Para um negro que vivia no Brasil na época em que vigorou a
escravidão, era difícil estabelecer laços familiares, já que seu destino
dependia da vontade do proprietário. Apesar das condições adversas,
muitas famílias foram formadas, e elas representaram mais uma forma de
resistência dos negros às condições de vida às quais eram submetidos. A
família negra sob a escravidão foi um dos temas tratados nesta
quinta-feira (13) no seminário "Escravidão no Atlântico Sul e a
contribuição africana no processo civilizatório brasileiro", pomovido
pela Fundação Joaquim Nabuco. O evento, que acontece no Museu do Homem
do Nordeste, teve início na quarta-feira (12) e vai até sexta-feira
(14).
Para discutir a temática da família negra, foram convidadas três professoras que estudam o assunto: Isabel Cristina dos Reis, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Cristiane Pinheiro Jacinto, do Instituto Federal do Maranhão (IFMA) e Solange Pereira da Rocha, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). As pesquisas das três são baseadas em documentos como registros de batismo, testamentos e inventários dos proprietários de escravos e até processos criminais da época.
As três destacaram as muitas dificuldades para que os negros estabelecessem laços fomais, destacando que a maior parte das relações eram consensuais. "Eles não eram donos de suas vidas. Eles tinham um senhor que a qualquer momento podia vendê-los, enviá-los para outra província, mandar para uma fazenda no interior", afirmou Cristiane Jacinto.
"Havia um número pequeno de negros casados. Mas, entre eles existiam vários tipos de relação: escravos casados com escravos do mesmo proprietário, escravos casados com escravos de diferentes propritários, escravos casados com livres, escravos casados com libertos", explicou Cristiane. A distinção entre livres e libertos é que os libertos eram negros que antes eram escravos e conseguiram a liberdade, enquanto os livres eram normalmente os negros que, por chegarem ao Brasil através do tráfico ilegal, ficavam sob a custódia do governo.
"Imagine uma mulher escravizada casada com um homem
livre? Se a esposa fosse vendida, o que ele faria? Há o registro de uma
escrava que era vendida sucessivas vezes e em todas as vezes o marido
liberto ia junto", contou a pesquisadora. Ela acrescentou que, no
Maranhão, o tráfico interprovincial de escravos foi intensificado a
partir de 1846, o que tornou ainda mais difícil a manutenção dos laços
familiares. "Quando os dois estavam na mesma cidade, ainda era possível
manter o vínculo, mas, quando um ficava no Maranhão e o outro era
vendido para o Rio de Janeiro, a situação ficava muito complexa".
Solange
Rocha ressaltou que era muito comum a separação das famílias na
sociedade escravista, mesmo após uma lei de 1869 que proibia a
separação. "A gente tem o relato de uma mulher na Paraíba que foi
separada de seus filhos e enlouqueceu. Ela não conseguiu superar as
perdas", contou. Segundo a pesquisadora, a separação entre a mulher e o
companheiro causava um tipo comum de relação familiar durante o período
da escravidão. "Havia muitas famílias de mulheres, as chamadas famílias
monoparentais. Através de documentos, podemos encontrar essas famílias
com até três gerações", destacou.
De acordo com Isabel dos Reis,
era comum que, no caso de união entre escravos e libertos, um dos
companheiros buscasse a alforria do outro. "Muitas pessoas mantinham uma
relação estável, duradoura, e havia o comprometimento de o homem
comprar a alforria de sua mulher ou de a mulher comprar a alforria do
marido. Com isso, a gente percebe a resistência, a luta para preservar
esses laços", afirmou.
assista ao vídeo: http://jc.uol.com.br/canal/cotidiano/pernambuco/noticia/2010/05/13/apesar-das-dificuldades-negros-conseguiam-manter-lacos-de-familia-durante-a-escravidao-221797.php