DA CRIAÇÃO DE PEIXES NO DIQUE A LAPDAÇÃO DE DIAMANTES EM SALVADOR NO SÉCULO XIX

 

Em 1876, Francisco Rocha arrendara o Dique do Tororó para ali implantar uma criação de peixes para revenda na Bahia. Nesta matéria de O MONITOR, além de detalhes do contrato, o articulista narra em sua transcrição os limites da área e negócios como lapidação de diamantes no arrabaldes da cidade, trata ainda da Invasão Holandesa e suas heranças. Uma matéria para melhor conhecer a cidade no século XIX.


Ilustríssimos Excelentíssimos Senhores, Presidente e membros da Assembleia Provincial.

Diz o Doutor Francisco Antônio Pereira Rocha que tendo arrendado em 1876 a Câmara Municipal desta cidade, por espaço de 27 anos, o Dique Novo, que se estende da Fonte das Pedras até o lugar do Moinho, e seus braços que entram pelo Tororó, Garcia e Barris, outrora até a camisa de fogo do Forte de São Pedro, na propriedade do finado Manuel Alves de Sá, sob as seguintes condições:

1ª Pagar a renda de 50$000 nos primeiros nove anos, 100$000por cada um dos nove seguintes, e 200$000 por cada um dos nove anos últimos anos, ficando então todas as benfeitorias fixas pertencendo a municipalidade, que poria em hasta pública o novo arrendamento, preferindo para ele o suplicante os seus herdeiros.

2ª Plantar na margem de toda a estrada Dois de Julho um pé de Eucaliptos Glóbulos, de sessenta em sessenta palmos, e no intervalo outros tantos de Salgueiro, (chorão, saule pleureur).

3ª A povoar o mesmo Dique de peixes fluviais, das melhores espécies indicadas e outros exóticos, que podem viver entre os trópicos e se possam aclimar, visto não ser o Dique d’águas estagnadas, antes renovadas quase diariamente, despejando [...] horas, pelas duas [...] sempre abertas, mais de três mil metros cúbicos d’água potável, que alimenta os motores das duas fábricas de lapidação de diamantes, nos lugares da antiga Bate Folha, e depois do Moinho do Meira, e finalmente da fábrica do superior Rapé Areia Preta de Gantois & Paillet, vendida a Meuron & Companhia.

4ª Fazer na margem do Dique, em frente ao do novo Bairro do Tororó, que é lugar mais estreito do trânsito em canoas, para maior comodidade dos moradores do mesmo, uma casa coberta de telhas para ali ser mercado do peixe.

5ª Só aí poder vender o peixe, sob pena de 100$000 de multa; finalmente, a vender, a nunca mais de duzentos réis o peixe cada quilo, e de todo o tamanho e qualidade, sob a mesma multa, excetuando só os crustáceos.

6ª Finalmente, a dar uma vez por mês o produto de toda a pescaria daquele dia (de jejum de preceito) grátis, para ser repartido pelas casas de educação e caridade, sem que a Câmara por sua parte lhe desse o menor auxílio, exceto proibir a pesca no mesmo Dique, sem sua licença para evitar a devastação que no peixe (que ali se reproduz), de continuo fazem os meninos e os vadios, pescadores d’água doce, usando de redes de pequenas malhas, gerirés, anzóis de unha de gato e até de tingui, côcae mesmo de cal, que deu cabo do peixe, que em abundância (até o Surubi) se criava e se vendia a 80 réis o arrátel de 16 onças, fixado por edital do almotacel Bottas, ainda depois da invasão de Mauricio de Nassau, no ano de... como consta dos registros municipais, que se criava, dizemos, no Velho Dique, que, começando na horta do Convento de São Bento, entrava pala baixa da Lapa, se estendia desde a Barroquinha, Rua da Lama, atual Rua da Vala e se fechava e abria no lugar das Sete Portas, por onde despejava o Rio das Tripas, até fazer junção com o Rio Camorogipe e ia desaguar na Mariquita povoação do Rio Vermelho, como ainda hoje. Ficou, pois, o Dique Velho despovoado de peixe e foi preciso formar o atual, represando para isso por um forte morachão ou tapagem, cuja terra foi tirada como se observa da chamada Ladeira do Moinho, montículo em terreno dos antecessores do Teixeira que por isso ficou com o direito a uma das portas de esgoto, situada em suas terras que pelo represamento ficaram alagadas.

Apesar de um tão vantajoso contrato, quase se pode chamar leonino teve o suplicante de ver-se impossibilitado de dar-lhe execução, por que as câmaras conservadoras nunca trataram de formular a postura indispensável para que o suplicante tivesse uma garantia a sua propriedade, isto é: o peixe que lançasse naquele grande estuário só par acrescer e engordar, por que a fecundação e encubação dos ovos, bem como os primeiros cuidados a das aos cayorrinhas só se podem praticar em aparelhos especiais e tanques, ou rigolas apropriadas.

Agora, porém, nutre o suplicante bem fundada esperança de que os atuais vereadores, homens do progresso, não queiram por mais tempo conservar as coisas no status quo e que formularam uma postura rigorosa que vos dignareis aprovar.

FONTE: O MONITOR, 9 DE JULHO DE 1880, disponível em: https://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=704008&pesq=%22Bate%20Folha%22&hf=memoria.bn.br&pagfis=4116

Para saber mais sobre o Dique: http://saosalvadordabahiadetodosossantos.blogspot.com/2015/05/dique-do-tororo.html