O pré-sal está mexendo com a imaginação de quase todo o mundo; de várias maneiras. Tem até gente assombrada com o que passou a escutar de pedaços de conversas aqui e ali, em lugares diversos.
Do fulano explicando para sicrano e beltrano que esse petróleo é do início dos tempos dos continentes. Que está lá embaixo no abismo do mar, a 7 mil metros de profundidade. Desde a época dos dinossauros.
Tem quem pergunte: "Será que não existe perigo de alterar o piso da crosta terrestre?" Há quem responda: "Não... o planeta existe há 4,5 bilhões de anos e a crosta há 4 bilhões. Resistindo."
Então um outro se empertiga para explicar que no começo só havia um único continente, à deriva: Pangeia, que acabou se partindo em Laurásia e Gondwana. Por sua vez, essas duas plataformas continentais também se fragmentaram. E o que hoje é Brasil ficava em Gondwana, o supercontinente que corresponderia em grande parte ao Hemisfério Sul.
Encurtando a história, com a fragmentação, a parte da terra que se transformaria em África afastou-se lentamente da atual América do Sul. Ou vice-versa.
Durante esse processo foi surgindo o oceano Atlântico, no qual, ao longo de milhões de anos e sucessivas eras glaciais, sedimentaram-se microorganismos. O
lha aí o petróleo do pré-sal. Formado, conforme calculam os especialistas, entre 140 a 60 milhões de anos atrás. Ufa.
Quer dizer, o pré-sal já está valendo pelo dito e não dito. Porque, apesar do petróleo ser um combustível fóssil condenado por provocar o aquecimento do planeta, ele também tem lá seu mérito como coadjuvante no palco ecológico deste mundo.
Afinal, antes de ser descoberto, a Europa medieval ardeu suas florestas e muito carvão mineral para obter energia e enfrentar invernos rigorosos. Mais ainda. O petróleo salvou as baleias!
Sim. A partir do século XVII, a pesca desses imensos mamíferos cetáceos foi praticada no Brasil com voracidade. As primeiras armações, lugares de beneficiamento dos produtos obtidos desses animais, surgiram no litoral de São Paulo e de Santa Catarina. E estenderam-se a outros pontos da costa brasileira.
A matança das baleias tinha como objetivo a carne, as barbatanas e, principalmente, a gordura dos animais. Para quê? Para a produção do óleo usado na iluminação dos engenhos, casas e fortalezas.
A gordura era derretida, filtrada para ficar sem resíduos e purificada. A partir daí transformava-se em um óleo puro e valioso, armazenado na casa de tanques; pronto para a venda.
A distribuição para o consumo fazia-se em pipas de 424 litros. Enviadas ao Rio de Janeiro, de onde seguiam para Portugal. As armações mais produtivas localizavam-se na costa santa-catarinense.
Essas informações constam do texto do historiador João Rafael Moraes de Oliveira na Revista de História da Biblioteca Nacional (ano 4, nº 48). Ele refere-se também ao uso do óleo de baleia ou "azeite de peixe" para calafetagem de barcos (vedação com estopa) e fabricação de sabões e velas.
Além de sua utilização para lubrificação de engrenagens. Com um detalhe: quando misturado ao barro, formava uma argamassa tão resistente que ainda hoje é possível encontrar paredes seculares intactas construídas com esse material.
Segundo Wellington Castellucci Junior, outro historiador com matéria assinada na mesma revista, a venda do óleo de baleia em cidades grandes era intensamente disputada. E as embarcações norte-americanas e inglesas preparavam o produto a custos modestos em alto-mar; nas águas sul-americanas.
Como conseguiam? Por terem acesso a uma tecnologia sofisticada. Exemplo: as caldeiras de pressão. Desse jeito, em pouco tempo haviam superado a antiquada indústria brasileira com suas armações fincadas em terra firme. Tanto assim que, em 1817, o Rio de Janeiro já importava óleo de baleia para atender a demanda da população da capital do Brasil.
Onde quero chegar?
Num curioso reconhecimento. A descoberta de petróleo na Pensilvânia (Estados Unidos), em 1859, livrou as baleias da extinção. Naquela época, o querosene diminuiu a pesca desses animais abatidos cruelmente para manter as lamparinas dos humanos acesas. Ia me esquecendo... Os continentes continuam à deriva.
Ateneia Feijó é jornalista
ACESSE:http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2009/09/08/petroleo-baleias-220943.asp