Cada um no seu quadrado?

Na ‘Em tempo’ de setembro, a historiadora Keila Grinberg conta a história dos índios cherokees nos Estados Unidos que desejam excluir os afrodescendentes de sua nação, quebrando um tratado histórico e evidenciando um contrasenso: minoria discrimina minoria.


Bandeira da nação Cherokee, com cerca de 290 mil cidadãos.
Os cherokees vivem uma situação ambígua: possuem leis, 
governo e tribunais próprios, mas, ao mesmo tempo, são 
cidadãos dos Estados Unidos e devem obedecer às leis do país.


Por: Keila Grinberg

Se alguém ainda acredita na solidariedade natural entre as ditas classes oprimidas, a crença pode ter ido por terra mês passado. Tentando colocar um ponto final em uma disputa iniciada há quase 150 anos, os índios cherokees, dos Estados Unidos, resolveram excluir de sua nação os descendentes de seus escravos negros, argumentando que a eles falta sangue índio.
Conhecendo a opressão e a violência a que ambos índios e negros foram expostos nos Estados Unidos, não seria esta a história que esperaríamos ouvir.

 Família com mistura de afrodescendentes e nativos.
Alguns cherokees têm vergonha das origens 
interraciais de suas famílias.
(foto: Denver Public Library)

Não foi, pelo menos, o que a historiadora Tiya Miles, professora da Universidade de Michigan e autora do livro Ties that bind: the story of an afro-cherokee family in slavery and freedom (University of California Press, 2005), esperava ver quando começou a estudar o tema.
Ela imaginava que, ao estudar a longa relação entre os índios cherokee e os descendentes de africanos, encontraria histórias de alianças raciais e interculturais entre os dois grupos, ambos resistentes à escravidão e ao colonialismo.
Não podia estar mais errada. Quanto mais estudava o assunto, mais se espantava com as histórias que descobria. Por um lado, eram trajetórias de famílias misturadas, cherokee e africanas. Por outro, ouvia relatos de pessoas que tinham vergonha das origens interraciais de suas famílias e defendiam que, caso essas histórias fossem divulgadas, a própria soberania cherokee estaria ameaçada.

Pacto de igualdade

O caso é bem complicado. Os cherokees são uma tribo indígena originária do sul dos Estados Unidos (região que compreende parte dos atuais estados da Georgia, Carolina do Norte, Carolina do Sul e Tennessee). Desde o século 19, eram tidos pelos colonizadores europeus como uma tribo altamente civilizada, tendo assimilado várias de suas práticas; entre elas, a de ter escravos africanos.
Reconhecidos pelo governo americano como uma tribo soberana, os cherokees não conseguiram, no entanto, permanecer nas suas terras, principalmente depois da descoberta de ouro em parte delas. Em 1830, uma parcela da tribo foi realocada no território onde hoje é Oklahoma. Levaram consigo seus escravos.
Durante a guerra civil que dividiu os Estados Unidos entre 1861 e 1865, os cherokees apoiaram majoritariamente os Confederados, adotando a defesa da escravidão como demonstração de sua distinção social.

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