Projeto da UnB cria 'Google Earth' para Brasil da era colonial



Historiadores e geógrafos estão unindo mapas que vão do século 16 ao 19 com as imagens digitais de satélites. Versão inicial já pode ser acessada de graça; ideia é criar ferramenta para estudar dinâmica espacial do povoamento.

Além de ajudar gente conectada a achar restaurantes ou fugir do trânsito, o Google Earth está dando uma mãozinha a historiadores e geógrafos que querem criar um mapa mais preciso dos altos e baixos do Brasil colonial. O projeto, coordenado pela Universidade de Brasília (UnB) e com participação de várias outras universidades federais, está fundindo os recursos do Google Earth com cerca de 2.000 mapas do império colonial português.


Versão Alfa 

Já é possível conferir parte do resultado no endereço eletrônico www.atlas.cliomatica.com. "Ainda é uma versão beta; aliás, é quase uma versão alfa", brinca Tiago Gil, do Departamento de História da UnB, referindo-se às letras gregas usadas para designar versões preliminares de um programa de computador.

Uma forma mais polida do site deve estar disponível no mês que vem, afirma Gil, que coordena o projeto, batizado de Atlas Digital da América Lusa, ao lado de Leonardo Barleta, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). A ideia dos pesquisadores é sobrepor os mapas do Brasil-Colônia às imagens de satélite atuais, empregando também recursos interativos.

Em vários casos, vai ser possível ver como o povoamento avançou e mapear com precisão os ciclos regionais de prosperidade (e bancarrota) durante a era colonial. Um caso emblemático é o de São João Marcos, vila do século 18 que prosperou com a lavoura de café, mas acabou sendo engolida por uma represa nos anos 1940.

Cidades perdidas - "Uma das pesquisas que o projeto está tocando, desenvolvida pelas bolsistas Mariana Leonardo, Rafaela do Nascimento e Luiza Moretti, é justamente sobre essas 'cidades perdidas', localidades que ou não cresceram ou tiveram sua ascensão e queda", diz Gil.

"É o caso de vários outros pontos da América Lusa, particularmente nas regiões mineradoras, como Minas, Mato Grosso e Goiás", explica. Felizmente, o sumiço de São João Marcos sob as águas é um caso extremo. "O mais frequente é a estagnação dos espaços, que muitas vezes são incorporados por regiões metropolitanas ou simplesmente se mantém como pequenas povoações", afirma o pesquisador.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, foi uma mera decisão política a responsável por transformar "Porto Alegre de Viamão" na capital da região. Já a própria Viamão hoje é mera cidade-dormitório de Porto Alegre. Do mesmo modo, pouca gente hoje em dia conhece Mostardas e Bojuru, localidades gaúchas que eram relevantes no século 18.

Segundo o especialista da UnB, a escassez de fontes não tem sido um grande problema. Nas áreas urbanas, o material até que é farto. Bem mais difícil é colocar num mapa moderno as fazendas coloniais. "Você pode ver isso nas descrições de limites de propriedades: a terra começa no pé de um morro, fazendo limite com um pântano, por um lado, e com a terra do vizinho, por outro. E o vizinho diz a mesma coisa", conta.

Colaborativo - Além do seu lado Google Earth, o atlas também tem uma faceta que lembra a Wikipédia, a enciclopédia da internet que pode ser editada por leigos mundo afora. "O projeto é colaborativo. Queremos que ele seja uma rede de contatos sobre a história colonial do Brasil. Isso pode incluir genealogistas, historiadores locais e outras pessoas", afirma Gil.
(Folha de São Paulo - 2/7)

ACESSE A FONTE: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=78235