Em 26 de
abril de 1735, os irmãos da Irmandade de São Benedito estabelecidos no Convento
de São Francisco, descrevem em carta enviada ao Rei Dom João V, a situação
deplorável em que se enterram seus irmãos e solicitam esquive próprio para tal
fim.
A carta trás
detalhes da burocracia que envolvia os sepultamentos e que era monopólio da
Santa Casa de Misericórdia.
É também
verdade, que a Misericórdia tem três tumbas, sendo duas de maior asseio, vindo
a terceira para os mais pobres, porém, não com a caridade e desinteresse, o se
aponta, pois a raríssimos chega esta gratuita piedade exatíssimas averiguações
que se fazem ainda acerca dos mais indigentes, cujos cadáveres ficam muitas vezes
demorados pela grande repugnância que há de se enterrarem sem estipendio, para
cujo enterro não há outro remédio mais que pedir esmolas e valer-se do devoto
concurso delas quando chega para dar sepultura ao defunto, sendo levado da dita
tumba, e se acaso esta ultima e ínfima se concede para algum escravo sempre é
pelo interesse da esmola, com que a estimação ou caridade de seus senhores
concorre, e nunca graciosamente, sendo levados a sepultura cobertos todos de um
pano desprezível, e para servir ordinariamente para enterros de pretos cativos
não há mais que um chamado esquife fabricado rudemente de uns toscos paus com
três varões, um para diante e dois para trás, o qual, conforme os corpos que
lhe metem dentro, que sucede as vezes serem dois ou três juntos, carregam dois ou
três negros quase totalmente nus, sema mais vestido que uma tanga na cintura,
servindo o mesmo esquife de cobertura um pano mui vil, ao qual esquife ou
padiola lhe chamam Banguê, tão ludibrioso e ridículo, que serve de irrisão e
galhofa pública aos rapazes, e tem sucedido algumas vezes pelos longes das ruas
assim desta cidade como dos subúrbios dela largarem os cadáveres no chão no
meio do caminho, e retiram-se donde resulta virem as tumbas ou esquifes de
algumas irmandades para os levarem conforme a caridade dos compassivos e da
mesma sorte acontece frequentemente lançarem os defuntos corpos nos adros das
Igrejas, principalmente de religiosos, os quais se vem precisados a darem-lhe
sepultura, pois tem os senhores, por mais barato esta inumanidade, do que
experimentar as demoras e embaraços das averiguações de sua pobreza, com que
muitas vezes, além de se corromper primeiro o cadáver, fica totalmente
dificultada a sepultura, cujos desconcertos e desordens são públicas e notórias
nesta cidade. Nem é possível que o referido Banguê possa bastar a infinidade de
escravos que cotidiana e anualmente morrem nesta cidade, por passarem muito
além de mil.
FONTE: https://resgate.bn.gov.br/docreader/DocReader.aspx?bib=005_BA_AV&Pesq=enterrO&pagfis=32283
Para
saber mais:
João José
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XIX.