Sem exclusão, programa valoriza negros

 
Aqueles que se opõem às políticas de cotas "raciais" já implementadas por algumas universidades brasileiras tendem, por vezes, a também criticar iniciativas identitárias dos negros no país, como revistas ou produtos específicos para esse grupo social, ou mesmo discursos e estudos que reforcem a distinção entre afrodescendentes e o restante da população.

Um dos argumentos contra as medidas de ação afirmativa é o de que elas desrespeitam o princípio moderno de igualdade perante a lei para todos os cidadãos. Trata-se de um valor inquestionável -mas pode ser discutido se as cotas de fato subvertem a sua vigência.

Já a ideia de afirmação da identidade negra acaba sendo rechaçada por outras razões, menos ligadas à letra da lei.
Transparece muitas vezes, entre os seus críticos, a suposição de uma ligação entre autovalorização dos negros e estímulos implícitos a ódios e conflitos relacionados à cor da pele no Brasil, país que teria conseguido evitar esses extremos.
Em alguns casos, mais radicais, chega mesmo a ser insinuada a presença de racismo na autoafirmação de negros.
Ocorre que a autovalorização identitária já está em curso e dá as caras na TV. Nos raros programas em que alguma afirmação dos negros acontece, os temores dos que a ela se opõem não são confirmados.
Ao apresentar "Espelho", no Canal Brasil, Lázaro Ramos entrevista negros, sobretudo. E trata, ocasionalmente, dos efeitos sociais da cor de sua pele. Mas também conversa com pessoas que os brasileiros diriam brancas. E seus assuntos são, em regra, os mesmos.

Já esteve por lá Abdias do Nascimento, fundador do Teatro Experimental do Negro. Como também Tom Zé. Pelos olhos do apresentador, que viajou a Washington no início de 2009, pudemos acompanhar a posse de Barack Obama. Quem dirá que isso não é um privilégio? Não era por esses olhos que devíamos testemunhar aquele momento histórico?

A calma, a generosidade e a atenção de Ramos são sempre as mesmas, independentemente de quem seja o interlocutor. Há valorização da identidade negra, mas não há exclusão, ou contraposição em relação aos brancos.
Mais que identidades, a TV cria identificação. A engenhosidade de "Espelho" contribui para aumentar a eficácia do mecanismo. Dado o modo como o programa é conduzido, abre-se a possibilidade de brancos nos sentirmos parecidos e próximos de Ramos, mesmo que não tenhamos seu talento.