"Nosso
desafio é aproximar o Arquivo Público da sociedade baiana"
Novo
diretor do espaço, Jorge X pretende chamar a população baiana para pesquisar
suas raízes étnicas
Jorge X,
novo Diretor do Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB) - Foto: Rafaela
Araújo | Ag. A TARDE
Na
comunicação oficial referente ao seu cargo, o novo diretor do Arquivo Público
do Estado da Bahia ainda assina seu nome de batismo, Jorge Vieira, enquanto
aguarda liberação jurídica para poder se apresentar formalmente com seu nome
político, Jorge X. Uma forma de expressar a sua rejeição aos sobrenomes
impostos pela colonização portuguesa no Brasil. E esse tema deve ganhar
relevância em sua gestão.
Nesta
entrevista, Jorge X explica como pretende chamar a população baiana para
pesquisar, através da documentação oficial, as suas origens étnicas na África.
Primeiro,
a grande curiosidade. Já extinguiu-se o
risco de o Arquivo Público do Estado perder essa sede em um leilão?
Não. O
processo ainda corre em relação ao leilão do imóvel.
Como é o
perfil de quem procura o Arquivo para pesquisar documentos? Quais são os papéis
mais procurados?
São documentos que retratam a importância do Arquivo Público do Estado da Bahia. Aqui também está um conjunto documental destacado como memória do mundo. O Arquivo Público do Estado da Bahia só perde em importância para o Arquivo Nacional.
Eu
conversei com um pesquisador que não mora no Brasil e ele demonstrou
preocupação com o prazo para reserva de vaga na pesquisa porque ele só tinha
uma semana a mais disponível antes de viajar e temia não conseguir fazer a
pesquisa. Como estão os prazos para reserva?
A pessoa
reserva e o Arquivo Público tem uma capacidade de reserva de 48 horas para a
documentação ser preparada. Nosso patrimônio arquivístico é muito sensível, há
documentos de 1823 custodiados aqui. Se não houver um preparo para que fiquem disponíveis para os pesquisadores,
eles podem se degradar ou sofrer algum tipo de acidente. Então, assim. Não é
tão simples. A gente precisa de uma
equipe para ir até o depósito do arquivo e deixar pronta essa documentação.
Quantos
pesquisadores em média visitam o arquivo em um mês?
No último
ano, tivemos 732 pessoas que vieram ao Arquivo Público do Estado da Bahia.
Nossa sala de pesquisa tem capacidade para acomodar 16 pesquisadores. Nosso
sistema de pesquisa parte do princípio da isonomia e da impessoalidade do
serviço público. Um pesquisador que venha de longe faz a reserva e tem a garantia
do acesso à documentação. Com esse sistema, a gente garante uma fila de
acesso. Sem esse sistema, a consulta
pode ficar difusa. E aí tem uma relação de poder estabelecida diante do
arquivo, nós não queremos isso. A administração pública preza pelos princípios
da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da
eficiência. Nós, nesse lugar, estamos prezando por isso. Para nossa gestão,
todos são iguais no acesso ao que temos aqui salvaguardado.
Qual o
tamanho do acervo do Arquivo Público do Estado da Bahia e quais os documentos mais consultados?
Temos por
volta de 41 milhões de documentos. Arquivisticamente, são 7,5 mil metros
lineares, um cálculo que os arquivistas utilizam para medir a documentação no
seu espaço de custódia. Os documentos mais procurados são, com certeza, os do
acervo jurídico, que dão direito a dupla nacionalidade, os documentos fundiários para acesso a terras, imóveis.
Recentemente, houve o centenário da morte de Ruy Barbosa e tem essa questão dos documentos comprobatórios de origem de pessoas escravizadas, destruídos quando ele foi ministro da Fazenda. Aqui no Arquivo Público do Estado da Bahia há documentos que podem mapear a origem ancestral de cidadãos baianos?
Sim, com certeza há registros da escravidão e é bom que se informe também que a Fundação Pedro Calmon desenvolveu uma experiência de rastreamento genético, do qual eu fiz parte como estudante, que é justamente resgatar esses registros, uma parte desses registros, já que não foram todos destruídos por Ruy Barbosa.
Hoje, eu sei que minha ancestralidade vem do povo Ticar, no atual país de Camarões. Razão pela qual eu registrei meu filho com o último sobrenome Ticar. Esse resgate faz com que ele leve nossa ancestralidade que foi tirada no processo de colonização. Essa experiência tecnológica colocou a fundação na vanguarda dessa questão e o nosso dever é fazer um pareamento entre a tecnologia e os registros que nós salvaguardamos.
O senhor
considera a possibilidade de fazer um chamamento ou mesmo uma campanha
especificamente para que os baianos tentem descobrir a sua
ancestralidade exata?
Com
certeza. Junto com o professor Vladimir Pinheiro, presidente da Fundação Pedro
Calmon, já estamos falando sobre isso. A ideia é aproximar os serviços do
Arquivo Público do Estado da Bahia da sua população. A história da comunidade
negra, da comunidade indígena, da população soteropolitana e baiana está aqui
registrada.
O nosso desafio é aproximar o Arquivo da sociedade baiana, nesse sentido. E aí o que não falta é ideia. Dinamização da comunicação, trazer as escolas públicas para dentro do Arquivo, aumentar o fluxo das universidades, que já estão presentes aqui. Os pesquisadores também colaboram muito com nossa gestão, dando sugestões, dicas. E estamos numa perspectiva de uma gestão participativa.
Ontem (segunda, 20), eu tive uma reunião com historiadores, na pessoa do grande pesquisador João Reis. Aliás, não chamo aquilo de uma reunião, foi uma consultoria. Aprendi muito e estou trazendo contribuições valorosas.
Tipo...
Ampliar o número de acessos, dinamizar as redes sociais, ampliar a ideia de abertura do Arquivo Público, e futuramente a construção de um prédio inteligente, que possa salvaguardar a história do povo baiano. Seria um prédio talvez no Centro Administrativo, com estruturas de aço e vidro, que não sejam inflamáveis.
Uma
pessoa que queira descobrir a origem histórica de sua família na África, em
quanto tempo consegue a resposta?
Há alguns
procedimentos em relação aos documentos aqui custodiados. É preciso preencher o
nosso formulário de direito de uso de imagem, isso é importantíssimo. Se o
documento puder ser fotografado, a pessoa pode tirar foto. Informar os dados
pessoais, os documentos que pretende acessar e o período da documentação,
colonial, Império.
Em 48 horas, a pessoa tem acesso à documentação solicitada. A documentação será retirada do depósito, higienizada e preparada para consulta. Se ela não estiver em condições de manuseio pelo público externo, haverá um técnico para auxiliar. O Arquivo Público é um instrumento da sociedade baiana. A sociedade tem o direito de acessar.
ACESSE NA
ÍNTEGRA: JORNAL A TARDE