Juízo
Municipal e de Órfãos do termo do Juazeiro, 6 de novembro de 1873.
Ilustríssimo e Excelentíssimo
Senhor
Um
acontecimento bem triste, e impróprio de uma Villa como esta, onde há uma
população bem numerosa, e alguma civilização, obriga-me a dirigir-me hoje a
Vossa Excelência, para pedir providencias, e narrar-lhe o fato, que deu-se pelo
modo seguinte: Tendo sido preso pela polícia na noite de 2 do corrente, um
indivíduo de nome Arsênio dos Anjos Moreira, sem modo de vida nenhum conhecido
nesta vila, alguns homens sem moralidade, despeitados com a prisão, e da laia
de Arsênio, reuniram-se e formaram um
grande samba para por este meio poderem tomar em desabafo com o Delegado e
os guardas policiais; e não realizando-se pensamento tão criminoso na noite
seguinte reuniram-se em número maior na margem do rio em frente de uma das ruas
mais públicas desta vila e levantaram
outro samba muito mais forte ainda, de maneira tal, que atroavam as vozes
dos turbulentos por toda esta vila; o que não se importavam eles de fazer não
só por estarem animados pela muita aguardente que lhes foi fornecida para tal
fim, como por se acharem capitaneados pelo
Dr. Juvêncio Alves de Souza, Tenente Coronel José Tiburcio Pereira e
Mello, o Adjunto do Promotor Público desta vila Francisco Luis Ferreira,
Capitão Antonio Ribeiro da Silva, e outros; homens sem moralidade alguma, e que
procuram por todos os modos desprestigiar as autoridades deste termo; por serem
meros instrumentos do Juiz de Direito desta Comarca, Francisco Baptista da
Cunha Madureira, que por muitas outras ocasiões tem dado provas de seus mais
instintos; e anima desta vez hera quem dirigia, do seu Quartel general, este
ato repulsivo, por sua natureza imoral. Em vista de tão escandaloso modo de
proceder, o Delegado, 1º suplente em exercício, João Evangelista Pereira e
Mello, dirigiu-se a casa do Tenente Francisco Pereira das Neves, Comandante do
Destacamento e convidou-o a irem com alguns praças dispersar os perturbadores
da ordem, marchando ambos na frente dos guardas para evitarem que houvesse
alguma desordem; e com moderação de que sempre costumam usar, chegando ao lugar do samba intimaram aos
desordeiros para que se retirassem, ou então que seriam presos; e quando
esperavam que eles obedecessem a esta ordem legal, aconteceu exatamente o
contrário; porque os capangas animados pelos seus chefes investiram para o
Delegado e a polícia armados de cacetes e clavinotes, vendo-se eles na dura
necessidade de se defenderem ou de correr vergonhosamente; o que já não lhes
hera permitido fazer por estarem cercados, e nem lhes consentia sua dignidade
de autoridades; de modo que resultou do conflito saírem feridos três soldados de
polícia, sendo deles ferido por uma bala acima do peito e os outros por
cacetes; saindo também contuso no braço direito o denodado Tenente Comandante
do Destacamento que soube defender-se com sua coragem e intrepidez fora do
comum; pois do contrário teria sido vítima de seus agressores; assim como
saíram também feridos três dos desordeiros sendo dois pelos sabres dos
soldados; e um escravo do Dr.
Juvêncio (porque até estes se achavam no
samba para aumentar o número) ferido por quatro caroços de chumbo dos
próprios companheiros, porque a polícia estava somente com os seus sabres.
Em vista de tão deplorável acontecimento cumpro
o meu dever de autoridade levando ao conhecimento de Vossa Excelência o que
ocorreu; e pedindo a Vossa Excelência que faça marchar para esta vila mais
algumas praças, visto como é muito pequeno o destacamento que aqui existe, afim
de poderem as autoridades obrar com mais energia, e evitar que se reproduzam
conflitos desta ordem; e esta providência eu confio que não será embalde
solicitada, como já o tem sido em outras ocasiões, como quando se deu o
espancamento do Dr. Promotor Público desta Comarca Fenelon da Silva Monte;
muito principalmente quando tenho de fazer os processos, e não poderei cumprir exatamente
o meu dever sem ter uma força suficiente para garantir os meus atos, mas fico
tranquilo, porque tenho toda convicção de que Vossa Excelência em sua alta
sabedoria providenciará de modo, que não hão de ficar impunes os criminosos, e
zombarem da lei e da justiça.
Deus
Guarde a Vossa Excelência
Ilustríssimo
Excelentíssimo Senhor Dr. Venerado. Presidente da Província da Bahia.
Juiz Municipal, seu suplicante.
Francisco
Pereira das Neves.
Fonte:
Arquivo Público da Bahia
Seção Colonial Provincial
Governo da província
Juízes de Juazeiro
Maço: 2451
Ano: 1855-1873