Entrevista com Robério Souza autor do livro: Tudo pelo trabalho livre


O jovem autor do livro “Tudo pelo trabalho livre! Trabalhadores e conflitos no pós-abolição (Bahia, 1892-1909)”, Robério Santos de Souza, é o entrevistado desse mês no Espaço do Autor. O pesquisador abordou temáticas relacionadas ao seu trabalho, falou de sua carreira, aprofundou questões relevantes relacionadas ao trabalho e falou de projetos futuros.
Robério é graduado em História pela Universidade Federal de Feira de Santana, mestre em História Social do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e, atualmente, Doutorando em História Social da Cultura também pela Unicamp. O acadêmico ainda é pesquisador e professor da Universidade do Estado da Bahia e autor de artigos publicados em livros, revistas e periódicos nacionais.
1 – Como e quando o seu interesse pela vida acadêmica se formou e quais os momentos que você destacaria ao longo desta trajetória?
Fiz a graduação em História na Universidade Estadual de Feira de Santana e, nesse período, comecei a participar de diferentes pesquisas. Primeiro, como bolsista de auxílio estudantil, estagiei no Museu Casa do Sertão onde tive minha primeira iniciação à pesquisa com o Prof. Dr. Daniel Francisco dos Santos. Esse espaço foi muito importante para mim. Foi lá que comecei a compartilhar minhas primeiras ideias de pesquisa e sonhos acadêmicos com pessoas especiais, a exemplo de Cleberton Santos (hoje autor de diversos livros e professor mestre do IFBA) e Elisângela Ferreira (atualmente professora doutora da UNEB). Depois dessa experiência, transitei por diferentes experiências e áreas de pesquisa. Após o Museu Casa do Sertão, fui pesquisador de um projeto no âmbito da antropologia da saúde, coordenado pelos professores Vicente Deocleciano, Maria da Luz Silva e Roseli Cabral. Nessa oportunidade, desenvolvemos vários artigos e editamos um pequeno livro sobre a questão espacial da violência na cidade de Feira de Santana. Nesse período, ao passo que tomava contato com a investigação científica, eu desenvolvia interesse pela pesquisa e pela vida acadêmica.
Ao longo dos primeiros anos de graduação, entre o período de estágio no Museu Caso do Sertão e da participação no projeto de pesquisa sobre ”A questão da Violência em Feira de Santana”, desenvolvi o interesse e as primeiras ideias acerca do tema ferrovias e ferroviários no Brasil. Destaco, assim, o meu ingresso no projeto de pesquisa coordenado inicialmente pelo Prof. Dr. Victor Augusto Meyer (in memorian) e, posteriormente, pela Profa. Dra. Elizete da Silva. Como integrante desse projeto de pesquisa, produzi e apresentei em variados fóruns acadêmicos alguns estudos sobre os diversos aspectos do mundo do trabalho ferroviário baiano no período republicano. Destaco, nessa direção, o prêmio de pesquisa que recebi no Simpósio Internacional de Iniciação Científica na Universidade de São Paulo (USP) e no Seminário de Iniciação Científica da própria UEFS durante a minha graduação em História.
Antes de concluir a graduação, mediante uma seleção pública, fui aprovado no curso de Mestrado em História Social do Trabalho da UNICAMP com um projeto de pesquisa cujo tema estava diretamente relacionado às questões do mundo do trabalho. Do mesmo modo, antes de concluir o mestrado, consegui aprovação no curso de Doutorado em História Social da Cultura também na UNICAMP. Atualmente, além de estar em processo de conclusão do doutoramento, sou professor e pesquisador vinculado à Universidade do Estado da Bahia.
2 – Como foi o processo de concepção do livro Tudo pelo trabalho livre! Trabalhadores e conflitos no pós-abolição (Bahia, 1892-1909)?
Este livro originalmente é resultado de uma pesquisa histórica que realizei para minha dissertação de mestrado defendida em 2007, sob a orientação do Prof. Dr. Fernando Teixeira da Silva e cujos examinadores foram Prof. Dr. Michael M. Hall (UNICAMP) e Prof. Dr. Walter Fraga Filho (UFRB). Com algumas poucas adaptações, submeti a proposta de livro à avaliação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo a fim de obter um financiamento.
Uma vez recebida uma dotação financeira desta importante instituição de pesquisa, procurei a direção da EDUFBA e apresentei a proposta do livro para uma possível publicação em regime de co-edição. Após as etapas de avaliação e julgamento do mérito do trabalho, a EDUFBA aprovou a proposta e, dessa forma, iniciamos os encaminhamentos técnicos de revisão e editoração do livro.
Assim, minha relação com a EDUFBA e com sua competente equipe de profissionais foi se tornando, inevitavelmente, mais estreita e constante. A partir dos contatos iniciais, fomos nos empenhando para materializar as nossas ideias e o projeto gráfico da obra.
Depois de várias conversas e negociações entre o autor e a equipe da EDUFBA, Rodrigo Schlabitz criou o projeto gráfico do livro. Além de incorporar e redimensionar (para melhor) algumas de minhas expectativas, Rodrigo concebeu, deu vida e materializou a arte final de todo o projeto gráfico do livro.
Ademais, contei com o trabalho do fotógrafo de moda Natan Fox, responsável pela fotografia do autor. O belo trabalho de Natan Fox, para mim, conseguiu captar e traduzir a perspectiva de imagem almejada para essa obra.
3 – Esta obra traz informações até então pouco abordadas, mas fundamentais para a compreensão da história do final do séc. XIX e início do séc. XX. Em suma, quais são essas informações e por que abordá-las?
Situados entre o final do séc. XIX e início do séc. XX, os conflitos vivenciados pelos trabalhadores revelam muitas questões fundamentais e muitos dos desafios presentes na sociedade brasileira. Dentre elas, podemos citar os embates relacionados às tentativas de exploração, de controle e de disciplinarização da força de trabalho no período em questão. Nesse processo, subjugar e manter sob controle o tempo, a autonomia e a liberdade dos trabalhadores (muitos ex ou descendentes de escravos) era, assim, uma questão central para os patrões e para as elites, muitos deles ex-senhores de escravos.
Na Bahia, como em muitas regiões do país, diversos trabalhadores resistiram bravamente às formas de exploração corporificadas em relações de trabalho que remetiam ou lembravam o regime escravista, e as tentativas abertas e veladas de manter sob domínio as suas liberdades. Por essas e outras questões, as ações e lutas empreendidas pelos trabalhadores de várias partes do Brasil, das ferrovias baianas inclusive, no contexto do pós-abolição são fundamentais para a compreensão de uma parte importante da história social brasileira.
4 – Por que a construção da estrada de ferro que liga a Bahia ao São Francisco foi escolhida como um ponto de partida para aprofundar suas discussões sobre as relações de trabalho no Brasil?
Para aprofundar minha análise sobre as condições de vida e trabalho vivenciadas pelos operários no contexto pós-abolição resolvi, como estratégia analítica, desenvolver um capítulo sobre as origens e a trajetória de constituição dessa empresa ferroviária. A história dessa estrada de ferro remetia ao século XIX e também era o primeiro empreendimento ferroviário baiano e o terceiro ou quarto no país.
Assim, com essa incursão na história da própria ferrovia, eu desloquei meu olhar para o mundo dos poderosos empresários responsáveis pela administração da empresa ferroviária e suas forças políticas na Bahia. Convém dizer que nesse processo de reconstituição da controversa trajetória empresarial da ferrovia, temas e personagens importantes ganharam vida na narrativa. Um exemplo, neste sentido, é a história da volumosa mão-de-obra empregada na construção da estrada de ferro e, mais especificamente, o debate acerca do uso de cativos nesse mesmo empreendimento.
5 – Como você vê a organização da classe trabalhadora e a luta por seus direitos atualmente?
Mesmo após a conquista de determinados direitos trabalhistas, hoje garantidos na legislação, a exemplo da regulamentação de horas de serviço, salubridade, direito a férias e descanso, a classe trabalhadora hoje se vê impelida a continuar na luta por melhores condições de vida e trabalho em diversas regiões do país.
Apesar de certa desmobilização observada em alguns setores da classe trabalhadora, diversos grupos de operários, reunidos majoritariamente em sindicados, desafiam as tentativas de neutralização e criminalização de suas ações sindicais, encetam estratégias de mobilização e organizam movimentos grevistas e reivindicatórios em todo o Brasil em defesa de direitos trabalhistas que estão ameaçados e, também, na luta por novas conquistas, a exemplo de melhorias salariais e redução da jornada de trabalho.
Acredito que atualmente, ao lado de novos desafios e obstáculos, a organização da classe trabalhadora ainda continua a ser o melhor caminho para fazer valer e defender seus direitos, sempre ameaçados pelos patrões e até mesmo, pelo Estado.
6 – Há planos para a publicação de novos livros? Algum projeto novo em andamento?
Ideias e projetos de pesquisas que podem resultar em livros sempre existem. Atualmente, desenvolvo uma tese de doutorado sobre as relações de trabalho no período da escravidão. Nesse novo projeto, dentre outras frentes de análise, a ideia é enfatizar as ambigüidades vivenciadas pelos trabalhadores no contexto da sociedade escravista da segunda metade do século XIX. Estou trabalhando arduamente para que essa nova pesquisa ganhe forma e conteúdo de qualidade, materialize-se e, quiçá, vire livro para chegar às mãos de nossos atentos leitores.
7 – Deixe uma mensagem para os leitores da EDUFBA.
“Tudo pelo trabalho livre!”, mais que apenas um título ou uma estratégia editorial, foi um dos brados ou gritos utilizados pelos trabalhadores para protestar e reivindicar relações de trabalho menos árduas, mais dignas e com maior liberdade em pleno início do século XX. Espero que as histórias narradas em “Tudo pelo trabalho livre!”, mais do que somente informar sobre o passado histórico protagonizado por esses personagens, ajudem a compreender nossas questões e desafios e, também, possam inspirar nossas lutas contemporâneas.