UM PRÍNCIPE AFRICANO EM BUSCA DE UMA ESPOSA NA BAHIA DO SÉCULO XVIII

 

Em cumprimento das Ordens que Vossa Excelência foi servido participa-lhe, examinei do modo possível as disposições em que se acha o Príncipe Africano para receber o Batismo e que da resulta deste mesmo exame informei o Eminentíssimo Cardeal Patriarca, como Vossa Excelência me ordenara; e informei-o por escrito para ele melhor ponderar as provas que puder descobrir, e para a vista delas resolver o que julgasse, mas justo e acertado. Resta me informar também a Vossa Excelência de algumas obrigações que fiz, e que porventura por não lhe ser inteiramente inúteis para as providências que houverem de dar-se relativas ao mesmo Príncipe. Ele é, se não me engano, um homem de bom caráter, muito sincero, verdadeiro, generoso, humano, dócil; e em extrema sensível ao bem que lhe fazem, principalmente a tudo o que ele julga ser obséquio a sua pessoa. Deu-me a entender por meio do seu intérprete, que sentia não ter muito dinheiro para repartir pelos pobres no dia do seu Batismo, confessando ao mesmo tempo com sinais expressivos de gratidão que Sua Alteza lhe tinha feito mercê de mandar-lhe contribuir com todo o necessário.


Mostra-se demasiado impaciente da demora nesta Corte, dando por causa da sua impaciência o muito frio; ao qual atribui a morte do seu Parente. Diz que quer entrar na sua terra já casado, para mostrar com o seu exemplo, que cada homem deve ter só uma mulher, e que por essa mesma razão quer casar na Bahia com uma preta, que conhece ou com outra qualquer, que seja livre e que lhe agrade. Deseja que tanto o seu Batismo, como o seu Casamento se façam com aparato, e diante de muita gente, para que (diz ele, ou por ele, o seu intérprete) a todos conste a resolução que tomou. Parece-me que deveras quer abraçar a Religião dos Cristãos; mas na verdade, as ideias que dela tem, são poucas, e imperfeitas. Se ele se demorasse mais tempo nesta Corte, eu seria de parecer que algum Catequista inteligente da sua língua acabasse de o instruir nos pontos principais da doutrina Cristã, antes de se lhe ministrar o Sacramento do Batismo. Como, porém, eu julgo invencível  repugnância que ele mostra a demorar-se ainda por dias, lembrando-me o perigo da viagem, e receando que ele desconhece, e faça inútil o movimento favorável da graça, não me atrevo a decidir que lhe seja negado um Sacramento, que ele pede, e para o qual me parece estar suficientemente disposto, atendida as circunstâncias que se acha. Neste caso é necessário que vá na sua companhia algum Eclesiástico instruído e experimentado no Ministério de Catequista, que entenda e fale a sua língua, e que saiba ganhar a sua afeição e confiança.

Quando na Corte não apareça alguém com estas qualidades, poderá, talvez, aparecer na Bahia, onde será menos dificultoso fazê-lo demorar até que acabe de instruir-se, e se disponha, como cumpre, para os Sacramentos da Penitência da Eucaristia da Confirmação e do Matrimônio. Este importante negócio deve muito recomendado ao Arcebispo da Bahia. Além do Catequista, seria conveniente que também o acompanhassem alguns Missionários, para com o exemplo do Príncipe darem princípio a Conversão daqueles miseráveis povos, da qual sem dúvida resultariam muitos e grandes bens a Igreja e ao Estado. Semelhante empresa é por certo uma das mais dignas da grandeza e Piedade de Sua Alteza Real; e porventura a ocasião é a mais oportuna que a Providência tem há séculos a esta parte oferecido a Portugal. Devo advertir, que a ideia que faço deste Príncipe, foi adquirida por meio de algumas palavras e sinais que ele mostrava entender, por meio da explicação do intérprete, cujo caráter me é desconhecido, e por meio das informações de um Eclesiástico, que diz tê-lo catequisado. São Bento da Saúde, 29 de fevereiro de 1796. Frei Joaquim de Santa Clara.          

Fonte: Projeto Resgate, Bahia, Avulsos. Caixa: 200, Documento: 14462.