O Arquivo Público do Piauí não
tem um único documento digitalizado. E muito menos climatização adequada ou
atendimento informatizado. Situação se repete em outras tantas instituições do
Brasil.
Foto do Arquivo Público de Sergipe
Cristina Romanelli
Deu na Internet: o Arquivo
Público do Piauí (APPI) digitalizará mais de um milhão de documentos. A
notícia, publicada no início deste ano, deixaria muitos pesquisadores felizes,
mas não passa de um alarme falso. Até hoje, o arquivo não tem um único
documento digitalizado. E muito menos climatização adequada ou atendimento
informatizado. Para quem acha que esses males são privilégio do Piauí, convém
conhecer melhor a dura realidade dos acervos públicos do país. Paraíba e
Tocantins, por exemplo, não têm sequer arquivo público estadual. No Amapá, o
arquivo só existe, literalmente, no papel.
“O arquivo do Piauí tem
um dos maiores acervos do Nordeste. Mas muitos documentos dos séculos XVII e
XVIII ainda estão em caixas, sem catalogação. Muita coisa está se perdendo”,
lamenta a historiadora Claudete Maria Miranda, professora aposentada da UFPI. A
equipe do arquivo reconhece a situação. “O governo não libera recursos. Faz
muitos anos que temos o sonho de digitalizar documentos. Não sei de onde partiu
o boato desse projeto de digitalização. Conseguimos uma verba de R$ 400 mil faz
algum tempo, mas até agora não recebemos”, conta Terezinha Cortez, arquivista e
ex-diretora do APPI.
Em Sergipe, o quadro também é
desalentador. O arquivo tem problemas de acessibilidade e poucos funcionários
capacitados. “Ele está organizado de forma muito precária, e a conservação da
documentação está bem ruim. Não tem nada informatizado, você tem que fazer a
transcrição manualmente. A digitalização nunca foi prioridade. Isso tudo é um
obstáculo ao conhecimento”, afirma, indignada, Edna Maria Mattos Antônio,
historiadora da Universidade Federal de Sergipe.
O caso do Arquivo Público da
Bahia (APB) vem sendo divulgado na imprensa desde fevereiro de 2011, quando a
energia foi cortada por risco de incêndio [ver “Memória em apuros”, RHBNnº
78]. “O prédio não comporta mais a documentação. Há alguns meses, o setor de
arquivos privados foi transferido por risco de desabamento do piso”, denuncia
Urano de Andrade, historiador da UFBA. Segundo a diretora do APB, Maria Teresa
Matos, até o fim de outubro seria concluída a primeira etapa das obras no
sistema elétrico. A segunda etapa ainda não tem prazo previsto. E em relação à
mudança de prédio, nenhuma alternativa foi encontrada até agora.
Os problemas nos arquivos são
quase sempre os mesmos, principalmente nas regiões Norte e Nordeste. Procurado
pela RHBN, o Conselho Nacional de Arquivos (Conarq), do Arquivo Nacional,
passou a bola adiante. “Nós apoiamos os arquivos, mas não podemos intervir. Os
próprios diretores acharam melhor ter autonomia e constituir o Fórum Nacional
de Arquivos Públicos Estaduais”, afirma Domícia Gomes, da Coordenação de Apoio
ao Conarq. No entanto, segundo Márcio de Souza Porto, diretor do Arquivo
Público do Estado do Ceará e um dos principais envolvidos no Fórum, a
instituição não pode fazer quase nada em termos de execução.
Para Margareth Silva,
vice-presidente da Associação dos Arquivistas Brasileiros (AAB), o motivo de
tantos casos semelhantes é mesmo o descuido dos governos estaduais. Mas o
Arquivo Nacional também teria sua parcela de culpa. “O Arquivo fez uma série de
decretos e resoluções, mas não tratou de uma política nacional, com metas
claras e fiscalização de atividades. Sem isso, os arquivos não vão conseguir
crescer”, argumenta.
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