TERNO DE REIS, SAMBA, LUNDU E INTRIGA



CORREIO DA BAHIA – 18 DE ABRIL DE 1878
O Sr. Joaquim Gularte da Silva
Desde 12 do corrente que lancei ao Sr. Maximiano dos Santos Marques um repto formal para que viesse á imprensa declarar qual o autor da infame representação, que sob o pseudônimo de – Diversos moradores -, tinha levado á presidência da província contra o ex-administrador do cemitério de Brotas, e na qual se lia o trecho que transcrevi aquele dia no Monitor.
Os balde (sic) esperei até hoje, pois recuou covarde e vilmente, como recuou o miserável autor daquela torpresa; (sic) e suponho talvez que do seu proposital silêncio resultasse ante tamanha covardia o meu desprezo, ou o meu perdão, não veio tomar a paternidade de seu filho, ele que protestou que o ex-administrador seria, logo após a ascensão liberal, imediatamente demitido, prometendo desde então o lugar, como, enfim, o diretor e portanto ciente de todas as tramas por mais mesquinhas em relação aos negócios dali, é sabedor da autoria daquele tredo pasquim.
Disse que havia de nada deixar a desejar não só na fiel e exata narração do quanto se passou do dia 6 de janeiro na casa do ex-administrador, e quais foram as mulheres de má vida que ali estiveram, como também que havia de comparar essa infamante suposta orgia e depravação com a história das orgias e devassidões no largo de Brotas, na Armação, na Ladeira da Redenção, e defronte a minha roça.
Não trepidarei. Provocaram-me covarde e torpemente; hei de ser franco até a rudeza, hei de apresentar a verdade em sua nudez e ai daquele a quem ela terá a praça pública e apontará ao público como o devasso dos devassos!!
Esse ficará para sempre com o estigma de devasso insculpido na fronte em caracteres inextinguíveis.
Na noite de 5 de janeiro, em que há a festa chamada de Reis, é fato, houve um presepe de fala ou de figuras, na casa do ex-administrador, que começando as 10 horas da noite terminou as 4 horas da madrugada, quando então retiraram-se as pessoas que o assistiram, entre as quais podemos nos lembrar de: meu padrinho e amigo o Sr. Tenente José Teixeira Bahia, digno almoxarife das obras públicas, com sua excelentíssima família; a excelentíssima família do Dr. Francisco Xavier dos Reis, honrado tesoureiro do tesouro provincial, acompanhado por seu genro e filho o digno empregado do comércio Sr. Izidoro Monteiro com sua excelentíssima esposa, irmã do Sr. Capitão comendador Luiz Ramos Pereira de Queiróz; a excelentíssima família do Sr. Esmério de Oliveira Brandão; a excelentíssima família do Sr. Tenente Quod Vult Deus, entre ela sua digna irmã normalista com outra sua companheira D. Maria Francisca; a excelentíssima família do Sr. José Joaquim de Santa Thereza, proprietário na localidade; a excelentíssima família do Sr. Ângelo da Costa Lima, artista carpinteiro do arsenal de marinha acompanhado de seu filho o Sr. José Olympio Ferreira com sua esposa excelentíssima senhora e uma cunhada; a irmã do Sr. José Joaquim Pimenta; o comandante da estação sargento Manuel Antunes de Oliveira com sua senhora; minha filha adotiva casada com o alferes Geroncio Gomes Ferreira Braga e sua família; meu amigo o Sr. Capitão José Antonio da Costa, além de outras famílias e muitas outras pessoas moradoras na proximidade e reconhecidas todas por sua moralidade e honradez.
A música desta festa foi dirigida por meu compadre e amigo o Sr. Manuel Felix da Silva, pobre, mas probo pai de família.
Veja o público quais foram as mulheres de má vida que foram convidadas e estiveram na orgia, que passou a depravação, e que a infamíssima representação diz – que passou afinal, depois das dez horas da noite, a samba deles todos nus, com as mulheres, causando horror á população!!!        
Até onde, grande Deus! Desce a dignidade! E foi uma aleivosia de tal quilate, que o Sr. Maximiano dos Santos Marques ou escreveu ou consentiu que fosse levada a presidência da província.
E foi esta falsidade anônima que serviu de base aquela ignore o que é um presepe de fala em que não há samba, e essa calunia só poderia ser inventada por meus miseráveis inimigos.
Façamos pública toda a verdade:
Durante o dia 6 algumas senhoras, dentre as que mencionamos e que ali nas imediações haviam passado esse dia, foram a casa do ex-administrador, onde eu me achava, tirar os Reis, coisa essa usada nos lugares de campo, e nos nosso arrabaldes. Ora, é geralmente sabido que a cantoria dos Reis termina por um lundú, que de fato foi por nós dançado, tornando-se geral entre todos os visitantes e as pessoas de casa.
Será esse o nonum crime?
Ah! Esquecia-me de uma circunstância; também obsequiou-nos com sua presença, se prestando a tocar violão, o Sr. João Moreira Sampaio, digno sobrinho do professor José Marcelino Moreira Sampaio.
Depois dessa solene declaração, que estou convicto não será contestada por nenhum desses distintos cavalheiros, que honraram naquela noite a casa em que eu me achava, e que darão o devido apreço á injuria que aquela infame reclamação arrogou-lhes, embora indiretamente, que valor moral fica tendo o seu autor, se um dia ousar aparecer, ou seu encampador e portador, o Sr. Santos Marques, que como tal será tido enquanto não vier contestar?
Dada esta leal satisfação ao público, e em tão clara a minuciosa exposição, conhecida a vilania da reclamação dos Diversos moradores, cumpre-me entrar na 2ª parte de meu 1º artigo publicado no Monitor, e comparar a palavra devasso em relação a mim, e aos devassos farcistas de Brotas, cujas biografias prometi escrever.
Então verá o público quem faz honra aquele epíteto, si eu, contra quem, jamais, nem mesmo meus desafetos arremessaram tão deturpante qualitativo; que procurei sempre pautar minha vida pela estrada da moralidade e da decência; que nunca tentei contra a honestidade de famílias; nunca me prestei a infâmias, quer pública, quer particularmente; que nunca fui forçado pela lei a realizar deveres, me esquivando a satisfação de honra; enfim, nos mais lascivos deboches me atirei ostensiva e cinicamente; si eu, repito, devo merecer aquele qualitativo, ou si aqueles que combinaram em atirá-lo sobre mim.
Não devo ser prolixo, ficarão para ao depois as biografias e será a primeira a do Sr. Major Maximiano dos Santos Marques, atual vereador da câmara municipal.
Não irei apanha-la em sua infância; não me ocuparei das suas façanhas da mocidade, começarei com o seu estado de casado, e só irei um pouco antes para narrar as proezas de idêntico caráter que antecederam a essa nova vida e as que o coagiram a realisar o seu matrimônio.
Ah! Então a saciedade saberão todos quem é o verdadeiro devasso, se ele, ou eu.
Joaquim Gularte da Silva.