ENTREVISTA COM LUCIANA DA CRUZ BRITO

Escrito por Luciana da Cruz Brito, Temores da África: segurança, legislação e populaçãoafricana na Bahia oitocentista, é uma obra que traça um paralelo entre dois eventos que projetaram sombra duradoura sobre os temas da escravidão e do racismo no século XIX: a lei de abolição do tráfico negreiro de 1831 e a repressão aos africanos libertos, que se dava através da aplicação de leis que tinham por objetivo controlar e punir a população africana da Província. Nesta edição do Espaço do Autor, a escritora fala sobre sua trajetória acadêmica, sempre em torno de um intensa pesquisa sobre a história da escravidão nas Américas e da diáspora africana.

Graduada em história pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Luciana realizou mestrado e doutorado na mesma área na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e pela Universidade de São Paulo (USP), respectivamente. Além disso, é pós-doutoranda no departamento de história na City University of New York (CUNY) como bolsista da Andrew W. Mellon Foundation. A autora estuda, particularmente, a área de história da escravidão e abolição nas Américas numa perspectiva transnacional e compara, com ênfase no Brasil e Estados Unidos

Por João Bertonie e Mariana Trindade

Conte-nos um pouco sobre sua trajetória profissional e acadêmica. Como surgiu o seu interesse pela história e pelas narrativas da diáspora?

O meu interesse pela história dos povos negros na diáspora surgiu ainda durante a graduação, na UFBA. Isso aconteceu inicialmente quando cursei uma disciplina chamada Atividade Curricular em Comunidade, ministrada pelo professora Ubiratan Castro de Araújo. Foi também em outra disciplina ministrada pelo professor “Bira”, história da Bahia, que ouvi pela primeira vez a história da Revolta do Haiti, ocorrida em 1791. O caráter extraordinário e importância do levante de Santo Domingo despertou meu interesse pelas experiências de resistência das populações escravizadas nas Américas. No semestre seguinte, ainda na graduação, cursei outra disciplina que abordava o tema do cativeiro nas Américas desta vez com o professor João José Reis. Durante as aulas eram enfatizadas as diversas formas de resistência escrava no Brasil, mas também nos Estados Unidos e Caribe. Após ter contato com a história do Haiti, do Levante dos Malês, da Revolução de Demerara e de atos de resistência individual, dos quilombos, depois de todas estas informações fiquei fascinada pelo tema. Foi daí que comecei a me dedicar ao assunto, não só no Brasil, mas nas Américas. A ênfase em Estados Unidos veio depois, durante o doutorado.

Como foi a experiência de vivenciar o estudo em diferentes instituições, como a USP, UNICAMP, UFBA e CUNY e em diferentes especializações?

Sem dúvida foram experiências importantes. A UFBa foi a porta para o mundo, literalmente. Estudar no sudeste, na Unicamp durante o mestrado e na USP durante o doutorado, foi importante por diversos aspectos. Naquela época a UFBa não tinha a estrutura que tem hoje, então foi evidente para mim a diferença de recursos investidos nas universidades do sudeste, a despeito das pesquisas de excelência que também desenvolvemos aqui no nordeste. Ao mesmo tempo, em Campinas e São Paulo, tive acesso a pesquisas sobre escravidão e abolição no país inteiro e isso colaborou muito com minha pesquisa sobre Bahia e depois sobre Estados Unidos. Ter um diálogo próximo com historiadoras e historiadores que são referências na área de História Social também foi muito importante.


Eu fui aos Estados Unidos pela primeira vez como estudante de graduação na Howard University. Entre 2011 e 2012 voltei àquele país durante o doutorado sanduíche na New York University, e mais tarde como pesquisadora visitante em Harvard (2013) e recentemente como pós-doutoranda em CUNY e professora visitante no Trinity College. Além da grande estrutura destas universidades e do contato com pessoas que desenvolvem pesquisas sobre escravidão e abolição no mundo inteiro, foi importante ter acesso a diferentes debates e abordagens. Porém, eu gostaria de afirmar que meu maior aprendizado fora do país, especialmente no ambiente acadêmico, foi reafirmar aquilo que eu já sabia, que é a importância da universidade brasileira, pública e de qualidade. Num país como os Estados Unidos, onde praticamente todas as universidades são privadas, percebi como a lógica de mercado tanto interfere nas pesquisas quando no corpo docente e discente. A juventude estadunidense, ao entrar na universidade, adquire uma dívida para o resto da vida. É inconcebível que um país se torne uma liderança mundial às custas do endividamento da sua juventude, sobretudo os mais pobres. Isso gera/ conserva a exclusão nos espaços de educação, sustentando a ideia de universidade como espaço privilegiado das elites.  A educação de qualidade, a universidade pública, é de fundamental importância para o desenvolvimento da ciência e também para a construção de um sociedade democrática.