"A Batalha dos
Guararapes" (1879), de Vítor Meireles, narra a formação mítica de um
Exército multirracial que lutou contra os holandeses em 1648-49
A batalha adiada da igualdade
racial nas Forças Armadas
LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO
RESUMO: Impermeáveis às
políticas afirmativas do governo Dilma, as Forças Armadas não promovem a
formação de altos comandantes cujo rosto espelhe o da população brasileira.
Índia, África do Sul e EUA (que destacaram oficial negro para comandar frota no
Atlântico Sul) dão valor estratégico à questão racial nas elites militares.
Nas vésperas do Sete de
Setembro, cabe lembrar as perspectivas sobre as Forças Armadas inscritas no
"Livro Branco da Defesa Nacional" (LBDN), apresentado em junho à
presidente da República e ao Congresso.
Organizado pelo ministro da
Defesa, Celso Amorim, o Livro Branco constitui uma iniciativa original. Tanto
na forma quanto no seu conteúdo. Faltou, na imprensa e nos meios políticos e
universitários, um debate à altura das análises elaboradas no LBDN. Pela
primeira vez, a reflexão sobre as Forças Armadas e a diplomacia estão
associadas num documento governamental que analisa as relações de força no
mundo atual.
Resta que o LBDN não aborda um
problema importante -de repercussão nacional e internacional-, que Amorim
ajudou a começar a resolver no Itamaraty. Problema com o qual ele e seus
sucessores no atual ministério também terão que lidar: a discriminação racial
não escrita que exclui negros e mulatos do alto oficialato das Três Armas.
No Itamaraty, o assunto foi
abafado durante muito tempo. Entrou pela primeira vez em pauta quando o
presidente Jânio Quadros, em 1961, na época da independência das colônias
africanas, nomeou o escritor Raimundo Souza Dantas (1923-2002) embaixador em
Gana.
Primeiro e único embaixador
negro desde a Independência, Souza Dantas escreveu "África Difícil, Missão
Condenada: Diário" (1965), que narra a discriminação de que foi vítima,
por parte de intelectuais e diplomatas brasileiros, no seu posto na África. Quando
o livro saiu, a ditadura já sufocava o debate sobre esse e outros assuntos.
Agindo como pau-mandado do
colonialismo português, o Itamaraty perseguiu o então diplomata e futuro
dicionarista Antônio Houaiss (1915-99). Membro da Comissão de Descolonização da
ONU, Houaiss dialogava com os movimentos independentistas da África lusófona.
Como narra o embaixador Ovídio de Andrade Melo, em seu livro "Recordações
de um Removedor de Mofo no Itamaraty" (2009), a pedido de setores
salazaristas, Houaiss foi cassado e demitido do Itamaraty, acusado de ser
"inimigo de Portugal".
No entanto, cada vez que o
governo abria uma embaixada na África, inclusive nos países lusófonos, já
escaldados pela colaboração de Gilberto Freyre (1900-87)com o colonialismo
salazarista, escancarava-se um paradoxo: como acreditar que o Brasil era uma
"democracia racial" se todos os diplomatas, e até os contínuos da
embaixada, eram brancos? A branquidade encenada pelos diplomatas brasileiros
entravava a política do Brasil na África.
Com a redemocratização, o
debate voltou à ordem do dia. Em 2002, iniciou-se o programa Bolsa Prêmio de
Vocação para a Diplomacia. Implementado pelo Itamaraty, o programa concede a
afrodescendentes bolsas de preparação ao concurso à carreira diplomática.
A necessidade de aproximar o
rosto interno do rosto externo do país foi sublinhada pelo então presidente
Fernando Henrique, em dezembro de 2001: "Precisamos ter um conjunto de
diplomatas -temos poucos- que sejam o reflexo da nossa sociedade, que é
muliticolorida e não tem cabimento que ela seja representada pelo mundo afora
como se fosse uma sociedade branca, porque não é".
Sob a presidência de Lula, o
processo se consolidou. Em julho de 2008, em Brasília, o então chanceler Celso
Amorim enfatizou que a democracia é "incompatível" com a
discriminação, acrescentando: "Acreditávamos que éramos uma democracia
racial. Hoje sabemos que isso não é verdade".
Leia o texto na íntegra: