LANÇAMENTO: REVISTA DA ABPN

Apresentação / Revista da ABPN - v. 1, n. 1 - mar-jun de 2010

É isso, conseguimos! Aqui está o primeiro número da Revista da ABPN! É com grande alegria e orgulho que chegamos a este momento. Há tempos que a produção de intelectuais negras e negros merece contar com um espaço como este no Brasil. Demos, então, mais um passo. Nosso profundo desejo agora é garantir a manutenção e o crescimento da conquista. Sabemos que, para isso, tanto ou mais esforço será necessário e vamos em frente.
Nossa empreitada intelectual é, portanto e desde o início, política. Eis o que orientou a escolha temática do número inaugural: experiências de mulheres negras na produção do conhecimento. Entendemos que raça e gênero têm servido como eixos de diferenciação negativa, consolidados nas práticas teóricas e cotidianas responsáveis por excluir sistematicamente mulheres negras dos sistemas de pensamento, negando-as como sujeitos de conhecimento científico e dificultando, sobremaneira, seu acesso às posições de poder.
Na trilha de Lélia Gonzalez, podemos afirmar que o empreendimento coletivo na busca por reconhecimento e visibilidade tem como nexo prioritário tirar dos cantos escondidos, das sobras, das brechas, o pensamento da mulher negra e colocá-lo no centro do debate. Ao fazermos esse movimento, insurgem-se vozes que destituem os discursos hegemônicos. Vozes de mulheres negras ecoam de diversos espaços, reverberando modos de se colocar no mundo, contrariando destinos pré-fixados.
De uma forma ou de outra, são muitas as mulheres negras que instituíram um domínio de atuação do qual somos todas herdeiras e herdeiros, um domínio próprio, que não deita raízes apenas no movimento negro, tampouco é absorvido completamente pela perspectiva feminista. Como adequadamente disse Sueli Carneiro, é a demarcação de um terceiro lugar, uma identidade que se forma da intersecção desses e outros vetores.
Seja nos termos dos debates de gênero, do feminismo negro ou da perspectiva feminina de construção de saberes, os textos aqui publicados compõem um mosaico interessante dessas possibilidades.
Valendo-se do acúmulo reflexivo produzido por mulheres negras, em sua heterogeneidade de experiências, desde a escravidão ao século XXI, e atenta aos processos de circulação e desenvolvimento dessas idéias, Jurema Werneck principia seu artigo colocando em suspenso a legitimidade da lógica do saber individualizado e individualista. Trata-se de um posicionamento indispensável para a análise que faz em seguida das formas de resistência feminina negra, em especial dos modos como as mulheres conseguiram acessar a indústria da música popular brasileira e difundir seus modos de estar, compreender e atuar no cotidiano. Em chave próxima, Kia Lilly Caldwel discute as origens e condições de desenvolvimento dos estudos sobre a mulher negra no Brasil e nos Estados Unidos. Reflete sobre as perspectivas abertas pelo aumento do ingresso de estudantes negras nos espaços acadêmicos dos dois países e o impacto que isso pode gerar no sentido de potencializar tal campo de estudos.
Em "Vozes soantes no Rio de Janeiro, São Paulo e Florianópolis: mulheres negras no pós 1945", Joselina da Silva dialoga sobre a atuação de três lideranças negras: Maria de Lurdes Nascimento, do Congresso Nacional de Mulheres Negras, no Rio de Janeiro; Nair Theodora Araújo da Associação Cultural do Negro, em São Paulo; e Antonieta de Barros, deputada estadual negra, por Santa Catarina. A controversa vida da dramaturga estadunidense Lorraine Hansberry, expressa em sua obra - com destaque para a peça A Raisin in the Sun -, figura como centro do debate apresentado por Omi Osun Joni L. Jones sobre os caminhos trilhados e as possibilidades das lutas contra o racismo, o sexismo e o imperialismo, da perspectiva de diferentes sujeitos sociais. A trajetória de Lélia Gonzáles, por sua vez, serve como ponto de partida para Elizabeth do Espírito Santo Viana expor suas considerações sobre a persistente atuação de intelectuais negras e a emergência do feminismo negro nos anos 1970 e 1980. O feminismo negro também é o ponto de partida do artigo Ana Angélica Sebastião, que analisa os discursos de três organizações de mulheres negras brasileiras - Criola, no Rio de Janeiro, Geledés, em São Paulo, e Casa de Cultura da Mulher Negra, em Santos - emitidos em produtos de comunicação.
Outros modos de reflexão sobre a experiência feminina negra são apresentados por Mayra Santos-Febres, em seu artigo "Mais mulher que todas!"; e Edwidge Danticat, em "Somos Feias, Mas Estamos Aqui" - textos fundados em lembranças de sabores, dissabores e resistências expressos por meio de trajetórias de mulheres negras nas Américas. Andréia Lisboa também promove um diálogo semelhante, ao aproximar-se do livro de memórias de Maria de los Reyes Castillo Bueno, Reyita, mulher negra cubana que viveu intensamente o século XX e fina sintonia com o legado de seus antepassados.
A última parte deste número traz resenha de Tatiana Nascimento dos Santos do livro organizado por Elisa Larkin Nascimento, Guerreiras de Natureza: mulher negra, religiosidade e ambiente, terceiro volume da Coleção Sankofa. Santos destaca a importância das perspectivas femininas sobre história e cultura afro-brasileiras, sobretudo no contexto de implementação da Lei n. 10.639/03. Temos, por fim, a entrevista de Michele Lopes da Silva feita por Eliane Cavalleiro, na qual a mestre em Educação pela UFMG fala sobre trajetórias de mulheres negras e os desafios enfrentados nos processos de construção de conhecimento.

Desejamos a todas e todos uma boa leitura!
Ana Flávia Magalhães Pinto e Eliane Cavalleiro