Rio de Janeiro (RJ) – Obras raras da Biblioteca Nacional na
Zona Portuária são destruídas por mofo e até ratos
Anexo da fundação armazena coleções como a M-18, com 4 mil
livros do século XVIII. Doado em 1910, material não foi catalogado.
Longe dos olhos do público, documentos e livros raros estão
se deteriorando pela ação de traças, mofo e até ratos num prédio na Região
Portuária em que a Fundação Biblioteca Nacional guarda parte de seu acervo. Um
dos casos mais graves é o da coleção M-18, que reúne quatro mil livros do
século XVIII. O material, doado à biblioteca em 1910, até hoje não foi
catalogado. A coleção está armazenada em estantes, num dos depósitos de
periódicos, no terceiro andar, por falta de espaço no Departamento de Obras
Raras. Alguns livros apresentam mofo e traças, que já consumiram várias
páginas. Em outras publicações, não é mais possível ler o texto, devido a
manchas amareladas nas folhas, por problemas na conservação.
A coleção M-18, que reúne quatro mil livros do século XVIII
e que, apesar de ter sido doada à Biblioteca Nacional em 1910, até hoje não está
disponível para consulta pelo público – Alessandro Lo-Bianco / O Globo
Num relatório de 1917, a direção da biblioteca já
manifestava preocupação com a coleção M-18 e ressaltava que a falta de pessoal,
a Primeira Guerra Mundial, as mudanças políticas e a escassez de recursos
impediam o tratamento do acervo. Perguntada sobre o estado de conservação do
material, a Biblioteca Nacional informou que aguarda a contratação de 40
concursados para acelerar o processo de tratamento das obras e
disponibilizá-las ao público.
Segundo a diretoria da Associação de Servidores da
Biblioteca Nacional, o prédio anexo tem sido utilizado como depósito de obras e
materiais há mais de uma década, apesar de o ambiente ser inadequado para o
armazenamento, e os danos sofridos pelo acervo são irreversíveis. “As condições
do anexo são as piores entre os locais de armazenamento de acervo da Biblioteca
Nacional”, afirmou, por meio de nota. A entidade também disse que, na sede da
Avenida Rio Branco, o acervo é guardado em condições inadequadas, pois o
sistema de ar-condicionado funciona de forma precária.
Para pesquisador, situação “é uma vergonha”
De acordo com o arquiteto e historiador Nireu Cavalcanti, é
inadmissível que o acervo M-18 ainda não esteja disponível para consultas, pois
a biblioteca o recebeu há mais de cem anos:
— O que acontece nos depósitos da biblioteca é um escárnio
com a cultura. É uma vergonha. Esses arquivos estão sobrevivendo hoje do
carinho de funcionários que estão para se aposentar. Quando eles saírem, vai
virar uma bagunça ainda maior. Isso representa o descaso de um país que vê o
investimento cultural como algo supérfluo a serviço de uma elite.
Outro material que corre o risco de se perder é o acervo do
historiador Marcello de Ipanema, guardado em caixas de papelão, no segundo
andar do prédio anexo. Ainda segundo a nota da diretoria da Associação de
Servidores da Biblioteca Nacional, o material foi doado pela família do
historiador em 2005 e parte dele se encontra em “estado de decomposição”:
— O acervo nunca recebeu tratamento técnico adequado,
acumulando poeira, fuligem e sofrendo ataques de insetos e roedores.
Marcello de Ipanema foi por muitos anos membro de um
conselho estadual responsável pelo tombamento de bens históricos e culturais, e
fez estudos sobre a história da imprensa no Estado do Rio. Segundo
pesquisadores, o material mostra como eram catalogados e mapeados bens
patrimoniais, culturais e naturais da cidade. Em meio às caixas, há páginas
soltas e corroídas da obra “Francisco Manoel da Silva e seu tempo”, do
musicólogo e professor Ayres de Andrade Júnior, morto na década de 70. A
publicação, que nunca foi reeditada, conta a história musical do Rio entre 1808
e 1865.
A Biblioteca Nacional nega que o acervo de Marcello de
Ipanema esteja em estado de deterioração, mas admite que ainda não foi tratado
e que estaria sendo encaminhado para ser processado e disponibilizado ao
público. Por meio de nota, a instituição informou ser impossível, diante do
quadro insuficiente de funcionários, processar todo o acervo. A biblioteca
recebe, mensalmente, mais de 25 mil publicações. Segundo a instituição, será
feita uma reforma no prédio da Região Portuária, que ampliará em 12 mil metros
quadrados a área útil atual, de 15 mil metros quadrados, permitindo a melhora
na conservação e na organização.
Também guardado no prédio anexo, o “Saltério de Genebra” tem
bolor e páginas rasgadas. A obra é uma compilação de 150 salmos de Davi,
metrificados e musicados com notação característica do século XVI. O
historiador espanhol especializado em documentos religiosos Magno Rayol, que
fazia pesquisas na biblioteca, ressalta a importância da obra:
— Trata-se de uma raridade. Procurei esse material em
bibliotecas de outras partes do mundo e soube que estaria aqui. Ele foi
entregue à biblioteca há mais de uma década e é único. Se ele se estragar de
vez, perderemos uma parte importante do passado.
No depósito cinco, há ainda inúmeros manuscritos de
compositores doados à Divisão de Música em péssimo estado, obras em latim e
pergaminhos com anotações carimbadas pelo Vaticano dos séculos XIV e XV. A
“Ícaro y Dédalo”, do compositor da corte espanhola Juan Hidalgo, está
praticamente despedaçada. Próximo dali, amontoada em caixas, há uma peça
instrumental de Vivaldi, mofada e corroída, separada em fascículos.
Biblioteca tem 16 técnicos em restauração
No depósito seis, há partituras, periódicos nacionais e
estrangeiros, além de edições de manuscritos de grandes mestres da música
popular e erudita brasileira, como Ernesto Nazareth e Pixinguinha, doados pela
família deste último.
Segundo a Biblioteca Nacional, as áreas de curadoria do
acervo estabelecem os critérios de prioridade para restauração e identificam as
obras em mau estado de conservação. “Atualmente a biblioteca está com 16
técnicos em restauração para atender à demanda de um acervo estimado em dez
milhões de peças”. A biblioteca também informou que este ano adquiriu uma
máquina empacotadora a vácuo e que o aparelho embala até mil peças por dia.
“Com o uso dessa tecnologia, ganharemos espaço e arrumaremos melhor o acervo
sob a nossa guarda”, informou.
Por nota, o Ministério da Cultura informou que fez
investimentos nas áreas de preservação e acervo da Biblioteca Nacional que
somaram R$ 2,6 milhões em 2012 e R$ 2,5 milhões em 2013. Em 2014, devido aos
cortes no orçamento federal, o investimento liberado para a área foi de R$ 1,3
milhão. O órgão afirmou que o o repasse total de recursos para a biblioteca
entre 2012 e 2014 foi de R$ 35 milhões.
FONTE: O GLOBO
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