Arquivo Público do Estado da Bahia, cronologia histórica de uma morte anunciada.

Criado em 16 de janeiro de 1890, no governo de Manuel Victorino, o Arquivo Público do Estado da Bahia já causava debates acalorados entre os nobres deputados da Assembleia Provincial. Na sessão ordinária de número 76, realizada em 30 de julho de 1889, a discussão corria entono da contenção de gastos, a criação de um Arquivo Público entrava na pauta como um estorvo desnecessário e oneroso; nesse sentido exclamava o Sr. Deputado Aristides Borges: "Será inadiável a criação do Arquivo Público; pois esta província não tem até hoje nos diversos ramos de sua administração ocupado um lugar, não direi o primeiro do Império, mas que não é inferior ao de suas irmãs, sem que tenha um Arquivo Público, quando em ocasiões mais prósperas o poderia ter criado? Pode ser de utilidade a criação de um Arquivo Público, e não contesto; mas eu vejo que em todas as repartições há um arquivo, há um arquivo no tesouro provincial, na secretária do governo e temos a biblioteca pública. E não se arquiva coisa nenhuma nestas repartições. Vamos nos servindo com estes arquivos parciais, e quando as circunstâncias forem outras, então criaremos o arquivo público". Infelizmente esse pensamento perdura até os dias atuais. Nossos arquivos sempre foram vistos como depósitos de papéis velhos, relegados a locais insalubres e sem espaço adequado, raras são as exceções, como é o caso do Arquivo do Estado de São Paulo, projetado para tal. Em Salvador, a prefeitura local está construindo o Museu da Cidade, onde será abrigado todo o acervo do Arquivo Municipal, o qual está sendo tratado e digitalizado.

Superada a crise e cessada as discussões, em 16 de janeiro de 1890, cria-se o Arquivo Público. Em 17 de janeiro de 1891, festejava-se um ano da sua criação, para comemorar a data foi homenageado o seu criador com a colocação de sua foto no prédio da Academia de Belas Artes da Bahia, onde encontrava-se o Arquivo, localizado na Rua 28 de Setembro, à época o arquivo possuía cerca de 1 milhão de documentos, dos quais já se havia catalogado cerca de vinte mil. Também nesta ocasião discursou o seu diretor Francisco Vicente Vianna: "São estas, pois, as considerações em que hoje se acha o arquivo público do estado da Bahia, pequeno, é verdade, mas cheio de esperanças. Quando relembro as dificuldades e os desenganos com que ela desde então teve de lutar, titubeando, caindo, mas sempre se levantando". Mal sabia Francisco Vicente Vianna que o Arquivo continuaria titubeante ao longo de toda a sua história.

Desde a sua criação muitas foram as dificuldades encontradas para se manter viva a História da Bahia e do Brasil, não só o Arquivo Público, mas também a Biblioteca Púbica passou por dificuldades. Vejamos o que relatava o articulista do Diário de Notícias em 19 de abril de 1905: “Estes dois antigos monumentos, que guardam os mais preciosos documentos da nossa história e cultura intelectual, acham-se em deplorável estado: o primeiro porque, abatendo parte do teto do edifício, em que está instalado, viu-se a sua administração obrigada a remover, confusamente, para salvar de total prejuízo, o seu precioso material, e a Biblioteca, porque, retirada por força maior do consistório da Igreja Catedral, (vai por cerca de 6 anos!) ainda não foi reinstalada, achando-se a sua grande e rica livraria amontoada em um dos cômodos do pavimento inferior do Palácio do Governo”.  Em resposta, o governador José Marcelino de Souza dizia: “Quanto ao Arquivo já providenciei para os reparos do edifício, a fim de ser tudo reposto em seu competente lugar; e sobre a Biblioteca estou com todo cuidado, empenhado em reinstalá-la, convenientemente, o que já não foi possível por falta de edifício apropriado.”

Pois bem, não parava por aí, a saga continuava, e a cada despejo, parte do acervo ia se perdendo.  Dez anos depois, novo despejo, em 19 de março de 1915, o Arquivo Público é mudado para uma velha casa à Rua do Tesouro, essa era a matéria que estampava a capa do Jornal A Notícia. Vejamos de que forma isso foi relatado: “O transporte foi feito por caminhões e os montões de folhas preciosas do Arquivo eram atirados das janelas do edifício da Escola, dentro do caminhão, sem nenhum cuidado, sem nenhum carinho. A remoção terminou ontem”.  Na imagem podemos ver os documentos sendo transportados.

Passado o dano, em 1919 era anunciada a compra do antigo prédio da Associação dos Empregados do Comércio, para nele instalar o Arquivo Público, o valor pago foi de 40:000$00 (quarenta mil réis). A compra não agradou muita gente, a oposição se pronunciou através do articulista, que salientava: “Deus queira, porém, que esse dispêndio de dinheiro não seja para felicidade e gozo de algum afilhado do situacionismo que, a título de conservação, o queira presentear com um palacete para morar... de graça”.

A saga do Arquivo Público do Estado da Bahia segue ao longo dos séculos, em 2011, um risco de incêndio deixou as escuras o atual prédio, foram mais de três anos para a resolução do problema, reformas foram feitas, houve a requalificação da parte elétrica; recentemente a estrutura física do prédio passou por reforma, telhado, forro, assoalho, portas e janelas, pintura, entretanto, nada foi investido para a conservação do acervo, não há climatização, desumidificadores e o quadro de pessoal é deficitário, muitos dos funcionários estão se aposentando. O prédio também não é adequado, umidade e a proximidade com imóveis em seu entorno trazem risco ao acervo. Em 2011 foi relatado pela Direção do APEB a falta de espaço para acondicionamento de novos documentos gerados pelas repartições públicas: “Essa avaliação é feita por Comissões de Avaliações, formadas em cada órgão do Estado”, explicou ao A Tarde a coordenadora de Arquivos Intermediários, Adriana Souza Silva. O local que padece de espaço também não tem estrutura física para esta atividade. Para prevenir incêndios, devido à condição precária de rede elétrica, o primeiro andar do prédio está sem iluminação há dez dias". Estamos em 2021, o que vem sendo feito de toda a documentação produzida nas centenas de repartições públicas do Estado? Para onde estão indo esses acervos? Que história iremos contar sobre? A solução foi realizar uma triagem do que se receberia: “Para não se perder os documentos mais importantes, uma seleção do que entra começou a ser feita em 2010, com o Programa Estadual de Gestão de Documentos, que orienta órgão e entidades da administração pública sobre os procedimentos necessários para o armazenamento arquivístico”. Como se define qual documento é mais importante? Quem o define? O que o define?

Chegamos em 2021 e a situação é crítica, o atual prédio do APEB está sub judice, foi dado o prazo de sessenta dias para que todo o acervo fosse relocado, será que veremos a mesma cena de 1915?

Fontes:

1 - A HORA, 11.02.1919

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=176419&pesq=%22Arquivo%20P%C3%BAblico%22&hf=memoria.bn.br&pagfis=85

 

2 - Diário da Bahia, 27.12.1889

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=801097&pesq=%22Arquivo%20P%C3%BAblico%22&hf=memoria.bn.br&pagfis=2236  

 

3 - Jornal de Notícias, 17.01.1891

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=222216&pesq=%22Arquivo%20P%C3%BAblico%22&hf=memoria.bn.br&pagfis=47  

 

4 - Jornal de Notícias, 10.02.1898

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=222216&pesq=%22Arquivo%20P%C3%BAblico%22&hf=memoria.bn.br&pagfis=1296

 

5 - A Notícia, 09.03.1915

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=720160&pesq=%22Arquivo%20P%C3%BAblico%22&hf=memoria.bn.br&pagfis=874  

 

6 - A Notícia, 13.03.1915

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=720160&pesq=%22Arquivo%20P%C3%BAblico%22&hf=memoria.bn.br&pagfis=930  

 

7 - Arquivo Público de Paracatu - MG

https://paracatumemoria.wordpress.com/2011/12/05/arquivo-publico-da-bahia-tem-capacidade-de-acondicionamento-documental-esgotada/

 

8 - Pesquisando a História

https://uranohistoria.blogspot.com/2014/02/suspensao-de-atendimento-externo-no.html