Patrimônio Cultural e Desenvolvimento Científico no Brasil


As notícias recentes no Brasil de furtos e roubos em museus, bibliotecas e arquivos apontam para a afirmação de um mercado ilegal de bens culturais que se coloca ao lado do comércio ilegal de drogas e armas como as maiores empresas criminosas do planeta. O risco é que a questão da segurança imponha restrições ao acesso de bens culturais. O que a ciência tem que ver com isso? No Brasil, desde a criação do Ministério da Cultura, o patrimônio foi administrativamente desvinculado da educação pública e da ciência. Essa mudança reconheceu a autonomia da cultura em termos de políticas públicas. De outro lado, as leis de incentivo à cultura criaram um ambiente propício ao investimento de iniciativa privada. Além disso, os direitos de propriedade intelectual aprofundaram os laços entre cultura e capital ao agregar valores a produtos e marcas. Em contraposição, as novas mídias confrontam as formas de controle de direitos autorais forçando a ampla apropriação social de bens culturais. Tudo isso indica a necessidade de políticas públicas renovadas para a cultura que confirmem a cultura como um direito que fortalece a cidadania no nosso país. Capaz de oferecer análises sobre a cultura na atualidade, o campo da ciência não tem dado importância aos efeitos das mudanças institucionais da cultura no terreno do desenvolvimento científico. Em geral, pode-se dizer que o campo da ciência se coloca distante das instituições de patrimônio cultural, como se fosse uma questão de outra esfera, naturalizando a divisão administrativa entre o MC&T e o MinC. É preciso sublinhar a importância das instituições de patrimônio cultural como parte da infra-estrutura de pesquisa. Nesse sentido, trata-se de reconhecer que bibliotecas, museus e arquivos são essenciais ao desenvolvimento científico. Toda pesquisa depende de valiosos acervos de bens culturais que integram a esfera das instituições de patrimônio cultural e que condicionam os horizontes do desenvolvimento científico, sobretudo no campo das humanidades. A ameaça à integridade dos acervos (seja por roubos ou pela deterioração) e as imposições às condições de acesso (por falta de infra-estrutura ou pelas restrições impostas por direitos autorais, por exemplo) podem representar obstáculos à pesquisa e ao desenvolvimento científico. Assim, o campo das ciências precisa se comprometer com a defesa de melhores condições de preservação e acesso aos acervos de bibliotecas, arquivos e museus. O MC&T por meio da FINEP está prometendo abrir uma linha de financiamento dirigida à preservação de acervos, favorecendo melhores condições de atendimento à pesquisa e acesso à informação. Seria um modo seguro de expandir a infra-estrutura de pesquisa científica, aproveitando uma base já existente, mas pouco valorizada. Museus importantes ainda não possuem salas e serviços destinados a pesquisadores externos; arquivos não tratam seus acervos em bases de dados informatizadas; e bibliotecas não oferecem máquinas leitoras de microfilmes e estações de leitura de imagens digitais confortáveis à pesquisa científica. Isso cria obstáculos à pesquisa e não permite estabelecer plenamente os canteiros de pesquisa. Defender que o Ministério e as Secretarias de C&T e as agências de fomento à pesquisa dêem atenção à preservação de bens culturais é um modo também de influenciar o trabalho das instituições de patrimônio cultural a serviço da pesquisa. A ciência deveria estar pronta para lançar uma mirada transversal da cultura, ultrapassando as fronteiras estabelecidas pela administração pública. Este enfoque poderia enriquecer a pauta de entidades como a ANPUH que defendem a progresso da ciência. O movimento atual de construção de um Plano Nacional de Cultural pode ser uma oportunidade. 
Paulo Knauss é Professor do Departamento de História da UFF e Diretor-Geral do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro