de 12 de Dezembro de 1791manda o Sua Majestade Real que os Artífices do fogo serão considerados para o futuro da classe de 2ºs Sargentos, com obrigação de exercitar interinamente quando se acharem desocupados do laboratório as formações de formadores das Companhias em qualquer caso de impedimento ou vacância destes oficiais da primeira, e deverão ser distribuídos para a formatura do Batalhão no mesmo predicando pelo plano dos uniformes para o Regimento de Artilharia de 19 de maio de 1806, que os Artífices do fogo usarão dragonas como 2º Sargento, e dois galões de ouro com aspas sobre a manga do canhão do braço direito. É o que posso informar a Vossa Excelência que mandará o que for servido. Bahia, 22 de abril de 1815.

E roga o Suplicante a Vossa Excelência seja servido assim o mandar, visto que diferença alguma faz a Fazenda Real. E pede mercê. João Francisco de Souza e Almeida Tenente Coronel.



Joaquim Joze Xavier Artífice do Regimento de Artilharia pede a Vossa Excelência que faça observar pelo Comandante a disposição do Decreto de 14 de Janeiro de 1791, e Plano dos uniformes de 19 de Maio de 1806 na parte relativa ao Suplicante, e mais Artífices do mesmo Regimento.

Não tendo havido até ao presente representação alguma da parte dos Artífices de fogo suponha eu, como é natural, que eles gozavam da Graduação de 2ºs Sargentos em conformidade da Lei, mais examinando a prática a este respeito em consequência do requerimento do Suplicante soube que nunca se cumprira aquela Observação do Decreto de 12 de Dezembro de 1791, julgando os Comandantes do Regimento, que era por isso preciso Ordem expressa do Governo. Tem o Suplicante pois muita razão no que pede, e deve o Comandante de Artilharia contemplar os Artífices de fogo na Graduação, e Uniformes prescritos pela Lei. Quartel da Bahia, 6 de maio de 1815.

Felisberto Caldeira Brant Pontes.  


Fonte: 

Arquivo Público do Estado da Bahia

Seção de Arquivos Colonial e Província

Maço: 230

Período: 1815