Numa cidade como a capital da Bahia, de vasta
extensão e cortada por toda parte de ladeiras, o serviço dos transportes e em
geral o da locomoção, deveria merecer grande cuidado.
Assim, porém, não tem acontecido. Até certo tempo,
esse serviço estava de todo entregue aos africanos: eram eles ganhadores,
carregadores de cadeiras de arruar e saveiristas.
Hoje as coisas apresentam outro aspecto: os
saveiristas são já nacionais, os bondes e o elevador hidráulico tem matado a
locomoção por meio de cadeiras de arruar, e o serviço de transportes acha-se
entregue aos carroceiros e a companhia União Indústria.
Nestas linhas não temos que examinar senão as
necessidades que o privilegio, concedido aos senhores Vaz, Freitas e Gonçalves,
vem satisfazer entre nós, e, pois, a seu exame nos limitaremos – e já não será
pequena tarefa.
O serviço dos africanos era um serviço rotineiro,
mas em compensação era um serviço regular: não tendia a apresentar melhoras, a
acompanhar ou a introduzir nenhum progresso, mas como se achava constituído,
apresentava grandes vantagens.
O africano que queria ser carregador, havia de
pertencer a um canto, denominação tirada das esquinas das ruas, em que os
africanos se sentavam a esperar os fregueses.
Cada canto tinha um chefe que regulava o preço dos
transportes, a escolha do pessoal e as condições do serviço.
O carregador calouro, ou se dedicasse transporte de
mercadorias, ou ao carregamento de cadeiras, começava por aprender o oficio, o
que não fazia em pouco tempo.
Quando havia necessidade de fazer, por exemplo, uma
mudança, dirigia-se o dono da casa ao chefe de um canto, com ele ajustava o
transporte dos trastes, e esse chefe é que determinava os africanos que haviam
de conduzir tal ou tal móvel, a maneira de lava-lo pelas escadas estreitas, de
modo que o móvel não desse tombo pelas paredes, ou não sofresse arranhões, et.,
etc.
A verdade é que naquele tempo o serviço dos
transportes não causava nenhum prejuízo.
Por outro lado, não havia que recear descaminho de
objetos, pelos quais era em todo caso responsável o chefe do canto.
Que vemos, porém, hoje?
É ganhador quem o quer ser. Aquele que tem seu
escravo, diz-lhe: vai ganhar.
Qual é a confiança que inspira um ganhador nestas
condições?
Nenhuma; e, portanto, é indispensável que a gente o
acompanhe, o que se torna sumamente incomodo.
Depois, esses ganhadores nada sabem do oficio a que
se entregam.
Para carregar um objeto, não basta ter força: esse
objeto tem que sair ou que entrar por escadas estreitas, é uma marquesa, uma
cômoda, um piano, e nem todos sabem o modo de colocar o móvel de sorte que ele
saia ou entre sem dar ou levar pancadas.
Outra coisa que concorre para tornar horrível nosso
serviço dos transportes é a falta de uma tabela de preços.
Com as carroças dá-se a mesma coisa o que uma faz
por cinco patacas, outra não faz por menos de três mil réis.
Acresce o carroceiro, ou por ignorância ou por
maldade, não sabem numa mudança amarrar os trastes que devem transportar, e por
isso não aproveitam o espaço do veículo, e daí resulta que uma mudança por
carroças torna-se extraordinariamente cara, porque sem necessidade
multiplica-se o número das viagens.
Que diremos agora de outro inconveniente, que para
a gente de certa ordem é de todos o menos suportável?
Carroceiros e ganhadores não sabem fazer o serviço
senão arrebatadamente, em gritos, com gestos de arremesso, com impaciência, com
pragas, de sorte que gente bem educada não se pode haver com eles.
Estes inconvenientes são desde muito deplorados; e
a obra de quatro anos surgiu aui uma pequena empresa que se destinava a fazer
mudanças de trastes, e a lavagem das casas.
Essa empresa, aliás muito útil, não se pôde sustar,
talvez a falta de pessoal habilitado, ou talvez a falta de capital.
Há muito tempo quis a polícia matricular todos os
ganhadores, dando-lhes um número, pelo qual se pudesse fazer efetiva a
responsabilidade dos objetos, de cujo transportes se incumbiam.
Essa medida não vingou.
Ultimamente um chefe de polícia buscou organizar o
serviço dos ganhadores pelo modo por que o faziam os africanos, mas cremos que
suas providencias também não grandes resultados.
Nas linhas que aí deixamos não estão bem examinadas
todos os inconvenientes do atual serviço de transportes; mas vê-se já que esse
serviço não tem método, nem sistema, que vive na mais deplorável anarquia.
Qual é o meio de fazer cessar todos estes males?
A organização de uma vasta empresa, que por isso
mesmo que concentra em suas mãos muitos meios de ação, pode munir-se de um
pessoal habilitado, pode exercer uma fiscalização rigorosa, pode fazer baixar
os preços dos transportes, e oferecer,
enfim, na responsabilidade que assume para com o público, as mais firmes
garantias de segurança, ordem e presteza do serviço.
Que comodidade para o cidadão, quando lhe baste
dirigir-se a empresa, dizer-lhe o que deseja, para ser logo satisfeito a favor
de uma módica retribuição?
Não haverá mais objetos quebrados, deteriorados,
perdidos, não haverá mais alterações com ganhadores e carroceiros, e, ao invés
disto, somente – ordem, regularidade, presteza, confiança e barateza, ou numa
só palavra – o progresso.
Para saber mais acesse:
A greve negra de 1857 na Bahia. João José Reis.