Por Mônica Pileggi
Agência FAPESP – Durante um período da história brasileira, a
presença de homens e mulheres de origem centro-africana foi considerada
minoria enquanto população escrava na Bahia.
No entanto, o livro Os Rosários dos Angolas – Irmandades de africanos e crioulos na Bahia Setecentista,
da historiadora Lucilene Reginaldo, mostra que os únicos escravos que
chegaram ininterruptamente ao estado entre os séculos 18 e 19 foram os
de “nação angola” – termo utilizado na época para designar os indivíduos
provenientes de uma vasta região da África central, escravizados e
embarcados para a América a partir do porto de Luanda.
O livro, recentemente lançado pela Editora Alameda e fruto da
pesquisa de doutorado realizado na Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) pela autora – que atualmente é professora do Departamento de
Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Estadual de Feira de
Santana –, contou com o apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Publicações.
De acordo com a autora, o estudo teve como objetivo inicial a
investigação das irmandades negras na Bahia no século 18. No prefácio do
livro, a orientadora de Lucilene, Silvia Hunold Lara, professora do
Departamento de História da Unicamp, afirma que as irmandades, “em uma
sociedade escravista, eram um importante canal de expressão e
preservação de valores e anseios religiosos, sociais e políticos”.
“A proposta foi estudar a irmandade como um espaço importante tanto
de vivências como de reelaborações das entidades étnicas oriundas da
África e das que foram construídas na diáspora”, disse Lucilene à Agência FAPESP.
“Ao longo da pesquisa, observei que o grupo de africanos conhecido
como ‘angolas’ se destacava na Bahia. Eles aparecem de forma recorrente
nos arquivos portugueses, criando e organizando irmandades ao longo do
século 18, especialmente as dedicadas a Nossa Senhora do Rosário, que
eram as mais populares da época”, completou.
No primeiro capítulo do livro, a autora trata da importância das
devoções católicas e da participação em irmandades e confrarias na
constituição da experiência escrava no império português. Lucilene faz
uma breve exposição sobre a conversão do Reino do Congo e o movimento de
expansão do catolicismo na África Central, além de explicar a
importância e o significado das irmandades e devoções negras no Reino de
Angola.
No capítulo seguinte, a autora introduz ao leitor o cenário das
irmandades negras na Bahia setecentista, principalmente em Salvador. Já o
terceiro capítulo é dedicado a demonstrar a forma e a razão pelas quais
os angolas se fizeram visíveis na história das irmandades do Rosário.
No capítulo quatro, a professora procura situar o leitor sobre a
presença dos angolas na população escrava e liberta na Bahia do século
18 até meados do século 19. No texto, a pesquisadora discute as
representações criadas sobre os angolas, ao longo dos séculos, por
viajantes, traficantes e proprietários de escravos.
“Intelectuais da escola baiana de antropologia estabeleceram, no
século 19, que foram os africanos ocidentais o grupo majoritário de
escravos a chegar à Bahia. Com isso, adotou-se certa hierarquia em
relação ao continente africano, sendo os ocidentais os mais evoluídos e
os da África-Central, entre os quais das etnias banto e angola, os
primitivos, tanto do ponto de vista ideológico como religioso”, destacou
a pesquisadora.
O histórico sobre a Irmandade do Rosário das Portas do Carmo é
apresentado brevemente no quinto, e último, capítulo. Nele, a autora faz
uma análise da irmandade – que dá título ao livro – com base no acervo
composto de diversos livros de associados e que compreende um período de
107 anos (de 1719 a 1826).
“Sem dúvida, a maior parte dos escravos africanos que chegaram à
América portuguesa veio da África Central. Do ponto de vista numérico, a
importância desses povos ainda é pouco avaliada, assim como a
contribuição e a influência dos angolas no campo religioso e no
cultural”, conclui a professora.
Os Rosários dos Angolas – Irmandades de africanos e crioulos na Bahia Setecentista
Autora: Lucilene Reginaldo
Lançamento: 2011
Preço: R$ 55
Páginas: 399
Mais informações: www.alamedaeditorial.com.br