Livro revela papel de intelectuais negros contra o racismo e pela cidadania no Brasil oitocentista



O primeiro censo demográfico realizado no Brasil do século 19 apontava para um dado importante: seis em cada dez pessoas pretas e pardas já viviam nas condições de livres e libertas, 16 anos antes do fim da escravidão. Esta maioria de mulheres e homens negros construiu experiências de liberdade na sociedade escravocrata constituindo redes até mesmo transnacionais de escritores, jornalistas e artistas que lutavam pelo abolicionismo e por projetos de cidadania. A história de integrantes dessas redes só não foi completamente negligenciada por força da excepcionalidade. Trajetórias como a de Luiz Gama ou José do Patrocínio, de Machado de Assis ou Chiquinha Gonzaga, são reconhecidas em suspensão, como descreve a historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto, autora do livro Escritos da Liberdade: Literatos negros, racismo e cidadania no Brasil oitocentista (Editora da Unicamp), da coleção Várias Histórias, organizada pelo Cecult (Centro de Pesquisa em História Social da Cultura da Unicamp).

A historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto, autora do livro: “Na liberdade, o exercício da cidadania era interditado cotidianamente a pessoas negras por conta do racismo”

“Nossa tendência é a de não reconhecer esses sujeitos no chão da história onde se assenta a dicotomia senhores brancos e escravizados negros. Mas, na liberdade, o exercício da cidadania era interditado cotidianamente a pessoas negras por conta do racismo”, afirma a autora. Ana Flávia é pós-doutora em História pela Unicamp e professora do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). A tese de doutorado “Fortes laços em linhas rotas: literatos negros, racismo e cidadania na segunda metade do século XIX”, que deu origem ao livro, recebeu menção honrosa do Prêmio Capes de Tese 2015.

Uma figura central para o mapeamento das redes de literatos abolicionistas foi o advogado e jornalista José Ferreira de Menezes, editor da publicação Gazeta da Tarde (1880) no Rio de Janeiro. Nascido na década de 1840 e filho de liberto, Menezes se insere numa rede de pessoas letradas e em 1860 vai cursar direito na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. “Ao chegar em São Paulo, Menezes estabelece laços com Luiz Gama. É uma rede que também tem a circulação de Machado de Assis”.

Ana Flávia destaca que, na província de São Paulo, Luiz Gama é quem inspira a geração que produz os primeiros jornais da imprensa negra como A Pátria e O Progresso. Aí são travadas relações que extrapolam os limites nacionais. Conta a autora que na fundação de O Progresso, em 1899, Theophilo Dias de Castro coloca na capa a figura de Luiz Gama. Ele tem um filho, Theophilo Booker Washington, em homenagem a Booker T. Washington, liderança negra nos Estados Unidos que instituiu uma escola para homens e mulheres, a atual Tuskegee University: 
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