Em
cumprimento das Ordens que Vossa Excelência foi servido participa-lhe, examinei
do modo possível as disposições em que se acha o Príncipe Africano para receber
o Batismo e que da resulta deste mesmo exame informei o Eminentíssimo Cardeal Patriarca,
como Vossa Excelência me ordenara; e informei-o por escrito para ele melhor
ponderar as provas que puder descobrir, e para a vista delas resolver o que
julgasse, mas justo e acertado. Resta me informar também a Vossa Excelência de
algumas obrigações que fiz, e que porventura por não lhe ser inteiramente
inúteis para as providências que houverem de dar-se relativas ao mesmo
Príncipe. Ele é, se não me engano, um homem de bom caráter, muito sincero,
verdadeiro, generoso, humano, dócil; e em extrema sensível ao bem que lhe
fazem, principalmente a tudo o que ele julga ser obséquio a sua pessoa. Deu-me
a entender por meio do seu intérprete, que sentia não ter muito dinheiro para
repartir pelos pobres no dia do seu Batismo, confessando ao mesmo tempo com
sinais expressivos de gratidão que Sua Alteza lhe tinha feito mercê de
mandar-lhe contribuir com todo o necessário.
Mostra-se demasiado impaciente da
demora nesta Corte, dando por causa da sua impaciência o muito frio; ao qual
atribui a morte do seu Parente. Diz que quer entrar na sua terra já casado,
para mostrar com o seu exemplo, que cada homem deve ter só uma mulher, e que
por essa mesma razão quer casar na Bahia com uma preta, que conhece ou com
outra qualquer, que seja livre e que lhe agrade. Deseja que tanto o seu
Batismo, como o seu Casamento se façam com aparato, e diante de muita gente,
para que (diz ele, ou por ele, o seu intérprete) a todos conste a resolução que
tomou. Parece-me que deveras quer abraçar a Religião dos Cristãos; mas na
verdade, as ideias que dela tem, são poucas, e imperfeitas. Se ele se demorasse
mais tempo nesta Corte, eu seria de parecer que algum Catequista inteligente da
sua língua acabasse de o instruir nos pontos principais da doutrina Cristã,
antes de se lhe ministrar o Sacramento do Batismo. Como, porém, eu julgo invencível repugnância que ele mostra a demorar-se ainda
por dias, lembrando-me o perigo da viagem, e receando que ele desconhece, e
faça inútil o movimento favorável da graça, não me atrevo a decidir que lhe seja
negado um Sacramento, que ele pede, e para o qual me parece estar
suficientemente disposto, atendida as circunstâncias que se acha. Neste caso é
necessário que vá na sua companhia algum Eclesiástico instruído e experimentado
no Ministério de Catequista, que entenda e fale a sua língua, e que saiba
ganhar a sua afeição e confiança.
Quando na Corte não apareça alguém com estas
qualidades, poderá, talvez, aparecer na Bahia, onde será menos dificultoso
fazê-lo demorar até que acabe de instruir-se, e se disponha, como cumpre, para
os Sacramentos da Penitência da Eucaristia da Confirmação e do Matrimônio. Este
importante negócio deve muito recomendado ao Arcebispo da Bahia. Além do
Catequista, seria conveniente que também o acompanhassem alguns Missionários, para
com o exemplo do Príncipe darem princípio a Conversão daqueles miseráveis
povos, da qual sem dúvida resultariam muitos e grandes bens a Igreja e ao
Estado. Semelhante empresa é por certo uma das mais dignas da grandeza e
Piedade de Sua Alteza Real; e porventura a ocasião é a mais oportuna que a
Providência tem há séculos a esta parte oferecido a Portugal. Devo advertir,
que a ideia que faço deste Príncipe, foi adquirida por meio de algumas palavras
e sinais que ele mostrava entender, por meio da explicação do intérprete, cujo
caráter me é desconhecido, e por meio das informações de um Eclesiástico, que
diz tê-lo catequisado. São Bento da Saúde, 29 de fevereiro de 1796. Frei
Joaquim de Santa Clara.
Fonte: Projeto
Resgate, Bahia, Avulsos. Caixa: 200, Documento: 14462.