Arquivo Público da Bahia
Há muito
que sabemos da atual situação dos Arquivos e Bibliotecas públicas pelo Brasil.
Em muitos estados se quer existe um arquivo, e quando existem não recebem a
atenção devida por parte dos governantes. Essa história se repete, e não é de agora. A matéria publicada no Diário de Notícias de 1905, demonstra o quanto esses
espaços são esquecidos pelo poder público.
Arquivo
e Biblioteca
Não há povo
amante de seu passado, de suas conquistas liberais e de suas tradições
históricas, que não zele com especial carinho o arquivo onde se guardam os
documentos de sua evolução e de sua independência. Não há governo, mediocremente
consciente de seus deveres morais que não olhe com interesse para as
bibliotecas onde os adultos de todas as classes sociais vão completar a sua
educação mental, e os especialistas costumam encontrar os elementos indispensáveis
ao desempenho da vocação com que os dotou a própria índole espiritual e lhes
apurou o meio em que surgiram.
Sem os
arquivos, sem as bibliotecas perderiam os indivíduos e os povos, perderia a
humanidade inteira o senso da
continuidade histórica, que é o fundamento mesmo da civilização, porque é
justamente o laço que prende o passado ao presente, preparando o futuro.
Os
arquivos e as bibliotecas nacionais, além de serem um patrimônio que as
gerações se transmitem, representam o maior fator da progressividade em todas
as manifestações da atividade humana. Recolhendo a seus arquivos e as suas
bibliotecas os tesouros espirituais da mentalidade greco-romana, puderam os
claustros salvar do naufrágio da barbaria medieval as mais belas conquistas do
humano intelecto, facilitando o extraordinário movimento da renascença, que veio reatar o fio
partido da evolução cultural da humanidade, restaurando nos anais de seu
progredir aquela continuidade histórica, a que aludimos acima, e sem a qual os
acontecimentos perderiam a sua natural concatenação.
Pois
bem. Nós também possuíamos aqui nesta antiga metrópole da inteligência e da
civilização brasileira um arquivo e uma biblioteca, cuja utilidade os governos
compreendiam e de cujos serviços podem dar eloquente e inequívoco testemunho
aqueles que os frequentavam e neles cultivaram as faculdades do seu espírito.
Sim, nós também os possuíamos!... mas que é feito deles?
Fale
por nós, na linguagem verdadeira e expressiva do laconismo oficial, a mensagem
do Sr. Dr. Governador do Estado, na mais triste, na mais vergonhosa, na mais
acabrunhada das informações:
“Estes
dois antigos monumentos, que guardam os mais preciosos documentos da nossa
história e cultura intelectual, acham-se
em deplorável estado: o primeiro porque, abatendo parte do teto do edifício, em que está instalado, viu-se a
sua administração obrigada a remover, confusamente,
para salvar de total prejuízo, o seu
precioso material, e a Biblioteca, porque, retirada por força maior do
consistório da Igreja Catedral, (vai por
cerca de 6 anos!) ainda não foi reinstalada, achando-se a sua grande e rica livraria amontoada em um dos cômodos do
pavimento inferior do Palácio do Governo”.
Informações
oficiais desta natureza são por demais expressivas e dispensam quaisquer
comentários de terceiros. Na que acabamos de ler e reproduzir, se encontram,
nos próprios termos em que foi vazada, a seca narração de tão deplorável e
vergonhoso acontecimento, e a condenação consequente do crime administrativo
que ele representa. No entretanto, da censura que o fato provoca estão isentos
os representantes da opinião, aqueles que, pelas circunstâncias anormais a que
chegamos, simbolizam a única voz desinteressada, mas pouco ouvida, do povo
sofredor e desprezado. Referimo-nos aos jornais desta capital, referimo-nos
especialmente a este Diário que mais
de uma vez levou aos ouvidos surdos do governo trans ato as queixas do povo, as
reclamações dos estudiosos e os protestos veementes de sua justa indignação.
Que
pretende fazer, diante disto, o Sr. Dr. José Marcelino de Souza? Um homem de responsabilidade,
um governador não denuncia á opinião uma ocorrência de tanta gravidade sem
providenciar com máxima presteza no sentido de sua correção. É este o seu
dever, e
sua excelência parece havel-o compreendido, a
julgar pelas seguintes palavras da mensagem:
“Quanto
ao Arquivo já providenciei para os reparos do edifício, afim de ser tudo reposto
em seu competente lugar; e sobre a Biblioteca estou com todo cuidado, empenhado
em reinstala-la, convenientemente, o que já não foi possível por falta de edifício
apropriado.”
Oxalá
tudo isto se verifique!...
Jornal
Diário de Notícias, Bahia, quarta-feira, 19 de abril de 1905.
FONTE:
Biblioteca Pública dos Barris, setor de jornais e revistas raras.
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