EDUCAÇÃO E CASTIGO





Tendo no dia 8 do corrente infligido ao aluno Camilo Xavier de Miranda o castigo de ajoelhar-se na aula a fim de corrigi-lo de sua reiterada relaxação, e ultimamente uma palmatoada pela falta de atenção com que ouvia as minhas explicações; aconteceu que no dia sexta feira, 10 do corrente (tendo sido quinta feira), veio o mesmo aluno com três linhas de lição, em lugar de um capítulo de vinte e duas linhas de Cornélio, que lhe eu passara, e essas de tal moda preparadas, que reclamavam o castigo do aluno.
Não o castiguei, expliquei-lhe as três linhas; e passando fazer-lhe perguntas sobre o que lhe acabara de explicar, nem sequer a uma me respondeu, só porque, em virtude da acintosa desatenção, com que sempre está na aula, não soubesse a que momentos antes lhe explicara, ou porque mesmo não quisesse responder.
Chamei-o à palmatória – respondeu-me que se não sujeitava a castigos por ordem, que tinha de seu pai; a vista do que, despedi-lo da aula, fazendo-lhe ver que somente o readmitiria sujeitando-se ele aos castigos, ou então se Vossa Excelência a quem me ia imediatamente dirigir, me o ordenasse.
Nem de outra sorte (creio) deveria eu praticar, a menos que me resolvesse a ser desatendido, e mesmo desfeiteado por algum discípulo menos bem educado, que por ousar me pise nesta aula.
Não tenho, Ilustríssimo Senhor, o regulamento, mas a lei autoriza o Professor a castigar moderadamente seus alunos, e eu não tenho pai algum por superior a lei.
Os castigos de que uso são os seguintes: mandar por de pé o aluno, manda-lo ajoelhar e palmatoadas, nunca excedendo a seis. O senhor comissário de instrução desta cidade está dela ausente desde dezembro, e pois a Vossa Senhoria diretamente me dirigiu a fim de saber se abriu em regra, por quanto não quero exorbitar; pedindo a vossa senhoria a devida permissão para se me convier, publicar a respeitável decisão de Vossa Senhoria.
Deus guarde a Vossa Senhoria, aula de latim da cidade de Cachoeira, 11 de fevereiro de 1854.           
O Professor público de Latim tem a honra de comunicar a Vossa Excelência ter despedido da sua aula o aluno Camilo Xavier de Miranda; e eis os motivos:
Na 4ª feira 8 do corrente chamando o abaixo assinado ao referido aluno a lição, e não sabendo ele se quer responder ao princípio mais banais da gramática latina, ordenou-lhe o abaixo assinado que se pusesse de joelhos,  e em consequência da desatenção, que tava o mesmo aluno, as explicações, que lhe fazia como Professor, viria o participante na obrigação de lhe dar um castigo mais forte; castigo que entretanto não passou de uma palmatoada! Hoje sexta feira, tendo tido os alunos toda a quinta feira por feriado, apresentou-se o aluno em questão com uma lição de três linhas, e tão pessimamente estudada a trouxe, e tal foi a falta de atenção, que manifestou na aula, que teve o abaixo assinado firmado de o chamar a bolos. Respondeu-lhe o aluno que se seu pai tinha autorização se a não sujeitar a castigos, à vista do que despediu-o o abaixo assinado. Ora, Ilustríssimo Senhor, na inabalável resolução de não receber tal aluno está o abaixo assinado sem que a preste ele ao castigo, por quanto exato cumpridor de seus deveres, cônscio da dignidade, que deve ter um Professor, que em todo o tempo se considerou como um pai moral de seus discípulos, não quer ele ver sua aula desmoralizada, nem tão pouco perder a força moral com seus alunos, que em grande parte bem morigerados se perverteram com um tão revoltante exemplo. Indiretamente autoriza o castigo corporal ao Professores o §6 do artigo 14 do código crime, e conseguinte não cumpra a Lei o Pai, que tão insolitamente dá a seu filho uma tal autorização, qual a que acima vai declaradas, em altos brados da janela do Escrivão de Órfãos disse o pai do aluno que amanhã o mandaria para aula, e que queria vir se o Professor público podia despedir um aluno – seguramente cumprirá sua palavra, será mesmo a aula com o fito se injuriar o abaixo assinado, que cônscio de seus deveres, sabe energicamente fazer respeitar seus direitos; e pois, para prevenir tal desajuizado, e talvez mesmo para cojurar um crime requer o abaixo assinado a Vossa Senhoria um guarda, ou mais, se preciso forem para fazer retirar o aluno, se resistir da injunção do abaixo assinado, ou mesmo seu pai se o vir injuriar, e em uma palavra por p suplicante a Vossa Excelência todas as precisas providências.
Ausente a aula o Conselheiro de Instrução desta Cidade, e pois diretamente ao senhor Diretor Geral dos Estudos, vai o suplicante submeter tal questão, antes de cuja decisão não está resolvido a receber um aluno insubordinado, mas sim quando uma insubordinação maior de seu pai o que alias lhe devera dar exemplos a sociedade.
Deus guarde a Vossa Excelência, aula de latim da cidade da Cachoeira, 10 de fevereiro de 1854.
Ilustríssimo Senhor Tenente Coronel Juiz Municipal Suplicante.
O Professor de Latim
Manoel Nunes da Costa
Arquivo Público do Estado da Bahia – Seção Colonial/Provincial – Judiciário – Série Juízes Cachoeira – Maço: 2277 – 1850-1858.