"UMA ACIDENTE DE COR"



REVISTA DOS JORNAIS

Lê-se no Ypiranga, jornal que se publica na cidade de São Paulo o seguinte fato: Anteontem apregoava o porteiro das audiências do juízo de órfãos a venda em leilão de uma escrava de nome Felicidade, de 15 a 16 anos de idade, pertencente a herança de Joaquim Nunes Ribeiro, da freguesia de Itapecerica.

Os concorrentes subiram a sala das audiências para verem a mercadoria que se apregoava, e todos ficaram surpreendidos e repassados de dor encontrando uma menina perfeitamente branca, e de bela aparência, esperando que alguém lhe dissesse – segue-me escrava!...
O geral interesse que inspirou esta menina converteu-se logo em uma filantrópica resolução; e prestando-se o digno juiz de órfãos Dr. Carvalhaes, formou-se aí mesmo uma comissão encarregada de promover a alforria da infeliz Felicidade.

O Dr. Rodrigues dos Santos foi nomeado curador, e auxiliado pelos senhores Dr. Carrão e Pinto Junior contra pessoas que compartilham iguais sentimentos, propuseram-se a solicitar da caridade dos habitantes da capital uma subscrição para a liberdade da mesma.
Aplaudindo tão piedosa intenção fazemos votos para que os generosos esforços das pessoas incumbidas de realizá-la, sejam coroados do mais completo e pronto êxito, pelo franco concurso de todos os que forem solicitados para subscreverem.

A arrematação ficou suspensa até concluírem-se as diligências, e para serem ouvidos os senhores da escrava branca, dos quais esperamos que não contraírem os louváveis desejos de seus benfeitores; e ao Sr. Dr. Carvalhaes deverá a humanidade grande parte deste benefício.

Mais de uma ação destas se tem dado nestes últimos tempos.
O nosso escravizar não se estende tão irracionalmente como creem os estrangeiros. A humanidade e o interesse social gulão sempre nossas ações. Apesar de tudo ainda nós não chegamos a dar tanta importância ao acidente de cor, como fazem nossos irmãos dos Estados Unidos. Num país de livres instituições é assim que se pensa, é assim que se faz.   

Fonte: 
Diário do Rio de Janeiro, 5 de setembro de 1852. 
Página 2. 
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