"Entre a solidariedade e o egoísmo, os patrões escolhem defender seus próprios interesses", afirma o historiador Antonio Luigi Negro


Entre a solidariedade e o egoísmo, patrões escolhem defender seus próprios interesses
Marina Lemle | Blog de HCS-Manguinhos
Em tempos de isolamento social e confinamento doméstico como medidas de proteção contra a pandemia do novo coronavírus, o campo da história social do trabalho ganha visibilidade, e sua importância torna-se ainda mais evidente. Para falar sobre o tema, convidamos o historiador Antonio Luigi Negro, professor da Universidade Federal da Bahia e pesquisador CNPq.

Gino, como é conhecido, recentemente deu uma entrevista extremamente relevante sobre o campo da história social do trabalho ao programa Labuta, produzido pelo Laboratório de Estudos da História dos Mundos do Trabalho da UFRJ, disponível no final desta entrevista concedida ao Blog de HCS-Manguinhos.

“Nesse momento, pelo bem do Brasil, a parte forte deve dividir um pouco de sua força, protegendo e socorrendo os trabalhadores, a fim de que a economia não seja mais duramente afetada agora e se recupere com força total numa fase de normalização”, defende Gino.

O pesquisador é autor de um artigo que será publicado este ano na seção Imagens da revista HCS-Manguinhos (v. 27 n.3), intitulado “O cartão postal no Brasil do início do século XX: suporte para o encontro entre imagem e ação”.

Como o novo coronavírus interfere nas relações de trabalho durante e depois da pandemia?

Carreatas nas cidades brasileiras – com patrões enclausurados em carros com ar condicionado – exigem a volta ao trabalho de empregados que estão em suas casas cuidando de si e das suas famílias, provisoriamente afastados de conduções coletivas caras e de péssima qualidade, além de contagiosas. O coronavírus interfere diretamente nas relações ao provocar uma situação em que, entre a solidariedade e o egoísmo, os patrões escolhem a defesa de seus próprios interesses enquanto tomam os devidos cuidados particulares para evitar o contágio ou tratar sintomas. Patrões devem obrigatoriamente informar seus funcionários da existência de vítimas da infecção no local de trabalho, a fim de certificar os que estão saudáveis. Como todos sabem, o trabalho é a parte fraca das relações empregatícias. Nesse momento, pelo bem do Brasil, a parte forte deve dividir um pouco de sua força, protegendo e socorrendo os trabalhadores, a fim de que a economia não seja mais duramente afetada agora e se recupere com força total numa fase de normalização.

Qual a importância desse campo de pesquisa da história frente a uma pandemia?

A história social tem revelado o quanto os povos indígenas sofreram com a conquista europeia, já que não eram imunes às doenças que os brancos transmitiam. Agora é a nossa vez, pois ninguém tem imunidade ao coronavírus. A história social também já revelou como Rui Barbosa preferia investir em política pública contra a febre amarela a fim de manter a imagem, lá fora, do Brasil como um lugar saudável para estrangeiros. Não houve o mesmo empenho no tratamento da tuberculose, doença que pega nos trabalhadores brasileiros, com alto índice de letalidade. A história social, em acréscimo, já deixou claro que vacinação é uma medida que tem de ser tomada tendo em conta os direitos de cidadania do público a que se destina, sendo a Revolta da Vacina o seu caso paradigmático. A pesquisa em história social adicionalmente demonstra ser necessário o cuidado com todos os seres, humanos e não-humanos. Por fim, a história social contribui decisivamente ao mostrar a importância dos trabalhadores da saúde, não apenas médicos e enfermeiros, mas toda mão-de-obra envolvida nas políticas públicas de saúde: os técnicos nos laboratórios, os agentes contra o mosquito da dengue, por exemplo, os terceirizados, os funcionários da limpeza, transporte e alimentação. Esta é fileira que está na linha de frente do combate frontal contra o coronavírus. A pesquisa científica da área de humanas no Brasil tem excelência internacional e está sendo virulentamente perseguida porque tem compromisso com a verdade dos fatos históricos, o que passa pela avaliação cuidadosa do papel das elites dirigentes na condução dos interesses nacionais.

Gostaria de acrescentar algo?

Sim, gostaria. Nem as redes sociais nem Madero falam a verdade quando dizem ser sua missão construir um mundo melhor. As redes sociais rejeitam controlar o vírus da mentira, do preconceito e do ódio porque lucram com isso. É necessário urgentemente taxar as grandes fortunas a fim de distribuir a renda e cuidar da saúde, educação, moradia e transporte. E também da ciência: é preciso aumentar o número e o valor das bolsas do sistema de pós-graduação do Brasil, bem como dos programas de iniciação científica. Isto é para ontem!

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