Parecer sobre a Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental, ADPF/186, apresentada ao Supremo Tribunal Federal
Luiz Felipe de Alencastro
Cientista Político e Historiador
Professor titular da cátedra de História do Brasil
da Universidade de Paris IV Sorbonne
No presente ano de 2010, os brasileiros
afro-descendentes, os cidadãos que se auto-definem como pretos e pardos no
recenseamento nacional, passam a formar a maioria da população do país. A
partir de agora -, na conceituação consolidada em décadas de pesquisas e de
análises metodológicas do IBGE -, mais da metade dos brasileiros são negros.
Esta mudança vai muito além da demografia. Ela traz
ensinamentos sobre o nosso passado, sobre quem somos e de onde viemos, e traz
também desafios para o nosso futuro.
Minha
fala tentará juntar os dois aspectos do problema, partindo de um resumo
histórico para chegar à atualidade e ao julgamento que nos ocupa. Os
ensinamentos sobre nosso passado, referem-se à densa presença da população
negra na formação do povo brasileiro. Todos nós sabemos que esta presença
originou-se e desenvolveu-se na violência. Contudo, a extensão e o impacto do
escravismo não tem sido suficientemente sublinhada. A petição inicial de
ADPF apresentada pelo DEM a esta Corte fala genéricamente sobre “o racismo
e a opção pela escravidão negra » (pp. 37-40), sem considerar a
especificidade do escravismo em nosso país.
Na realidade, nenhum país americano praticou a
escravidão em tão larga escala como o Brasil. Do total de cerca de 11 milhões
de africanos deportados e chegados vivos nas Américas, 44% (perto de 5 milhões)
vieram para o território brasileiro num período de três séculos (1550-1856). O
outro grande país escravista do continente, os Estados Unidos, praticou o
tráfico negreiro por pouco mais de um século (entre 1675 e 1808) e recebeu uma
proporção muito menor -, perto de 560.000 africanos -, ou seja, 5,5% do total
do tráfico transatlantico.[1] No final das
contas, o Brasil se apresenta como o agregado político americano que captou o
maior número de africanos e que manteve durante mais tempo a escravidão.
Durante estes três séculos, vieram para este lado
do Atlântico milhões de africanos que, em meio à miséria e ao sofrimento, tiveram
coragem e esperança para constituir as famílias e as culturas formadoras de uma
parte essencial do povo brasileiro. Arrancados para sempre de suas famílias, de
sua aldeia, de seu continente, eles foram deportados por negreiros
luso-brasileiros e, em seguida, por traficantes genuinamente brasileiros que os
trouxeram acorrentados em navios arvorando o auriverde pendão de nossa terra,
como narram estrofes menos lembradas do poema de Castro Alves.
No
século XIX, o Império do Brasil aparece ainda como a única nação independente
que praticava o tráfico negreiro em larga escala. Alvo da pressão diplomática e
naval britânica, o comércio oceânico de africanos passou a ser proscrito por
uma rede de tratados internacionais que a Inglaterra teceu no Atlântico. [2]
O tratado anglo-português de 1818 vetava o tráfico
no norte do equador. Na sequência do tratado anglo-brasileiro de 1826, a lei de 7 de
novembro de 1831, proibiu a totalidade do comércio atlântico de africanos no
Brasil.
Entretanto, 50.000 africanos oriundos do norte do
Equador são ilegalmente desembarcados entre 1818 e 1831, e 710.000 indivíduos,
vindos de todas as partes da África, são trazidos entre 1831 e 1856, num
circuito de tráfico clandestino. Ora, da mesma forma que o tratado de 1818, a lei de 1831
assegurava plena liberdade aos africanos introduzidos no país após a proibição.
Em conseqüência, os alegados proprietários desses indivíduos livres eram
considerados sequestradores, incorrendo nas sanções do artigo 179 do «Código
Criminal», de 1830, que punia o ato de “reduzir à escravidão a pessoa livre que
se achar em posse de sua liberdade ». A lei de 7 de novembro 1831 impunha
aos infratores uma pena pecuniária e o reembôlso das despesas com o reenvio do
africano sequestrado para qualquer porto da África. Tais penalidades são
reiteradas no artigo 4° da Lei de 4 de setembro de 1850, a lei Eusébio de
Queirós que acabou definitivamente com o tráfico negreiro.
Porém, na década de 1850, o governo imperial
anistiou, na prática, os senhores culpados do crime de seqüestro, mas deixou
livre curso ao crime correlato, a escravização de pessoas livres.[3] De golpe, os 760.000 africanos desembarcados
até 1856 -, e a totalidade de seus descendentes -, continuaram sendo mantidos
ilegalmente na escravidão até 1888[4]. Para
que não estourassem rebeliões de escravos e de gente ilegalmente escravizada,
para que a ilegalidade da posse de cada senhor, de cada seqüestrador, não se
transformasse em insegurança coletiva dos proprietários, de seus sócios e
credores -, abalando todo o país -, era preciso que vigorasse um conluio geral,
um pacto implícito em favor da violação da lei. Um pacto fundado nos
“interesses coletivos da sociedade”, como sentenciou, em 1854, o ministro da
Justiça, Nabuco de Araújo, pai de Joaquim Nabuco.
O tema subjaz aos debates da época. O próprio
Joaquim Nabuco -, que está sendo homenageado neste ano do centenário de sua
morte -, escrevia com todas as letras em “O Abolicionismo” (1883): “Durante
cinqüenta anos a grande maioria da propriedade escrava foi possuída
ilegalmente. Nada seria mais difícil aos senhores, tomados coletivamente, do
que justificar perante um tribunal escrupuloso a legalidade daquela
propriedade, tomada também em massa”[5].
Tal “tribunal escrupuloso” jamais instaurou-se nas
cortes judiciárias, nem tampouco na historiografia do país. Tirante as ações
impetradas por um certo número de advogados e magistrados abolicionistas, o
assunto permaneceu encoberto na época e foi praticamente ignorado pelas
gerações seguintes.
Resta que este crime coletivo guarda um significado
dramático: ao arrepio da lei, a maioria dos africanos cativados no Brasil a
partir de 1818 -, e todos os seus descendentes -, foram mantidos na
escravidão até 1888. Ou seja, boa parte das duas últimas gerações de indivíduos
escravizados no Brasil não era escrava. Moralmente ilegítima, a escravidão do
Império era ainda -, primeiro e sobretudo -, ilegal. Como escreví, tenho para
mim que este pacto dos sequestadores constitui o pecado original da sociedade e
da ordem jurídica brasileira.[6]
Firmava-se duradouramente o princípio da impunidade
e do casuísmo da lei que marca nossa história e permanece como um desafio
constante aos tribunais e a esta Suprema Corte. Consequentemente, não são só os
negros brasileiros que pagam o preço da herança escravista.
Outra deformidade gerada pelos “males que a
escravidão criou”, para retomar uma expressão de Joaquim Nabuco, refere-se à
violência policial.
Para expor o assunto, volto ao século XIX,
abordando um ponto da história do direito penal que os ministros desta Corte
conhecem bem e que peço a permissão para relembrar.
Depois da Independência, no Brasil, como no sul dos
Estados Unidos, o escravismo passou a ser consubstancial ao State building, à
organização das instituições nacionais. Houve, assim, uma modernização do
escravismo para adequá-lo ao direito positivo e às novas normas ocidentais que
regulavam a propriedade privada e as liberdades públicas. Entre as múltiplas
contradições engendradas por esta situação, uma relevava do Código Penal: como
punir o escravo delinqüente sem encarcerá-lo, sem privar o senhor do usufruto
do trabalho do cativo que cumpria pena prisão?
Para solucionar o problema, o quadro legal foi
definido em dois tempos. Primeiro, a Constituição de 1824 garantiu, em
seu artigo 179, a
extinção das punições físicas constantes nas aplicações penais portuguesas.
“Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e
todas as mais penas cruéis”; a Constituição também prescrevia: “as cadeias
serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos
réus, conforme suas circunstâncias e natureza de seus crimes”.
Conforme os princípios do Iluminismo, ficavam assim
preservadas as liberdades e a dignidade dos homens livres.
Num segundo tempo, o Código Criminal de 1830 tratou
especificamente da prisão dos escravos, os quais representavam uma forte
proporção de habitantes do Império. No seu artigo 60, o Código reatualiza
a pena de tortura. “Se o réu for escravo e incorrer em pena que não seja a
capital ou de galés, será condenado na de açoites, e depois de os sofrer, será
entregue a seu senhor, que se obrigará a trazê-lo com um ferro pelo tempo e
maneira que o juiz designar, o número de açoites será fixado na sentença e o
escravo não poderá levar por dia mais de 50” . Com o açoite, com a tortura, podia-se
punir sem encarcerar: estava resolvido o dilema.
Longe de restringir-se ao campo, a escravidão
também se arraigava nas cidades. Em 1850, o Rio de Janeiro contava 110.000
escravos entre seus 266.000 habitantes, reunindo a maior concentração urbana de
escravos da época moderna. Neste quadro social, a questão da segurança pública
e da criminalidade assumia um viés específico.[7]
De maneira mais eficaz que a prisão, o terror, a ameça do açoite em público,
servia para intimidar os escravos.
Oficializada até o final do Império, esta prática
punitiva estendeu-se às camadas desfavorecidas, aos negros em particular e aos
pobres em geral. Junto
com a privatização da justiça efetuada no campo pelos fazendeiros, tais
procedimentos travaram o advento de uma política de segurança pública fundada
nos princípios da liberdade individual e dos direitos humanos.
Enfim, uma terceira deformidade gerada pelo
escravismo afeta diretamente o estatuto da cidadania.
É sabido que nas eleições censitárias de dois graus ocorrendo no Império, até a
Lei Saraiva, de 1881, os analfabetos, incluindo negros e mulatos alforriados,
podiam ser votantes, isto é, eleitores de primeiro grau, que elegiam eleitores
de 2° grau (cerca de 20.000 homens em 1870), os quais podiam eleger e ser
eleitos parlamentares. Depois de 1881, foram suprimidos os dois graus de
eleitores e em 1882, o voto dos analfabetos foi vetado. Decidida no contexto
pré-abolicionista, a proibição buscava criar um ferrolho que barrasse o acesso
do corpo eleitoral à maioria dos libertos. Gerou-se um estatuto de
infracidadania que perdurou até 1985, quando foi autorizado o voto do
analfabeto. O conjunto dos analfabetos brasileiros, brancos e negros, foi
atingido.[8] Mas a exclusão política foi
mais impactante na população negra, onde o analfabetismo registrava, e continua
registrando, taxas proporcionalmente bem mais altas do que entre os brancos.[9]
Pelos motivos apontados acima, os ensinamentos do
passado ajudam a situar o atual julgamento sobre cotas universitárias na
perspectiva da construção da nação e do sistema politico de nosso país.
Nascidas no século XIX, a partir da impunidade garantida aos proprietários de
indivíduos ilegalmente escravizados, da violência e das torturas infligidas aos
escravos e da infracidadania reservada ao libertos, as arbitrariedades
engendradas pelo escravismo submergiram o país inteiro.
Por isso, agindo em sentido inverso, a redução das
discriminações que ainda pesam sobre os afrobrasileiros -, hoje majoritários no
seio da população -, consolidará nossa democracia.
Portanto, não se trata aqui de uma simples lógica
indenizatória, destinada a quitar dívidas da história e a garantir direitos
usurpados de uma comunidade específica, como foi o caso, em boa medida, nos
memoráveis julgamentos desta Corte sobre a demarcação das terras indígenas. No
presente julgamento, trata-se, sobretudo, de inscrever a discussão sobre a
política afirmativa no aperfeiçoamento da democracia, no vir a ser da nação.
Tais são os desafios que as cotas raciais universitárias colocam ao nosso
presente e ao nosso futuro.
Atacando as cotas universitárias, a ADPF do DEM,
traz no seu ponto 3 o seguinte título « o perigo da importação de modelos :
os exemplos de Ruanda e dos Estados Estados Unidos da América » (pps.
41-43). Trata-se de uma comparação absurda no primeiro caso e inepta no
segundo.
Qual o paralelo entre o Brasil e Ruanda, que
alcançou a independência apenas em 1962 e viu-se envolvido, desde 1990, numa
conflagração generalizada que os especialistas denominam a « primeira
guerra mundial africana », implicando também o Burundi, Uganda, Angola, o
Congo Kinsasha e o Zimbabuê, e que culminou, em 1994, com o genocídio de quase
1 milhão de tutsis e milhares de hutus ruandenses ?
Na comparação com os Estados Unidos, a alegação é
inepta por duas razões. Primeiro, os Estados Unidos são a mais antiga
democracia do mundo e servem de exemplo a instituições que consolidaram o
sistema político no Brasil. Nosso federalismo, nosso STF -, vosso STF – são
calcados no modelo americano. Não há nada de “perigoso” na importação de
práticas americanas que possam reforçar nossa democracia. A segunda razão da
inépcia reside no fato de que o movimento negro e a defesa dos direitos dos
ex-escravos e afrodescendentes tem, como ficou dito acima, raízes profundas na
história nacional. Desde o século XIX, magistrados e advogados brancos e negros
tem tido um papel fundamental nesta reinvidicações.
Assim, ao contrário do que se tem dito e escrito, a
discussão relançada nos anos 1970-1980 sobre as desigualdades raciais é muito
mais o resultado da atualização das estatísticas sociais brasileiras, num
contexto de lutas democráticas contra a ditadura, do que uma propalada « americanização »
do debate sobre a discriminação racial em nosso país. Aliás, foram estas mesmas
circunstâncias que suscitaram, na mesma época, os questionamentos sobre a
distribuição da renda no quadro do alegado « milagre econômico ».
Havia, até a realização da primeira PNAD incluindo o critério cor, em 1976, um
grande desconhecimento sobre a evolução demográfica e social dos
afrodescendentes.
De fato, no Censo de 1950, as estatísticas sobre
cor eram limitadas, no Censo de 1960, elas ficaram inutilizadas e no Censo de
1970 elas eram inexistentes. Este longo período de eclipse estatística
facilitou a difusão da ideologia da “democracia racial brasileira”, que
apregoava de inexistência de discriminação racial no país. Todavia, as PNADs de
1976, 1984, 1987, 1995, 1999 e os Censos de 1980, 1991 e 2000, incluíram o
critério cor. Constatou-se, então, que no decurso de três décadas, a
desigualdade racial permanecia no quadro de uma sociedade mais urbanizada, mais
educada e com muito maior renda do que em 1940 e 1950. Ou seja, ficava provado
que a desigualdade racial tinha um carácter estrutural que não se reduzia com
progresso econômico e social do país. Daí o adensamento das reinvidicações da
comunidade negra, apoiadas por vários partidos políticos e por boa parte dos
movimentos sociais.
Nesta perspectiva, cabe lembrar que a democracia, a
prática democrática, consiste num processo dinâmico, reformado e completado ao
longo das décadas pelos legisladores brasileiros, em resposta às aspirações da
sociedade e às iniciativas de países pioneiros. Foi somente em 1932 -,
ainda assim com as conhecidas restrições suprimidas em 1946 -, que o voto
feminino instaurou-se no Brasil. Na época, os setores tradicionalistas alegaram
que a capacitação política das mulheres iria dividir as famílias e perturbar a
tranquilidade de nação. Pouco a pouco, normas consensuais que impediam a plena
cidadania e a realização profissional das mulheres foram sendo reduzidas,
segundo o preceito -, aplicável também na questão racial -, de que se deve
tratar de maneira desigual o problema gerado por uma situação desigual.
Para além do caso da política de cotas da UNB, o
que está em pauta neste julgamento são, a meu ver, duas questões essenciais.
A primeira é a seguinte : malgrado a
inexistência de um quadro legal discriminatório a população afrobrasileira é
discriminada nos dias de hoje?
A resposta está retratada nas creches, nas ruas,
nas escolas, nas universidades, nas cadeias, nos laudos dos IML de todo o
Brasil. Não me cabe aqui entrar na análise de estatísticas raciais, sociais e
econômicas que serão abordadas por diversos especialistas no âmbito desta
Audiência Pública. Observo, entretanto, que a ADPF apresentada pelo DEM, na
parte intitulada « A manipulação dos indicadores sociais envolvendo a raça »
(pp. 54-59), alinha algumas cifras e cita como única fonte analítica, o livro
do jornalista Ali Kamel, o qual, como é sabido, não é versado no estudo das
estatísticas do IBGE, do IPEA, da ONU e das incontáveis pesquisas e teses
brasileiras e estrangeiras que demonstram, maciçamente, a existência de
discriminação racial no Brasil.
Dai decorre a segunda pergunta que pode ser
formulada em dois tempos. O sistema de promoção social posto em prática
desde o final da escravidão poderá eliminar as desigualdades que cercam os
afrobrasileiros? A expansão do sistema de bolsas e de cotas pelo critério
social provocará uma redução destas desigualdades ?
Os dados das PNAD organizados pelo IPEA mostram, ao
contrário, que as disparidades se mantém ao longo da última década. Mais ainda,
a entrada no ensino superior exacerba a desigualdade racial no Brasil.
Dessa forma, no ensino fundamental (de 7 a 14 anos), a diferença entre
brancos e negros começou a diminuir a partir de 1999 e em 2008 a taxa de frequência
entre os dois grupos é praticamente a mesma, em torno de 95% e 94%
respectivamente. No ensino médio (de 15 a 17 anos) há uma diferença quase constante
desde entre 1992 e 2008. Neste último ano, foram registrados 61,0% de alunos
brancos e 42,0% de alunos negros desta mesma faixa etária. Porém, no ensino
superior a diferença entre os dois grupos se escancara. Em 2008, nas faixas
etárias de brancos maiores de 18 anos de idade, havia 20,5% de estudantes
universitários e nas faixas etárias de negros maiores de 18 anos, só 7,7% de
estudantes universitários.[10] Patenteia-se
que o acesso ao ensino superior constitui um gargalo incontornável para a
ascensão social dos negros brasileiros.
Por todas estas razões, reafirmo minha adesão ao
sistema de cotas raciais aplicado pela Universidade de Brasília.
Penso
que seria uma simplificação apresentar a discussão sobre as cotas raciais como
um corte entre a esquerda e a direita, o governo e a oposição ou o PT e o PSDB.
Como no caso do plebiscito de 1993, sobre o presidencialismo e o parlamentarismo,
a clivagem atravessa as linhas partidárias e ideológicas. Aliàs, as primeiras
medidas de política afirmativa relativas à população negra foram tomadas, como
é conhecido, pelo governo Fernando Henrique Cardoso.
Como deixei claro, utilizei vários estudos do IPEA
para embasar meus argumentos. Ora, tanto o presidente do IPEA no segundo
governo Fernando Henrique Cardoso, o professor Roberto Borges Martins, como o
presidente do IPEA no segundo governo Lula, o professor Márcio Porchman -,
colegas por quem tenho respeito e admiração -, coordenaram vários estudos
sobre a discriminação racial no Brasil nos dias de hoje e são ambos favoráveis
às políticas afirmativas e às políticas de cotas raciais.
A existência de alianças transversais deve nos
conduzir -, mesmo num ano de eleições -, a um debate menos ideologizado, onde
os argumentos de uns e de outros possam ser analisados a fim de contribuir para
a superação da desigualdade racial que pesa sobre os negros e a democracia
brasileira.
[1].Ver
o Database da Universidade de Harvard acessível no sítio http://www.slavevoyages.org/ tast/index.faces
[2].
Demonstrando um grande desconhecimento da história pátria e supercialidade em
sua argumentação, a petição do DEM afirma na página 35: “Por que não
direcionamos a Portugal e à Inglaterra a indenização a ser devida aos
afrodescendentes, já que foram os portugueses e os ingleses quem organizaram o
tráfico de escravos e a escravidão no Brasil?”. Como é amplamente conhecido, os
ingleses não tiveram participação no escravismo brasileiro, visto que o tráfico
negreiro constituía-se como um monopólio português, com ativa participação
brasileira no século XIX. Bem ao contrário, por razões que não cabe desenvolver
neste texto, a Inglaterra teve um papel decisivo na extinção do tráfico
negreiro para o Brasil
[3].
A. Perdigão Malheiro, A Escravidão no Brasil – Ensaio Histórico, Jurídico,
Social (1867), Vozes, Petrópolis, R.J., 1976, 2 vols. , v. 1, pp. 201-222.
Numa mensagem confidencial ao presidente da província de São Paulo, em 1854,
Nabuco de Araújo, ministro da Justiça, invoca “os interesses coletivos da
sociedade”, para não aplicar a lei de 1831, prevendo a liberdade dos africanos
introduzidos após esta data, Joaquim Nabuco, Um Estadista do Império
(1897-1899), Topbooks, Rio de Janeiro, 1997, 2 vols., v. 1, p. 229, n. 6
[4] . Beatriz
G. Mamigonian, comunicação no seminário do Centre d’Études du Brésil et de
l’Atlantique Sud, Université de Paris IV Sorbonne, 21/11/2006; D.Eltis, Economic
Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade, Oxford University
Press, Oxford, U.K. 1989, appendix A, pp. 234-244.
[5] .
Joaquim Nabuco, O Abolicionismo (1883), ed. Vozes, Petrópolis, R.J.,
1977, pp 115-120, 189. Quinze anos depois, confirmando a importância primordial
do tráfico de africanos -, e da na reprodução desterritorializada da
produção escravista -, Nabuco afirma que foi mais fácil abolir a escravidão em 1888,
do que fazer cumprir a lei de 1831, id., Um Estadista do Império
(1897-1899), Rio de Janeiro, Topbooks,1997, 2 vols., v. 1, p. 228.
[6] . L.F. de Alencastro, “A desmemória e o recalque
do crime na política brasileira”, in Adauto Novaes, O Esquecimento da Política,
Agir Editora, Rio de Janeiro, 2007, pp. 321-334.
[7] .
Luiz Felipe de Alencastro, “Proletários e Escravos: imigrantes portugueses e
cativos africanos no Rio de Janeiro 1850-1870” , in Novos Estudos Cebrap, n. 21,
1988, pp. 30-56;
[8] . Elza Berquó e L.F. de Alencastro, “A Emergência do Voto Negro”, Novos
Estudos Cebrap, São Paulo, nº33, 1992, pp.77-88.
[9] . O censo de 1980
mostrava que o índice de indivíduos maiores de cinco anos "sem instrução
ou com menos de 1 ano de instrução" era de 47,3% entre os pretos, 47,6%
entre os pardos e 25,1% entre os brancos. A desproporção reduziu-se em seguida,
mas não tem se modificado nos últimos 20 anos. Segundo as PNADs, em 1992,
verificava-se que na população maior de 15 anos, os brancos analfabetos representavam
4,0 % e os negros 6,1 %, em 2008 as taxas eram, respectivamente de 6,5% e 8,3%.
O aumento das taxas de analfabetos provém, em boa parte, do fato que a partir
de 2004, as PNADs passa a incorporar a população rural de Rondônia, Acre,
Amazonas,Roraima, Pará e Amapá. Dados extraídos das tabelas do IPEA.
[10] . Dados fornecidos pelo pesquisador do IPEA, Mario
Lisboa Theodoro, que também participa desta Audiência Pública.