Arquivo Público do Estado da Bahia, cronologia histórica de uma morte anunciada.

Criado em 16 de janeiro de 1890, no governo de Manuel Victorino, o Arquivo Público do Estado da Bahia já causava debates acalorados entre os nobres deputados da Assembleia Provincial. Na sessão ordinária de número 76, realizada em 30 de julho de 1889, a discussão corria entono da contenção de gastos, a criação de um Arquivo Público entrava na pauta como um estorvo desnecessário e oneroso; nesse sentido exclamava o Sr. Deputado Aristides Borges: "Será inadiável a criação do Arquivo Público; pois esta província não tem até hoje nos diversos ramos de sua administração ocupado um lugar, não direi o primeiro do Império, mas que não é inferior ao de suas irmãs, sem que tenha um Arquivo Público, quando em ocasiões mais prósperas o poderia ter criado? Pode ser de utilidade a criação de um Arquivo Público, e não contesto; mas eu vejo que em todas as repartições há um arquivo, há um arquivo no tesouro provincial, na secretária do governo e temos a biblioteca pública. E não se arquiva coisa nenhuma nestas repartições. Vamos nos servindo com estes arquivos parciais, e quando as circunstâncias forem outras, então criaremos o arquivo público". Infelizmente esse pensamento perdura até os dias atuais. Nossos arquivos sempre foram vistos como depósitos de papéis velhos, relegados a locais insalubres e sem espaço adequado, raras são as exceções, como é o caso do Arquivo do Estado de São Paulo, projetado para tal. Em Salvador, a prefeitura local está construindo o Museu da Cidade, onde será abrigado todo o acervo do Arquivo Municipal, o qual está sendo tratado e digitalizado.

Superada a crise e cessada as discussões, em 16 de janeiro de 1890, cria-se o Arquivo Público. Em 17 de janeiro de 1891, festejava-se um ano da sua criação, para comemorar a data foi homenageado o seu criador com a colocação de sua foto no prédio da Academia de Belas Artes da Bahia, onde encontrava-se o Arquivo, localizado na Rua 28 de Setembro, à época o arquivo possuía cerca de 1 milhão de documentos, dos quais já se havia catalogado cerca de vinte mil. Também nesta ocasião discursou o seu diretor Francisco Vicente Vianna: "São estas, pois, as considerações em que hoje se acha o arquivo público do estado da Bahia, pequeno, é verdade, mas cheio de esperanças. Quando relembro as dificuldades e os desenganos com que ela desde então teve de lutar, titubeando, caindo, mas sempre se levantando". Mal sabia Francisco Vicente Vianna que o Arquivo continuaria titubeante ao longo de toda a sua história.

Desde a sua criação muitas foram as dificuldades encontradas para se manter viva a História da Bahia e do Brasil, não só o Arquivo Público, mas também a Biblioteca Púbica passou por dificuldades. Vejamos o que relatava o articulista do Diário de Notícias em 19 de abril de 1905: “Estes dois antigos monumentos, que guardam os mais preciosos documentos da nossa história e cultura intelectual, acham-se em deplorável estado: o primeiro porque, abatendo parte do teto do edifício, em que está instalado, viu-se a sua administração obrigada a remover, confusamente, para salvar de total prejuízo, o seu precioso material, e a Biblioteca, porque, retirada por força maior do consistório da Igreja Catedral, (vai por cerca de 6 anos!) ainda não foi reinstalada, achando-se a sua grande e rica livraria amontoada em um dos cômodos do pavimento inferior do Palácio do Governo”.  Em resposta, o governador José Marcelino de Souza dizia: “Quanto ao Arquivo já providenciei para os reparos do edifício, a fim de ser tudo reposto em seu competente lugar; e sobre a Biblioteca estou com todo cuidado, empenhado em reinstalá-la, convenientemente, o que já não foi possível por falta de edifício apropriado.”

Pois bem, não parava por aí, a saga continuava, e a cada despejo, parte do acervo ia se perdendo.  Dez anos depois, novo despejo, em 19 de março de 1915, o Arquivo Público é mudado para uma velha casa à Rua do Tesouro, essa era a matéria que estampava a capa do Jornal A Notícia. Vejamos de que forma isso foi relatado: “O transporte foi feito por caminhões e os montões de folhas preciosas do Arquivo eram atirados das janelas do edifício da Escola, dentro do caminhão, sem nenhum cuidado, sem nenhum carinho. A remoção terminou ontem”.  Na imagem podemos ver os documentos sendo transportados.

Passado o dano, em 1919 era anunciada a compra do antigo prédio da Associação dos Empregados do Comércio, para nele instalar o Arquivo Público, o valor pago foi de 40:000$00 (quarenta mil réis). A compra não agradou muita gente, a oposição se pronunciou através do articulista, que salientava: “Deus queira, porém, que esse dispêndio de dinheiro não seja para felicidade e gozo de algum afilhado do situacionismo que, a título de conservação, o queira presentear com um palacete para morar... de graça”.

A saga do Arquivo Público do Estado da Bahia segue ao longo dos séculos, em 2011, um risco de incêndio deixou as escuras o atual prédio, foram mais de três anos para a resolução do problema, reformas foram feitas, houve a requalificação da parte elétrica; recentemente a estrutura física do prédio passou por reforma, telhado, forro, assoalho, portas e janelas, pintura, entretanto, nada foi investido para a conservação do acervo, não há climatização, desumidificadores e o quadro de pessoal é deficitário, muitos dos funcionários estão se aposentando. O prédio também não é adequado, umidade e a proximidade com imóveis em seu entorno trazem risco ao acervo. Em 2011 foi relatado pela Direção do APEB a falta de espaço para acondicionamento de novos documentos gerados pelas repartições públicas: “Essa avaliação é feita por Comissões de Avaliações, formadas em cada órgão do Estado”, explicou ao A Tarde a coordenadora de Arquivos Intermediários, Adriana Souza Silva. O local que padece de espaço também não tem estrutura física para esta atividade. Para prevenir incêndios, devido à condição precária de rede elétrica, o primeiro andar do prédio está sem iluminação há dez dias". Estamos em 2021, o que vem sendo feito de toda a documentação produzida nas centenas de repartições públicas do Estado? Para onde estão indo esses acervos? Que história iremos contar sobre? A solução foi realizar uma triagem do que se receberia: “Para não se perder os documentos mais importantes, uma seleção do que entra começou a ser feita em 2010, com o Programa Estadual de Gestão de Documentos, que orienta órgão e entidades da administração pública sobre os procedimentos necessários para o armazenamento arquivístico”. Como se define qual documento é mais importante? Quem o define? O que o define?

Chegamos em 2021 e a situação é crítica, o atual prédio do APEB está sub judice, foi dado o prazo de sessenta dias para que todo o acervo fosse relocado, será que veremos a mesma cena de 1915?

Fontes:

1 - A HORA, 11.02.1919

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=176419&pesq=%22Arquivo%20P%C3%BAblico%22&hf=memoria.bn.br&pagfis=85

 

2 - Diário da Bahia, 27.12.1889

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=801097&pesq=%22Arquivo%20P%C3%BAblico%22&hf=memoria.bn.br&pagfis=2236  

 

3 - Jornal de Notícias, 17.01.1891

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=222216&pesq=%22Arquivo%20P%C3%BAblico%22&hf=memoria.bn.br&pagfis=47  

 

4 - Jornal de Notícias, 10.02.1898

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=222216&pesq=%22Arquivo%20P%C3%BAblico%22&hf=memoria.bn.br&pagfis=1296

 

5 - A Notícia, 09.03.1915

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=720160&pesq=%22Arquivo%20P%C3%BAblico%22&hf=memoria.bn.br&pagfis=874  

 

6 - A Notícia, 13.03.1915

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=720160&pesq=%22Arquivo%20P%C3%BAblico%22&hf=memoria.bn.br&pagfis=930  

 

7 - Arquivo Público de Paracatu - MG

https://paracatumemoria.wordpress.com/2011/12/05/arquivo-publico-da-bahia-tem-capacidade-de-acondicionamento-documental-esgotada/

 

8 - Pesquisando a História

https://uranohistoria.blogspot.com/2014/02/suspensao-de-atendimento-externo-no.html

 

 

 

  

 

LANÇAMENTO: REVOLTAS ESCRAVAS NO BRASIL

 

REVOLTAS ESCRAVAS NO BRASIL

Org. João José Reis e Flávio dos Santos Gomes

Catorze ensaios sobre as lutas da resistência escrava no Brasil analisam as maiores insurreições contra o regime escravocrata e investigam suas causas, protagonistas e consequências. 

Em 1888, a vitória da causa abolicionista, materializada por uma lei imperial, ajudou a propalar a mitologia histórica de que a libertação dos escravizados ocorreu sem lutas e derramamento de sangue. Os ensaios reunidos por João José Reis e Flávio dos Santos Gomes neste livro comprovam justamente o contrário.


Embora a história dos quilombos já possua bibliografia ampla e bem estabelecida, as revoltas e conspirações nas senzalas, modalidade mais aguda e violenta da resistência negra, têm sido menos estudadas e compreendidas. Até a abolição, milhares de cativos e cativas se irmanaram para protestar e, na maior parte dos casos, resistir violentamente contra a tirania escravista.

Reunião de ensaios que abordam os principais levantes e conspirações que solaparam o regime escravagista, Revoltas escravas no Brasil procura compreender as origens e anseios dos heroicos personagens que arriscaram a vida para resistir à opressão.

 

Com ensaios de: Eduardo Spiller Pena, Flávio dos Santos Gomes, Iacy Maia Mata, Isadora Moura Mota, João José Reis, Luiz Geraldo Silva, Lara de Melo dos Santos, Luiz Felipe de Alencastro, Marcos Ferreira de Andrade, Maria Helena P. T. Machado, Mário Maestri, Paulo Roberto Staudt Moreira, Ricardo Pirola, Ricardo Tadeu Caires Silva, Thiara Bernardo Dutra e Yuko Miki.

JOÃO JOSÉ REIS é historiador e professor da UFBA. Dele, a Companhia das Letras publicou, entre outros, A morte é uma festa (1991), pelo qual recebeu os prêmios Jabuti (categoria ensaio) e Haring (melhor obra historiográfica latino-americana), Rebelião escrava no Brasil (2003) e Ganhadores (2019). Em 2017, pelo conjunto de sua obra, o autor ganhou o prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras.

 

FLÁVIO DOS SANTOS GOMES é historiador e professor da UFRJ. Escreveu, entre outros livros, A hidra e os pântanos (2006) e O alufá Rufino (2011), com João José Reis e Marcus J. M. de Carvalho. Organizou, com Lilia M. Schwarcz, o Dicionário da escravidão e liberdade (2018) e a Enciclopédia negra (2021), que contou também com a colaboração de Jaime Lauriano.

 SERVIÇO:

Revoltas escravas no Brasil, Vários autores; Organização João José Reis e Flávio dos Santos Gomes

Número de páginas: 672

Preço: R$ 109,90 / e-book: 44,90

Lançamento: 17/09/21

 

 

 

 

 

Assessoria de comunicação

Grupo Companhia das Letras

Mariana Figueiredo – Tamiris Busato

Telefone: (11) 3707-3513 / (21) 3993-7521

mariana.figueiredo@companhiadasletras.com.br

tamiris.busato@companhiadasletras.com.br

 

ALFORRIADA NO DENDÊ

 


Dentre o rol das alforrias condicionais encontramos as mais diversas exigências de senhores e senhoras para com seus escravos e escravas. Os alforriados por condição podiam servir aos seus senhores até morrerem, ou servir aos seus filhos; prestar serviços dos mais diversos como carregar cadeira, dentre outros. Para Thereza não foi diferente, ao ser alforriada seu senhor exigiu que quando ele retornasse à cidade de Salvador ela cozinhasse para ele. Thereza, conquistou sua alforria no dendê, e seu senhor não aguentou perder. 


Carta de Liberdade [da preta] [Thereza]

Digo eu Joze Francisco da Silva [Porto] que entre os mais bens que possuo, que entre móveis como de raiz é bem assim uma Escrava de nome Thereza de nação do Gentil da Costa, cuja escrava a forro como se fosse livre de ventre, como eu e meus herdeiros, de hoje em diante e poderão procurar, ficando ela obrigada a todo tempo que eu tornar a esta Cidade vir para minha companhia, não como Cativa, se não para me cozinhar, não tornando se não será obrigada a filho meu. Por verdade lhe passei esta de minha letra e sinal. Bahia, cinco de novembro de mil oitocentos vinte três, Joze Francisco da Silva Porto. Como testemunha João Alvares Norte, João Joze da Silva, Tabelião Motta. Bahia, vinte quatro de setembro de mil oitocentos vinte três. Simões. Eu abaixo assinado firma do atesto e jurarei em Juízo, sendo necessário em como a letra do escrito acima é do próprio Joze Francisco da Silva Porto, assim como também a outra assinatura é do próprio João Alvares Norte, Caixeiro que foi do dito. Bahia, quatro de dezembro de mil oitocentos e vinte três. Joze Francisco da Silva Porto. Bahia, quatro de dezembro de mil oitocentos e vinte e três. Joaquim de Santa Ana. Nicerio. Reconheço a letre e firma dos abaixo assinados retro por próprias. Bahia, nove de dezembro de mil oitocentos e vinte e três. Estava o sinal público em testemunho de verdade. Francisco Teixeira de Mata Bacellar. E trasladada da própria que me foi apresentada a que me reporto, a entreguei ao dito abaixo assinou, e com ela e outro oficial de Justiça esta conferi, concertei, subscrevi e assinei. Bahia, 12 de dezembro de mil oitocentos e vinte e três e Eu Francisco Teixeira da Mata Bacellar, Tabelião a subscrevi e assinei.      

Fonte: APEB, Seção Judiciária, Livro de Notas 209, página 235. 

APOIE NOSSO QUILOMBO FOTOGRÁFICO: ZUMVÍ!



Vamos contribuir para a preservação da memória negra baiana com a montagem de uma sede para Zumví Arquivo Afro Fotográfico.

 

O NEGÓCIO

Ao longo dos 30 anos o Zumví vem registrando sistematicamente as manifestações do movimento negro, e o cotidiano dos afrodescendentes em diversas temáticas e contextos populares. Principalmente a memória do movimento negro baiano e entre outros temas, compõem-se de um acervo com cerca de 30.000 negativos sobre a cultura afro-baiana. Todo material se encontra armazenado na residência do fotógrafo Lázaro Roberto, no bairro da Fazenda Grande do Retiro, infelizmente, em precárias condições de armazenamento.

 

O acervo vem recebendo outras colaborações, como a do poeta e militante Jonatas Conceição da Silva, que doou todo seu acervo, composto de 1.618 fotogramas, em P&B, e colorido, em 2006, pouco antes de seu falecimento, em 2009. O fotógrafo Rogério Conceição, desde o ano de 2016, vem contribuindo com doações de seu material fotográfico. Em 2020, o ZUMVÍ recebeu mais uma grande doação de arquivos, no campo do audiovisual e do cinema Negro. Parte do acervo do cineclubista e militante Luiz Orlando, falecido em 04/08/2006, foi doado pela sua família. Tal acervo se encontra em dois meios:  físico e digital. São dezenas de fotografias, centenas de documentos, cartazes, xerox, cadernetas e etc. Com total de 8.273 laudas.

 

Em 2020, buscando sustentabilidade, o Zumví começou um processo de organização para venda de suas fotografias. Para 2021 houve um planejamento para potencializar as vendas e organizar o acervo institucionalmente, infelizmente a Pandemia da COVID-19, fez esse planejamento ser revisto e passamos realizar algumas vendas on line, atualmente esse contato acontece por email.  Neste momento estamos em processo de construção de um e-commerce em nosso site (zumvi.com.br) para disponibilizar de maneira mais organizadas fotografias e outros produtos. Entretanto, o plano de organizar uma sede na qual possamos manter o acervo em boas condições de armazenamento, ao mesmo tempo que se possa expor e vender produtos, e realizar outras atividades de mobilização e articulação voltados à memória, precisou ser adiado um pouco. Neste momento, estamos aqui em busca de mais esse objetivo, no ajude a organizar nossa sede!

 

Como medidas de proteção à Covid-19, reforçamos que a equipe do Zumví atualmente é bastante reduzida e a montagem do espaço ocorrerá mantendo o limite estabelecido pela prefeitura de pessoas em espaço fechado.  Sempre que possível o local ficará com janelas abertas para boa circulação do ar, além do uso constante de máscaras, álcool em gel e distanciamento entre as pessoas.

 

 COMO O VALOR SERÁ UTILIZADO?

Com o recurso arrecadado pretendemos montar e manter as despesas de nossa sede por 03 meses. Atualmente temos em caixa recursos que nos permitem unicamente manter o aluguel de um pequeno espaço por alguns meses, precisamos complementar esse valor para comprar equipamentos necessários à preservação dos fotogramas, montar espaço de trabalho, como também expor as fotografias e outros produtos do Zumví para venda. Assim, precisamos comprar, móveis, equipamentos, imprimir algumas fotografias para expor no espaço, e pagar água, luz e internet por três meses, tempo enquanto acumulamos capital de giro para manter nossas contas pelos meses subsequentes.

 

Se conseguirmos atingir a Meta 02 de R$35.000,00 poderemos adquirir uma mapoteca, envelopes em cruz para tiras de negativos e contratar um consultor especializado para capacitar os membros do Zumví para acelerar o processo de higienização e digitalização dos fotogramas que estão sob a guarda do Zumví atualmente.

 

Match-funding é como uma vaquinha turbinada: uma nova modalidade de fomento, que mistura o financiamento coletivo (ou crowd-funding) com aporte de parceiros, que multiplicam a arrecadação. Para cada R$ 1 arrecadado pelos projetos selecionados por intermédio da plataforma da Benfeitoria, o Fundo Colaborativo Enfrente contribui com mais R$ 2, até que o valor de R$15.000 seja alcançado.

 ACESSE E CONTRIBUA: https://benfeitoria.com/apoieozumvi 

LANÇAMENTO: CATÁLOGO DIGITAL FOTOGRÁFICO ZUMVÍ


 

Hoje, lançamos o nosso Catálogo Digital Fotográfico! Trata-se de um livro digital que apresenta fotografias a partir da preservação e difusão do trabalho do Zumví, que sempre concentrou seu olhar para as lutas sociais e a cultura do povo negro baiano.

Convidamos você a visualizar a reunião de 30 anos de memória de preservação do povo negro baiano. Basta acessar https://www.zumvi.com.br/ e visualizar as diversificadas e inéditas faces de Salvador e do Recôncavo Baiano.

O projeto tem apoio financeiro do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura e da Fundação Pedro Calmon (Programa Aldir Blanc Bahia) via Lei Aldir Blanc, direcionada pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo, Governo Federal.

La Vai Verso: a Lavagem do Bonfim n’O Alabama (1863-1871)

 


La Vai Verso: a Lavagem do Bonfim n’O Alabama (1863-1871)

Seleção, comentários e notas

de Mariângela de Mattos Nogueira

O livro La Vai Verso: a Lavagem do Bonfim n’O Alabama (1863-1871) reúne seis poemas publicados no jornal O Alabama, que circulou durante quase três décadas na Bahia do século XIX. A publicação, em formato digital de e-book, pode ser acessada na Biblioteca Virtual Consuelo Pondé (http://200.187.16.144:8080/jspui/handle/bv2julho/1056). De autoria de Mariângela de Mattos Nogueira, o projeto é um trabalho de garimpagem e informação sobre um passado vibrante da Cidade da Bahia.

Os versos sempre bem humorados servem como mostruário dos costumes e da cultura daquele momento e merecem ser lidos para que não se esvaiam no vento do esquecimento e também porque são bons de ler. Ali, está o retrato da Bahia em estrutura literária de versos em redondilha e, também, quase como crônicas ou reportagens de acontecimentos.

O trabalho de seleção desses dizeres tão baianos produz informações sobre as quadras repletas de humor e a partir disso se sabe mais sobre a Bahia, passando-se por personagens, ruas e situações. Aparecem também os nomes de pessoas que ficaram na história, porque fizeram essa história, agora contada por Mariângela. Ao longo de toda a sua escrita, a autora encontra fundamento para o que é dito em cada estrofe, tecendo a contextualização que ajuda a colocar o leitor na cena e possibilitando que as coisas tenham nexo histórico, social, cultural.

Então, com uma escrita saborosa e precisa, bem construída, Mariângela Nogueira retoma os poemas e faz com que seus versos transportem o leitor para o que era o trajeto para o Bonfim, com todas as pândegas a que tinham direito os que acompanhavam o cortejo. É como se o leitor pudesse fazer parte do evento porque os poemas e os detalhes que os acompanham no livro são dispostos de modo complementar e descritivo do momento, seus hábitos e costumes.

Tecnicamente, o e-book tem 96 páginas. E, afetivamente, em uma cidade que em muitos cantos se desmancha por falta de uma atenção à sua memória, a proposta de fazer circular O Alabama mais uma vez, e mais especificamente a coluna Lá Vae Verso, é um respiro especialmente por ser a leitura muito passível de fruição. Lá Vae Verso vai pelo caminho que leva ao Bonfim.

O projeto tem apoio financeiro do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura e da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Programa Aldir Blanc) via Lei Aldir Blanc, direcionada pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo, Governo Federal

REVISTA AFRO-ÁSIA 63

 


Sumário

Expediente

 

Artigos

Tecendo redes imperiais: uma dimensão asiática do comércio britânico de escravos no Atlântico no século XVIII

Kazuo Kobayashi

 

A importância do café para São Tomé e Príncipe frente à proibição do comércio de escravizados pela Inglaterra

Alan de Carvalho Souza

 

Catarina Juliana e sua sociedade de culto: rituais e práticas religiosas na Angola setecentista

Daniel Precioso

 

“Com duas gejas em cada uma das fontes”: escarificações e o processo de tradução visual da diáspora jeje em Minas Gerais durante o século XVIII

Aldair Rodrigues

 

A escravidão e o acesso à terra nas concepções de Luís Antônio de Oliveira Mendes (1792-1821)

Magnus Roberto de Mello Pereira

 

"Por sua liberdade me oferece uma escrava": alforrias por substituição na Bahia, 1800-1850

João José Reis

 

Cruzando caminhos em Ibicaba: escravizados, imigrantes suíços e abolicionismo durante a Revolta dos Parceiros (São Paulo, 1856-1857)

Isadora Moura Mota

 

Inventar uma Sunnah: o Estado Islâmico, salafismo e inovação

Gilvan Figueiredo Gomes, Gilvana de Fátima Figueiredo Gomes

 

Diversidade sexual e de gênero, Estado nacional e paisagens heterotópicas no Irã: Foucault e depois

Fabiano Gontijo

 

Em busca da "redenção de Cam": racialidade e interseccionalidade numa prisão de mulheres

Wallesandra Souza Rodrigues, Alessandra Teixeira

 

Tarzan, um negro: para uma crítica da economia política do nome de “África”

Marcelo R. S. Ribeiro

 

Epistemologias para convivialidade ou Zumbificação

Fernando Baldraia

 

Biblioteca de Clássicos

Para além da sociologia e da antropologia sociocultural: sobre o lugar do mundo não ocidental em uma teoria social futura

Shalini Randeria, apresentação e tradução de Ricardo Pagliuso Regatieri

 

Resenhas

A modernidade da escravidão e o capitalismo norte-americano

Henrique Espada Lima

 

Negritude: uma identidade legal em consequência da liberdade

Luciana da Cruz Brito

 

Liberdade negada

Paulo Roberto Staudt Moreira

 

Belém, cidade negra na Amazônia

Matthias Röhrig Assunção

 

O posto de honra de Luiz Gama

Wlamyra Albuquerque

 

"Nossa história é outra como é outra nossa problemática": Beatriz Nascimento por sua obra

Lucilene Reginaldo

 

Campos de batalha intelectual e novos paradigmas do pensamento africano

Leila Leite Hernandez

 

Testemunhos e reflexões para a compreensão de Timor-Leste

Jorge Bayona

 

Aprendendo a dançar

Carlos Sandroni

 

Narrativas étnicas confluentes em literaturas das Américas

Licia Soares de Souza

 

Debate sobre a resenha de "Não somos bandidos"

Michel Cahen, Juvenal de Carvalho

ACESSE NA ÍNTEGRA: 

https://periodicos.ufba.br/index.php/afroasia/issue/view/2182/showToc 

GRACINDA, LIBERTA E SOLTA NOS BATUQUES DA BAHIA!

 


Ao alforriar sua escrava Gracinda José Luiz Bananeira acreditava que ela o serviria fielmente até a sua morte, ledo engano, o som do batuque da Bahia falou mais alto. Já liberta, mesmo sob condição, Gracinda não pensou duas vezes e partiu para o samba! Não era a primeira vez que um escravo do mesmo senhor buscava o caminho da liberdade. Em 1848 um seu escravo havia fugido e foi colocado prêmio de cinquenta réis pela sua captura, Juvêncio fugira no barco de Albino Luiz Boa-Morte em 6 de setembro do ano anterior, Juvêncio era exímio marinheiro, carapina e marceneiro; com tantas habilidades não ficaria sem serviço Bahia a fora. Gracinda também não se deixou prender pela alforria condicional, seguiu o caminho da liberdade e, segundo relato do Bananeira, encontrou na Ilha de Itaparica, na localidade do Jaburu se refúgio e diversão. Bananeira, um senhor octogenário, viria a morrer quatro anos depois, como noticiou o Monitor: José Luiz Bananeira, branco, viúvo, 82 anos, moléstia interna. Gracinda seguiu batucando e sambando no Jaburu.

José Luiz Bananeira tendo uma cria de nome Gracinda, crioula, que libertou sob condição de acompanhá-lo e servi-lo enquanto vivo for fosse, acha-se ela fugida do poder do Suplicante à seis anos, dando-se à relaxação e depravação dos batuques, sem fazer caso algum do estado valetudinário na idade octogenária dele Suplicante, caído na maior indigência e sem ter quem o sirva, pois a mesma crioula é a única que tem semelhante obrigação dentre os demais aos escravos libertos gratuitamente em número de onze.

Em tão triste situação vem implorar de Vossa Excelência a necessária providência para a captura da referida crioula Gracinda e do seu ocultador (que com ela mora à Rua Nova do Queimado e costuma leva-la para os batuques do Jaburu no Mar Grande) este afim de ser compelido ao pagamento dos dias de serviço, e aquela empregar-se na faxina da Cadeia de Santo Antônio, onde ficará à Ordem de Vossa Excelência até que corrigida possa ser alugada a alguém, visto não querer prestar os devidos serviços ao Suplicante. Dignando-se Vossa Excelência de ordenar por ofício ao Subdelegado do 1º Distrito de Santo Antônio, que faça efetiva a prisão de ambos, e proferindo o seu respeitável Despacho nesta súplica para qualquer Inspetor de Quarteirão, Guarda Nacional ou Policial também poderem prende-los agenciada a diligência pelo próprio Suplicante que submissamente. Pede a Vossa Excelência na forma implorada. E.R.M. Bahia, Abril de 1872. José Luiz Bananeira.

Documento encontrado por Lisa Earl Castillo, a quem agradeço pela contribuição para a postagem.  

Fonte: Arquivo Público do Estado da Bahia, Seção de Arquivos Colonial/Provincial, Série Polícia, Maço: 6337.

O Monitor (BA) - 1876 a 1881

Correio Mercantil : Jornal Politico, Commercial e Litterario (BA) - 1836 a 1849. 

          

UM PRÍNCIPE AFRICANO EM BUSCA DE UMA ESPOSA NA BAHIA DO SÉCULO XVIII

 

Em cumprimento das Ordens que Vossa Excelência foi servido participa-lhe, examinei do modo possível as disposições em que se acha o Príncipe Africano para receber o Batismo e que da resulta deste mesmo exame informei o Eminentíssimo Cardeal Patriarca, como Vossa Excelência me ordenara; e informei-o por escrito para ele melhor ponderar as provas que puder descobrir, e para a vista delas resolver o que julgasse, mas justo e acertado. Resta me informar também a Vossa Excelência de algumas obrigações que fiz, e que porventura por não lhe ser inteiramente inúteis para as providências que houverem de dar-se relativas ao mesmo Príncipe. Ele é, se não me engano, um homem de bom caráter, muito sincero, verdadeiro, generoso, humano, dócil; e em extrema sensível ao bem que lhe fazem, principalmente a tudo o que ele julga ser obséquio a sua pessoa. Deu-me a entender por meio do seu intérprete, que sentia não ter muito dinheiro para repartir pelos pobres no dia do seu Batismo, confessando ao mesmo tempo com sinais expressivos de gratidão que Sua Alteza lhe tinha feito mercê de mandar-lhe contribuir com todo o necessário.


Mostra-se demasiado impaciente da demora nesta Corte, dando por causa da sua impaciência o muito frio; ao qual atribui a morte do seu Parente. Diz que quer entrar na sua terra já casado, para mostrar com o seu exemplo, que cada homem deve ter só uma mulher, e que por essa mesma razão quer casar na Bahia com uma preta, que conhece ou com outra qualquer, que seja livre e que lhe agrade. Deseja que tanto o seu Batismo, como o seu Casamento se façam com aparato, e diante de muita gente, para que (diz ele, ou por ele, o seu intérprete) a todos conste a resolução que tomou. Parece-me que deveras quer abraçar a Religião dos Cristãos; mas na verdade, as ideias que dela tem, são poucas, e imperfeitas. Se ele se demorasse mais tempo nesta Corte, eu seria de parecer que algum Catequista inteligente da sua língua acabasse de o instruir nos pontos principais da doutrina Cristã, antes de se lhe ministrar o Sacramento do Batismo. Como, porém, eu julgo invencível  repugnância que ele mostra a demorar-se ainda por dias, lembrando-me o perigo da viagem, e receando que ele desconhece, e faça inútil o movimento favorável da graça, não me atrevo a decidir que lhe seja negado um Sacramento, que ele pede, e para o qual me parece estar suficientemente disposto, atendida as circunstâncias que se acha. Neste caso é necessário que vá na sua companhia algum Eclesiástico instruído e experimentado no Ministério de Catequista, que entenda e fale a sua língua, e que saiba ganhar a sua afeição e confiança.

Quando na Corte não apareça alguém com estas qualidades, poderá, talvez, aparecer na Bahia, onde será menos dificultoso fazê-lo demorar até que acabe de instruir-se, e se disponha, como cumpre, para os Sacramentos da Penitência da Eucaristia da Confirmação e do Matrimônio. Este importante negócio deve muito recomendado ao Arcebispo da Bahia. Além do Catequista, seria conveniente que também o acompanhassem alguns Missionários, para com o exemplo do Príncipe darem princípio a Conversão daqueles miseráveis povos, da qual sem dúvida resultariam muitos e grandes bens a Igreja e ao Estado. Semelhante empresa é por certo uma das mais dignas da grandeza e Piedade de Sua Alteza Real; e porventura a ocasião é a mais oportuna que a Providência tem há séculos a esta parte oferecido a Portugal. Devo advertir, que a ideia que faço deste Príncipe, foi adquirida por meio de algumas palavras e sinais que ele mostrava entender, por meio da explicação do intérprete, cujo caráter me é desconhecido, e por meio das informações de um Eclesiástico, que diz tê-lo catequisado. São Bento da Saúde, 29 de fevereiro de 1796. Frei Joaquim de Santa Clara.          

Fonte: Projeto Resgate, Bahia, Avulsos. Caixa: 200, Documento: 14462.

      

PASSAPORTE DE ANTONIO PEREIRA REBOUÇAS, CAROLINA PINTO REBOUÇAS, SEUS FILHOS, CRIADOS E AGREGADOS.

 


Fevereiro de 1846

Desta Cidade se transporta para a Corte do Rio de Janeiro o Senhor Antonio Pereira Rebouças, Deputado da Assembleia Geral Legislativa do Império pela Província das Alagoas, com sua Senhora Dona Carolina Pinto Rebouças e seus filhos Antonio, Ladislau, André, Anna e Carolina, e as pessoas constantes da relação junta assinada pelo Secretário desta Província. E para que se lhe não ponha embaraço algum mandei dar a presente sob o selo das Armas do Império, por mim assinada. Palácio do Governo da Bahia, 12 de fevereiro de 1846. Lugar do selo. Francisco José de Souza Soares de Andrade.

Relação das pessoas a que se referi a Portaria supra.

Zeferina Simplicia Pires, crioula forra, ama de leite, com sua filha Maria.

Adão José da Silva, criado, pardo forro.

Luiz de França, crioulo.

Zeferino, crioulo.

Luiz Antonio, crioulo.

Constantino, africano.

Domingos, africano.

Vicente, africano.

Militão, africano.

Lourenço, africano.

Miquelina, cabra, com sua filha Rozalina Salustiana, crioula.

Joana, crioula.

Carolina, Africana.

Leucadia, africana, com sua filha crioula Paulina.

Lucia, africana, com suas filhas crioulas Damiana e Roza.

Florinda, africana.

Agostinha, africana.

Luiza, africana.

Maria Luiza, africana liberta, agregada.

Palácio do Governo, 12 de fevereiro de 1846. José Maria Servulo de Sampaio, servindo de Secretário.  

 Fonte: Arquivo Público do Estado da Bahia, Seção de Arquivos Colonial/Provincial, Série Polícia, Registro de Passaportes 1842-1857. Maço: 5896. Páginas: 45-46. 

 Para saber mais acesse: https://www.geledes.org.br/saga-dos-engenheiros-reboucas/

  

DOCUMENTOS SOBRE A DITADURA MILITAR NA BAHIA DISPONÍVEIS PARA PESQUISA ON-LINE

 Criada pelo Decreto nº 14.227, de 10 de dezembro de 2012 e foi instalada, com a posse dos seus membros, em agosto de 2013 e encerrada em 12 de agosto de 2016 com a entrega do relatório final ao Governador do Estado da Bahia e à População Baiana.

A Comissão Estadual da Verdade (CEV) tem a finalidade de esclarecer as violações de direitos humanos durante o período da Ditadura Militar no Brasil e na Bahia.

A Comissão Estadual da Verdade (CEV) era composta por 7 membros designados pelo Governador do Estado, oficialmente investidos de poderes para identificar e reconhecer os fatos ocorridos e as pessoas que participaram dos atos, tanto como vítimas quanto os que de alguma forma foram responsáveis por essas violências. A CEV era composta por: Joviniano Soares de Carvalho Neto, Amabília Vilaronga de Pinho Almeida, Antônio Walter Santos Pinheiro, Carlos Navarro Filho, Dulce Tamara Lamego Silva e Aquino, Jackson Chaves de Azevedo e Vera Christina Leonelli. 

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Relatórios de Atividades da Comissão Nacional da Verdade e da Comissão Estadual da Verdade; Fichas de Depoentes; Depoimentos; Dossiês de investigação de mortos e desaparecidos; Processos de denúncias sobre maus tratos; Audiências Públicas; Recortes de Jornais...


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IDEIAS SUBVERSIVAS DE UM FREI ABOLICIONISTA NA CAPITANIA DA BAHIA NO SÉCULO XVIII

 


Em 1794, Dom Fernando José, Governador da capitania da Bahia, enviara missiva ao Ministro da Coroa Martinho de Mello e Castro a respeito das ideias subversivas de um Frei barbadinho.

Chegado à Bahia por volta de 1780, o frei seguiu por 14 anos professando, doutrinando e catequisando as almas da cidade e dos sertões baianos, mas decorridos 14 anos de sua estadia e vivência na Colônia, passou a questionar a escravidão africana. Suas ideias abolicionistas arriscavam subverter a ordem vigente; com a consciência em conflito, passou a indagar a legitimidade da escravidão feita através da guerra justa ou injusta, fazendo do confessionário o seu palanque abolicionista. Isso não passaria despercebido aos olhos e ouvidos das autoridades locais, nem mesmo o sagrado manto da confissão seria capaz de ocultar tais ideias. Ao desenrolar sua narrativa ao Ministro da Coroa, Dom Fernando exalta as qualidades do Frei José, mas admite a gravidade de suas ideias para paz local, e que, “espalhada aquela doutrina, seria grande nos escravos a revolução e grande a aflição do espírito nos Senhores se timorata a consciência”.



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor.

O Arcebispo desta diocese, levado daquela vigilância que sempre mostra em atalhar qualquer doutrina em matéria espiritual que possa perturbar a tranquilidade e sossego desta Capitania, ou opor-se às leis e ordens de Sua Majestade, me fez saber que o padre frei José de Bolonha missionário capuchinho italiano tivera o desacordo e indiscrição de seguir a má opinião a respeito da escravidão, a qual se propagasse e abraçasse inquietaria contaminando as consciências dos habitantes dessa cidade e traria para o futuro consequências funestas para a conservação e subsistência desta colônia. 

Depois deste religioso viver neste país perto de quatorze anos, com procedimento exemplar, cumprindo com as obrigações de seu ministério, apesar de algumas imprudências em que rompia, e de que se abstinha sendo delas advertido pelos seus superiores, merecendo o conceito de homem virtuoso e zeloso pelo seu serviço de Deus, se persuadiu ou o persuadiram de que a escravidão era ilegítima, e contrária à religião, ou ao menos que sendo estas umas vezes legítimas e outras ilegítimas, se devia fazer a distinção entre escravos tomados em guerra justa ou injusta, chegando a tal ponto a sua presença que, confessando pela festa do Espírito Santo a várias pessoas, pôs em prática esta doutrina, obrigando-os que entrassem na indagação desta matéria tão dificultosa, por não dizer impossível de se averiguar, a fim de dar liberdade àqueles escravos que, ou fossem furtados ou seduzidos a uma escravidão injusta, sem refletir que, quem compra escravos, os compra regularmente a pessoas autorizadas para os venderem, e debaixo dos olhos e consentimento do Príncipe, e que seria maldito e contra a tranquilidade da sociedade exigir de um particular quando compra qualquer mercadoria, a pessoa estabelecida para os vender, que primeiramente se informassem donde elas provém, por averiguações, além de inúteis, capazes sem dúvida de aniquilarem toda e qualquer espécie de comércio.

Examinada a origem desta opinião que este padre por tanto tempo não seguira, se veio no conhecimento de que algumas práticas que tivera com os padres italianos da Missão de Goa transportados na Nau Belém surta este porto, e hospedados no hospício da Palma deram lugar a que este religioso se capacitasse desta doutrina, não tanto por malícia e dolo como por falta de maiores talentos e conhecimentos teológicos, e em razão de uma consciência escrupulosa.

Para que uma doutrina tão perniciosa não se espalhasse, o arcebispo imediatamente o mandou suspender de confessor, rogando-me o remetesse neste navio que segue viagem, e que o Mestre não o deixasse saltar para a terra sem ordem positiva de Vossa Excelência; e conferindo com o mesmo Arcebispo sobre esta matéria, para se darem mais providências que parecem acertadas, julguei conveniente chamar à minha presença o reitor dos referidos missionários de Goa, estranhando-lhe vivamente a sua indiscrição, e mostrando-lhe vivamente que esta matéria era sumamente delicada e melindrosa, e que ao Príncipe unicamente tocava providência sobre ela, se algum dia assim o julgasse conveniente, e que finalmente era grande inconsideração e temeridade, à vista de um prelado tão sábio e doutor, e de todo o clero desta cidade, suscitar semelhante questão. Procurou-se justificar-se na minha presença o Reitor, referindo-me que o Padre Frei José de Bolonha, perguntando-lhe o seu parecer sobre este ponto, lhe respondera, que havia escravidão legítima e ilegítima, mas que o não persuadira a que obrasse no confessionário o que obrou, antes lhe devera, que oferecendo-se dúvida a devera comunicar ao Ordinário; mas sem embargo desta defesa, que me não satisfaz, por maior cautela ordenei ao Comandante da Nau Belém, fizesse recolher para bordo aos ditos Missionários, e não ordenasse sair para terra, sem ordem positiva minha. Deus Guarde a Vossa Excelência. Bahia, 18 de junho de 1794. Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Mello e Castro. Dom Fernando José de Portugal.     

FONTE: 

Arquivo Público do Estado da Bahia, Seção Colonial e Provincial, Cartas do Governo a Sua Majestade, Maço 137, 1794-1797.

 

Ainda que oprimido da gota sou obrigado a expor a Vossa Excelência o que inesperadamente acontece.

O Padre Frei José de Bolonha, Missionário Barbadinho, Italiano, em quase 14 anos nesta Bahia, teve sempre a reputação de um home verdadeiramente Apostólico, zeloso da salvação das almas e infatigável no seu ministério. É que este mesmo agora praticamente no tribunal da conciliação não quis absolver os penitencies sem que estes lhe prometessem a respeito dos escravos fazer uma exata averiguação, se estes foram cativos em justa guerra ou furtados; como ele se persuadia suceder muito frequentemente. Sobre os furtados, queria que atendendo o preço que eles custaram, e tendo servido o tipo que correspondesse a que preço lhe dessem os Senhores a Liberdade. Admirando eu esta sua repentina e prejudicial novidade o mandei chamar severamente o repreendi, como a sua ação merecia, e o suspendi logo do exercício de confessor.

Antes de prosseguir a resposta deste Padre, me devo lembrar dos cinco Missionários do Instituto de São Vicente de Paulo, que vindo na Nau Belém de Goa e Angola, chegaram enfim a esta Bahia. Em três meses da sua estada aqui no Hospício da Palma foi sempre exemplar a sua conduta. Esta me moveu a pedir ao seu Prelado mandasse um deles a fazer nos quatro Conventos de Religiosos umas práticas em que lhes compusessem vivamente a obrigação dos três votos que professavam. O conceito que um deles formara-me excitou a rogar-lhe no confessionário concorressem para o bem das almas desta Cidade. Não assentiram a esta mesma petição alegando algumas razões que nada convenciam. Não penetrei então o verdadeiro motivo da sua repugnância. Esta persuade agora ser este o não quererem manifestar no tribunal da penitência o seu sentimento sobre a escravidão. Deixados agora estes, volto ao Padre Frei José.

Este já andava tocado do mesmo sentimento, ainda que o não tinha praticado no confessionário. Não tendo, contudo, este tipo de comunicação com os ditos Padres, só a teve com um deles nos dias próximos aquele, em que querendo seu desatino manifestando-lhe o seu sentimento ou a sua dúvida com os negócios do Padre acaba de firmar-se no mesmo sentimento inteiramente, Não quero dizer que o Padre inspirasse a Frei José o por em prática o qual pensamento no tribunal da penitência; pois assim ele como os companheiros nunca aqui o praticaram, concordas todos em não confessar se alguma pessoa de confidência, como sucedem com Frei José, o qual com as suas dúvidas concitou o Padre a manifestar o seu juízo sem que, como se deve presumir, lhe inspirasse a praxe no confessionário.

Impedido eu pela moléstia de ir buscar o Governo, lhe mandei dar parte de tudo para cooperarmos logo no princípio, pois sem sofrer o mal com todas as funestas consequências que daqui podiam resultar. Ele além do desinteresse que chega ao sumo grau, que que nele não se é ser direito, mas pessoal, muito zeloso em tudo o que toca a Religião e ao Estado, sem demora me veio falar. Concordamos ambos que Frei José fosse remetido para Portugal, não por despacho da petição, que para isso pouco antes me fizera, mas em castigo da sua culpa. Assentamos mais que os outros Padres hospedes no Hospício da Palma, também mandados recolher a bordo da Nau em que vieram impedindo assim a comunicação de si e doutras. Esta era juntamente uma satisfação ao público escandalizado com o sistema de que se seguiram muitos males assim espirituais como temporais. Confessava Frei José que não persista todos estes males.

É certo que ele, por um zelo indireto, cometia algumas imprudências, de que corrigido, se emendava. Nunca julguei chegasse a esta assim capital sobre matéria tão importante e delicada, faltando-lhe até uma reflexão abria a qualquer, como era consultar o seu Arcebispo e o seu Prelado Regular. A nímia adesão ao seu próprio juízo, e a sujeição ao de outro Padre que consultou o precipitaram, quando ele no dia imediato ao do Espírito Santo me pediu Licença para embarcar, e com esta alcançar o passaporte do Governo, expondo-me a causa de se retirar por estar persuadido do seu novo sentimento, eu a viria a conceder, se pouco depois me não constasse ter ele exteriorizasse o que seu juízo fora e dentro do Sacramento. Julguei então que não devia ir já na figura de um passageiro voluntário, mas na figura de réu. Procurei suavizar isto mesmo permitindo fosse livre para a embarcação, e para sair dela na chegada a Lisboa esperasse o Capitão Ordem expressa de Vossa Excelência.

Em tudo quanto ir dito, obrei de acordo com o Governo, tendo já ouvido o parecer de quais que eu deveria atender. Desejei obrar em tudo procurando só agradar a Deus e a Sua Majestade. Asseguro a Vossa Excelência que nenhum dos Padres Barbadinhos deste Hospício está tocado ainda levemente do errado parecer do Frei José, antes cada um deles longe de pensar assim está sumamente aflito com a novidade do seu companheiro. Jugo o mesmo dos outros, que estão paroquiando em algumas aldeias dos Índios, cumprindo todos bem o seu ministério.

Algunhas muitas vezes, entre fatigas e trabalho correm grande parte do Arcebispado confessando, pregando e crismando gentes e todos os outros, que fazem disto tudo quanto me conste, sem interesse algum temporal. O que agora digo, o atestará no momento da morte, e na proximidade de aparecer no tribunal divino.

Concluo com o Padre Frei José. Comecei pelo seu zelo apostólico e acabo dizendo que me parecem sempre humilde, penitente, desinteressadíssimo. Errou agora, enquanto maiores homens em literatura e piedade tem errado! A prova dita permite muitas vezes estes erros para os confundir e humilhar. Se eu cumprindo a mesma obrigação arguir, com para o castigar, não devo por isso deixar de compadecer-me e implorar também a compaixão de Vossa Excelência com um homem, que pecou, mais por ingenuidade que por malícia. Faltaria eu a meu maior ministério e ao agradecimento a Deus, se tendo só reprimido seu erro, me esquecendo de quase 14 anos que trabalhou neste Arcebispado incansavelmente. Resta só dizer, se no que antes obrei, e agora escrevo, não hei acertado, desculpe-me a moléstia do corpo, que com aflição do espírito se há argumentado. A que oprimindo-me a mão impede assinar eu mesmo da carta.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Mello e Castro, aos 20 de junho de 1794. Deus Guarde A Vossa Excelência muitos anos. Bahia. Frei Antonio Arcebispo da Bahia.


Tendo novamente a matéria de uma das minhas cartas antecedentes, nela nada dizia, nem agora digo, que a escravidão dos pretos olhada absolutamente, logo no seu princípio é lícita ou ilícita, nada também do uso ou abuso, ou dos Senhores sobre os seus escravos. Concentrava-me ao sucesso presente e sobre esta acrescento algumas reflexões.

Se exprimi o universal conceito que nesta Bahia tinha o Padre Frei José de Bolonha pelo seu auxílio e constante zelo Apostólico. Igualmente expus o meu amor e respeito aos cinco Padres que vieram da Índia pela sua exemplar conduta. Deles, deixado agora Frei José, pelo presentemente. Como poderão alguns por ignorância ou malícia ou também por uma espécie de piedade e compaixão censurar o que com eles o Governo e eu obramos em s mandar recolher à sua Embarcação, exponho as razões que assim nos moveram. O seu sentimento sobre a escravidão de baixo daquela modificação, que já escrevi na carta antecedente, se manifesta pelas razões seguintes propostas agora com mais detalhes.

1ª O Padre Frei José, falando muitas vezes sobre esta matéria continuou sempre em confessar sem adotar em quase 14 anos este novo sentimento. Rompeu nele passando até o praticar no confessionário, logo imediatamente que saiu de uns excoricios. Em um dia de trabalho teve larga conversação com um dos Padres, servindo aqui muito esta reflexão, que em todo o tempo antes com nenhum deles conservara. Parece logo que daquela conversação procedeu passar ele Frei José da dúvida antecedente a formar-se no conceito de ser ilícita a escravidão, como se prática, pela diuturnidade do tempo.

2ª O mesmo Padre quando me veio pedir licença para se retirar para Portugal, me deu por motivo o estar totalmente persuadido de ser ilícita a escravidão como se pratica, já pela dúvida de ser justa a guerra em que foram apreendidos, e depois vendidos, já porque, passado tempo em que com a utilidade do seu serviço tivessem compensado o que custaram, se lhes devia a liberdade. Ele mesmo nessa ocasião disse que além do mais para se formar no seu conceito, o movera a autoridade e as razões daquele Padre, com que conversara, acrescentando que todos os outros quatro eram do mesmo parecer.

3ª Por uma carta do Prefeito dos Barbadinhos de Angola ao do Hospício desta Bahia, consta ter-se manifestado em Angola nos sobreditos Padres o mesmo sentimento. Não há motivo para que deixe de ter-se esta carta.

4ª Hum homem aqui respeitável, além do caráter, pela probidade e literatura, atesta que um dos Padres por motivo de amizade e agradecimento a alguns benefícios instava com ele para que praticasse como necessária aquela doutrina a respeito dos escravos.

De tudo isto se faz manifesto que o sentimento dos Padres de interno passou a exteriorizar-se. Parece logo ser obreiras uma providência também externa, atendida a circunstância do tempo presente, e especialmente a condição do país, em que espalhada aquela doutrina, seria grande nos escravos a revolução e grande a aflição do espírito nos Senhores se timorata a consciência. É certo que já sem a exterioridade se faria como evidente o sentimento daqueles Padres. Em quase três meses que precederam, nenhum deles em público confessou seculares, com exceção talvez de alguns, que não tivessem escravos, ainda instando eu, exercitassem esse santo ministério, e pedindo a caridade na sua estada fossem uteis a estes povos.

Ainda que em todo esse tempo podia sair a Embarcação, se fariam muitas confissões, e as mesmas gerais que fossem obreiras em alguns penitentes, se podiam comentar. E quando fosse tão rápido o embarque, que alguma se não concluísse, sempre preponderava o bem das outras muitas que tivessem precedido. Logo o motivo de não confessar com este, em todos era, o que fica proposto. Ainda que este se impusesse, nada com eles se obrasse, se não concorressem as circunstâncias externas.

Como se ignora, quanto a Nau Belém aqui se demore, Governo e eu assentamos agora tomassem os ditos a desembarcar para o Hospício da Palma. Esta dada ao público a satisfação, e com a correção não há perigo do mal, que se escreva. Parece justa esta consideração com uns homes na verdade exemplares, e ainda que um deles na conversação com Frei José oprimisse o seu sentimento, nada influiu no seu procedimento de praticar essa doutrina no confessionário sem a conhecer o Arcebispo, e o Prelado Regular. Essa aqui porque ele disse que os Padres estão inocentes, querendo inculcar que o não moveram a exercitar com os confessados aquela doutrina. Perdoe-me Vossa Excelência a repetição de muitas coisas nessa segunda carta sobre a mesma matéria.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Martinho de Mello e Castro, Deus guarde a Vossa Excelência muitos anos. Bahia, aos 25 de agosto de 1794.        

Projeto Resgate, fundo Eduardo de Castro e Almeida.

http://resgate.bn.br/docreader/DocReader.aspxbib=005_BA_CA&pesq=%22Jose%20de%20Bolonha%22&pagfis=39441