Projeto pioneiro no Brasil cria acervo digital com documentos históricos do Judiciário paraibano

A equipe iniciou o trabalho em 2015

Por Marília Araújo

Cinco livros e mais 1.960 itens individuais, datados dos séculos XVIII e XIX, foi o total de documentos notariais e criminais do Poder Judiciário do Estado da Paraíba, que um grupo de historiadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) digitalizou, para a criação de um acervo eletrônico. O resultado foi de 151.144 imagens produzidas, que serão disponibilizadas posteriormente na internet.

O projeto é uma atividade dentro de um programa de extensão da UFPB, coordenado pelos doutores em História: Marshall Eakin e Courtney Campbell, da Universidade Vanderbilt, e Maria Vitória Lima e Solange Pereira da Rocha, da Universidade Federal da Paraíba. Para executar todo o procedimento, estiveram envolvidas 14 pessoas dos cursos de História, Arquivologia, Matemática Computacional e Engenharia da Computação da UFPB.

A ação recebeu o apoio do Tribunal de Justiça da Paraíba que, por meio da Gerência de Acervos, providenciou um acompanhamento na busca dos documentos e concedeu uma sala na sede do Judiciário estadual para a realização da atividade.

O objetivo é resgatar, por meio de um processo de digitalização, documentos históricos do Judiciário estadual, os mais antigos e mais desgastados pelo tempo. Foi levado em consideração que “esses são registros fundamentais para estudos da escravidão e da abolição, sobre os órfãos e as custódias, atividades comerciais, os crimes e os direitos de propriedade no Nordeste brasileiro”, conforme relata a professora Maria Vitória.

O arquivamento digital teve início em agosto de 2015, com documentos cartoriais das comarcas de João Pessoa, São João do Cariri e Mamanguape. Segundo Maria Vitória, “encontrar todo o acervo fora de organização retardou um pouco o processo. Iniciamos com etapas de higienização, folha a folha, encapilhamento e nomeação, para poder dar início à digitalização e ao resumo. Também era fundamental ter o maior cuidado possível, por ser um material já ameaçado pelo tempo e desgastado”, declarou.

Ao final de todo o processo, cada unidade do Judiciário, que teve seus documentos digitalizados, receberá as cópias completas dos arquivos, assim como a Gerência de Acervos do Tribunal de Justiça da Paraíba, o Núcleo de Estudos e Pesquisas Afrodescendentes e Indígenas da UFPB (NEABI), o Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional da UFPB (NDIHR) e a biblioteca digital internacional The Jean and Alexander Heard Library, da Universidade de Vanderbilt, do Estado do Tennessee, nos Estados Unidos.

A partir do ano de 2018, a galeria também será disponibilizada, online, nos sites: http://www.vanderbilt.edu/esss/about/project-teams.php http://afro.culturadigital.br/neabiafroparaiba/

No entanto, a professora Maria Vitória destaca: “os pesquisadores interessados já podem nos procurar para consultar esses arquivos”. Agora, o trabalho está em fase de revisão final de algumas imagens e elaboração dos últimos resumos.

Casos de destaque

Durante a catalogação, alguns casos se destacaram, despertando interesse, a exemplo de um inventário, datado de 1782, em nome de uma senhora de iniciais C.M.J. que, em vida, foi casada com D.G.N. O marido solicitou o divórcio para se casar com sua ex-escrava. C.M.J. deixou, em seu testamento, a história de seu divórcio e declarou suas vontades, incluindo o que devia ser feito em relação a seus submissos. Entre os bens deixados por ela, estavam alguns escravos e uma saia de xamalote azul.


Outra situação que chamou a atenção dos historiadores, foi um processo do século XIX, uma época em que “a mulher não tinha voz, nem vez” e, quando ficava viúva, o juiz de órfãos colocava como tutor e testamenteiro dos órfãos não a mãe, mas um homem que podia ser da família ou não. Nesse caso, a mulher não aceitou essa decisão. Então enviou uma carta para a rainha de Portugal, de onde o Brasil era colônia, solicitando a tutela das crianças, alegando ter condições de ser responsável pelos bens, pelos filhos órfãos e pelo patrimônio construído junto ao marido. A rainha aceitou o pedido. “Desse período, até agora, não há conhecimento de outro caso dessa natureza”, declarou a historiadora Maria Vitória.
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