COM UM PEDACINHO DE PAPEL, UM PAU NO LUGAR DE PENA E ACENOS RECEBEU A SUA LIBERDADE MARIA LEOCADIA

Em 1817 Thereza Maria de Jesus, provavelmente mulher egressa da escravidão, narrava na carta de alforria de Maria Leocadia pedaços de sua vida. Libertando duas de suas filhas, uma delas muda, a qual ao seu modo pediu a sua Mãe que libertasse a sua cria. 

Cópia da carta de Liberdade da crioulinha Maria Leocadia conferida por sua Senhora Thereza Maria de Jesus

Digo eu Thereza Maria de Jesus, que tendo antes de casada duas filhas, uma de nome Felicia Maria do Sacramento, que a tirei do cativeiro dando por sua Liberdade cento e oitenta mil réis a seu Senhor Manoel José de Faria, e por gratificação desse benefício tratou de cometer dentro da minha casa traição e amizade ilícita, deflorando-se com meu sobrinho e Primo Seu Luis Brandão de Mello casando-se por isso contra a minha vontade por já se achar dele pejada, e ainda mais por caridade sobre o crime cometido do defloramento lhe dei um crioulinho de nome Luis, com dez anos de idade, que logo tratou de o vender a Domingos Pereira por cento e dez mil réis para pagar dívidas feitas com funções e conveniências. E a segunda minha filha de nome Maria Thereza moça muda, a esta fiz doação de uma crioulinha de nome Maria Leocadia, filha da minha escrava manutinida de nome Efigênia nação nagô, logo antes de batizar-se valendo vinte mil réis, a qual minha dita filha muda antes do seu falecimento por acenos e com um pedaço de papel na mão e um pedacinho de pau em lugar de pena sobre o papel, com os olhos na dita crioulinha, que se acha agora com a idade de cinco anos incompletos, me pediu lhe passasse eu Carta de Liberdade, e a mandasse embora, razão por que não obstante ser eu sua herdeira forçada com licença de meu marido o Senhor Antonio Mendes de Jesus, abaixo assinado, a ei por forra, livre e isenta de toda a escravidão como se nascesse de ventre livre, e rogo as Justiças de Sua Majestade Fidelíssima, de um e outro foro que esta façam cumprir e guardar como nela se contém, e quanto por maior validade lhe falte alguma clausula ou clausulas em direito necessários aqui as hei por expressas e declaradas como se de cada uma fizesse expressa e declarada menção, e por não saber ler nem escrever pedi e roguei a Luis Gonzaga de Santa Ana que esta por mim fizesse e assinasse perante as testemunhas abaixo também assinadas. Bahia, dezoito de janeiro de mil oitocentos e dezessete. A rogo de Thereza Maria de Jesus, e como testemunha que esta fiz e assinei por mandato da manumite-te Luis Gonzaga de Santa Ana, Antonio Mendes de Jesus, Joaquim de Santa Ana, Luis de França Vieira. Ao Tabelião Albergaria. Bahia, três de fevereiro de mil oitocentos e dezessete, Simões. Reconheço serem própria por conferência. Bahia, vinte quatro de abril de mil oitocentos e dezessete. Em testemunho de verdade estava o sinal público. Marcelino Epifânio Soares de Albergaria. E copiada a dita carta de Liberdade a qual me reporto, esta conferi, concertei, subscrevi e assinei, e a própria entreguei a quem abaixo a assinou. Bahia, 25 de abril de 1817. Eu Marcelino Epifânio Soares de Albergaria que a subscrevi. Conferida por mim Tabelião.  Marcelino Epifânio Soares de Albergaria.        

Fonte: Arquivo Público do Estado da Bahia, Seção Judiciária, Livro de Notas 192, páginas: 38v/39.