Em 2018,
dei início a digitalização dos Livros de Notas do APEB, em parceria com o
Professor João José Reis, financiado pela Biblioteca Britânica. A escolha desta
série documental não foi por acaso, já sabia que a riqueza de detalhes dos
escribas e variedade de fontes desse conjunto documental traria muitas
surpresas. Para além das escrituras de compra e venda, que são a maioria dos
casos, as cópias das cartas de alforrias são uma riqueza a parte. O documento a
seguir, não é uma alforria, mas o resultado dela.
Dirigiu-se
ao cartório do tabelião Manoel Lopes da Costa o africano Joaquim da Costa, que
pertenceu a João da Costa Junior, um traficante de escravizados e falsificador
de moedas e que tem em seu currículo uma história curiosa. Internado na Santa
Casa de Misericórdia, e acusado pelo crime de moedas falsas, se pintou de preto
para fingir ser um escravizado, e fantasiou-se de mulher para escapar da prisão.
Em sua massa falida deixou muitos escravizados, que recorreram a justiça ou
fizeram empréstimos, como o que se segue, para adquirirem a liberdade. Joaquim
da Costa tomou para a sua alforria a quantia de 600 mil réis, na certeza que
quitaria o débito em seis meses, para tanto, teve como fiadores solidários os
africanos libertos Carlos Buschek e Albino de Almeida, que hipotecaram seus
bens em favor do devedor. Uma escritura de débito, hipoteca e sujeição
foi lavrada em cartório. Sujeitou-se Joaquim as condições impostas pelo credor
José Joaquim de Oliveira e Silva, dentre as quais, ficar na casa do credor, e não
seguir para nenhuma parte, com a pena de pagar sua dívida com o seu ofício de
pedreiro, trabalhando em obras públicas ou particulares. A passagem da
escravidão a sujeição, até a conquista da sua liberdade não foi tarefa fácil,
contando com a ajuda de seus companheiros africanos libertos Joaquim se
utilizou do meio possível para a tão sonhada liberdade.

Escritura
de débito, obrigação e sujeição, que faz Joaquim da Costa, Africano, que foi da
massa falida de João da Costa Junior e Companhia, a José Joaquim de Oliveira e
Silva, da quantia de réis, 600$000, por tempo de seis meses, contados da data
desta, findos os quais vencerá o de dois por cento ao mês com as condições
abaixo declaradas.
Saibam
quantos este público instrumento de escritura de débito, obrigação e sujeição
ou como em direito melhor nome e lugar haja virem, que no ano do Nascimento de
Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e cinquenta e seis, aos quatorze
dias do mês de julho nesta leal e valorosa cidade de São Salvador Bahia de
Todos os Santos, e em seu escritório compareceram havidos e contratadas partes
a esta outorgantes, a saber como primeiro outorgante devedor Joaquim da Costa
Africano, que foi da massa falida de João da Costa Junior e Companhia, e
segundo outorgante credor José Joaquim de Oliveira e Silva, o primeiro
reconhecido pelo próprio das testemunhas abaixo mencionadas e assinadas e estas
e o segundo de mim Tabelião do que dou fé, e em presença das mesmas
testemunhas, pelo primeiro outorgante foi dito que ele se constituiu como
devedor ao segundo outorgante da quantia de seiscentos mil réis 600$000, que
recebera por empréstimo para a sua liberdade, para pagar dentro do prazo de
seis meses, contados da data desta escritura, findo aos quais se obriga a pagar
o prêmio de dois por cento ao mês até finar em abaixo do segundo outorgante com
a explicita condição de morar na casa do segundo outorgante e credor enquanto
de todo não tiver salvado o presente debito, obrigando-se além disso a não sair
da companhia dele para parte alguma da terra e nem fora dela sob pena de ser
coagido a trabalhar pelo seu oficio de pedreiro em obras públicas ou
particulares e o produto deduzidos os alimentos, será para a amortização de seu
débito, para o que oferece por seus fiadores e solidariamente obrigados a
solução desde débito e seus prêmios, a Carlos Bianchini e Albino de Almeida,
Africanos Libertos, que neste ato compareceram e que as mesmas testemunhas se
certificaram sendo os próprios, e por eles me foi dito que em qualidade de
fiadores e solidariamente obrigados pelo primeiro outorgante devedor
hipotecarão como de fato hipotecado tem por esta mesma escritura ao segundo
outorgante credor para salvação do presente débito e seus prêmios os bens que
possuem e passarão propriedade até final cumprimento da presente escritura,
obrigando-se eles e o primeiro outorgante a todos os encargos daqui como
fiadores e devedor este direito lhe sejam inerentes. Pelo segundo outorgante
foi dito que aceitava esta escritura com todas as suas cláusulas e condições.
Finalmente por todas estas partes foi mais dito que obrigavam a ter, manter,
cumprir e guardar a presente escritura como nela se contém e declara, e de como
assim o disseram e outorgaram, do que dou fé lhes fiz este instrumento que
outorguei, estipulei e aceitei sendo escrever dos ausentes ou de quem tocar
passar o direito dele, a qual incorporo o pagamento do selo proporcional que se
requer. Número três, lugar do selo, quinhentos, pagou quinhentos réis. Bahia,
quatorze de julho de mil oitocentos e cinquenta e seis. Nogueira. Velasques. E
depois de lido este instrumento por mim perante todos abaixo assinados a rogo
do primeiro outorgante devedor José Pio de Mello com o primeiro fiador e a rogo
do segundo fiador assinou Augusto Alves Carnaúba, por ambos não saberem ler nem
escrever com o segundo outorgante credor e as testemunhas. José Gomes Tropa e
Ignacio Alves Alexandrino da Fonseca, de que tudo dou fé. Eu Manoel Lopes da
Costa. Tabelião que o escrevi. José Joaquim de Oliveira, José Pio de Mello, José Gomes Tropa, Ignacio Alexandrino da Fonseca, Carlos Buschek, Augusto Alves Carnaúba.


Fontes: Arquivo Público do Estado, Seção Judiciária, Livro de Notas 328, páginas:
72v/73.
Jornal Constitucional, nº 68, 1862, página 4.